Professor de Filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Despolarização


Abre-se a possibilidade de que a pluralidade exibida nessas eleições municipais possa traduzir-se por várias apostas em 2026

Por Denis Lerrer Rosenfield

O resultado das eleições municipais exibiu um quadro de despolarização dos embates políticos, com as forças políticas mais importantes, como o lulopetismo e o bolsonarismo, sofrendo importantes transformações. O PT, aliado ao PSOL, padeceu de derrotas importantes, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre e outras capitais, enquanto o que se convencionou chamar de bolsonarismo mostrou relevantes divisões internas.

O PT envelheceu não somente do ponto de vista etário de seus membros, mas, sobretudo, devido ao atraso de suas ideias. Há uma não renovação geracional, tendo o PT se tornado lulodependente, e uma não renovação ideológica, com o partido preso a antigas fórmulas, com pouca aderência à sociedade. Quando algo muda, como no abraço a políticas identitárias, torna-se progressivamente alheio à realidade, voltado para uma bolha que vive, minoritariamente, de sua própria reprodução.

O apoio a Guilherme Boulos, PSOL raiz, mostrou um PT sem candidato forte, algo que era até há pouco inconcebível, e um deslocamento ideológico, como se uma nova força pudesse alterar esse cenário. Ora, o jovem é velho do ponto de vista das ideias e, além do mais, tudo fez para encobrir o seu radicalismo. O líder dos sem-teto, amplamente conhecido por desrespeitar a propriedade privada, de repente decide abraçar a economia de mercado e o empreendedorismo, dialogando com Pablo Marçal, força dissidente do bolsonarismo. Torna difícil para o eleitorado contornar tais flagrantes contradições.

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Não se trata somente de que o PT e o seu aliado PSOL precisem de uma melhor mídia social, avançando para a criatividade das mensagens digitais. Até em sua atuação midiática permanece preso a fórmulas ultrapassadas. O problema consiste em sua própria mensagem, que ficou embolorada. A sociedade brasileira, desde que Lula da Silva ganhou sua primeira eleição, sofreu profundas mudanças. Do ponto de vista dos valores, tornou-se mais conservadora, aderindo a valores religiosos e familiares – avessa profundamente a pautas identitárias –, como passou a prezar o empreendedorismo, a livre iniciativa, sem o peso de um Estado ineficiente e devorador de impostos. Lula prega mais empresas públicas e maior controle estatal, a sociedade, mais prosperidade social e maior liberdade. As bolsas-esmolas perderam o seu apelo.

Ressalte-se ainda a alergia do PT e seus satélites a tudo o que diz respeito a críticas, uma vez que toda desavença é desqualificada como “fascista” e “direitista”. Apega-se a uma tal “frente democrática”, inexistente aliás, salvo em sua acepção propriamente esquerdista: “frente democrática e anti-imperialista” com Vladimir Putin, Nicolás Maduro e Daniel Ortega (apesar de suas malcriações), Hamas, Irã, Hezbollah e outros exemplos propriamente “democráticos”. A desfaçatez, a hipocrisia e a má-fé são manifestas.

A direita, por sua vez, aqui entendendo todo o espectro que vai do centro ao bolsonarismo, sofreu uma importante transformação. Convém aqui salientar, com exceção das franjas mais radicais do bolsonarismo em relação à democracia, que essas distintas forças compartilham dos mesmos valores, a saber, economia de mercado, direito de propriedade, liberdades em seu amplo espectro, da econômica à política, passando pela social, e instituições democráticas. Mostraram, isso sim, que ganharam diferentes protagonistas, com novos líderes ganhando a cena política e eleitoral.

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Note-se que não se trata de uma mera fragmentação, mas do surgimento da pluralidade dentro desse amplo espaço da direita. A direita mostrou-se eleitoralmente plural, diversificada, com lideranças e partidos seguindo caminhos próprios, independentes da figura de Jair Bolsonaro, até então o polo aglutinador, como se a direita apenas a ele se identificasse. Marçal apareceu como uma liderança independente do ex-presidente, apresentando-se como uma alternativa interna ao bolsonarismo. Bolsonaro perdeu em Goiânia para o governador Ronaldo Caiado, chegando a ir a essa cidade para prestigiar o seu candidato no dia da eleição. Não foi atendido pelos eleitores.

O MDB conseguiu eleger o prefeito de São Paulo, tendo como aliados um grande espectro de centro, isto é, de direita, contra PT/PSOL apoiados por Lula. Terá de decidir no futuro se vai manter a aliança com a esquerda no nível federal. Observe-se que a vitória do atual prefeito é tributária do governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que acolheu o seu projeto, afastando-se com cautela de Bolsonaro. O PSD, de Gilberto Kassab, elegeu o maior número de prefeitos, em desavença com o ex-presidente, colocando-se como um player importante para as eleições de 2026. Aventa-se desde já a possibilidade de que lance candidato presidencial na figura de Ratinho Jr., governador do Paraná e igualmente vitorioso.

Abre-se a possibilidade de que a pluralidade exibida nessas eleições municipais possa traduzir-se por várias apostas em 2026, com características próprias e não mais bolsonarodependentes, embora o ex-presidente guarde, como Lula, força eleitoral.

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

O resultado das eleições municipais exibiu um quadro de despolarização dos embates políticos, com as forças políticas mais importantes, como o lulopetismo e o bolsonarismo, sofrendo importantes transformações. O PT, aliado ao PSOL, padeceu de derrotas importantes, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre e outras capitais, enquanto o que se convencionou chamar de bolsonarismo mostrou relevantes divisões internas.

O PT envelheceu não somente do ponto de vista etário de seus membros, mas, sobretudo, devido ao atraso de suas ideias. Há uma não renovação geracional, tendo o PT se tornado lulodependente, e uma não renovação ideológica, com o partido preso a antigas fórmulas, com pouca aderência à sociedade. Quando algo muda, como no abraço a políticas identitárias, torna-se progressivamente alheio à realidade, voltado para uma bolha que vive, minoritariamente, de sua própria reprodução.

O apoio a Guilherme Boulos, PSOL raiz, mostrou um PT sem candidato forte, algo que era até há pouco inconcebível, e um deslocamento ideológico, como se uma nova força pudesse alterar esse cenário. Ora, o jovem é velho do ponto de vista das ideias e, além do mais, tudo fez para encobrir o seu radicalismo. O líder dos sem-teto, amplamente conhecido por desrespeitar a propriedade privada, de repente decide abraçar a economia de mercado e o empreendedorismo, dialogando com Pablo Marçal, força dissidente do bolsonarismo. Torna difícil para o eleitorado contornar tais flagrantes contradições.

Não se trata somente de que o PT e o seu aliado PSOL precisem de uma melhor mídia social, avançando para a criatividade das mensagens digitais. Até em sua atuação midiática permanece preso a fórmulas ultrapassadas. O problema consiste em sua própria mensagem, que ficou embolorada. A sociedade brasileira, desde que Lula da Silva ganhou sua primeira eleição, sofreu profundas mudanças. Do ponto de vista dos valores, tornou-se mais conservadora, aderindo a valores religiosos e familiares – avessa profundamente a pautas identitárias –, como passou a prezar o empreendedorismo, a livre iniciativa, sem o peso de um Estado ineficiente e devorador de impostos. Lula prega mais empresas públicas e maior controle estatal, a sociedade, mais prosperidade social e maior liberdade. As bolsas-esmolas perderam o seu apelo.

Ressalte-se ainda a alergia do PT e seus satélites a tudo o que diz respeito a críticas, uma vez que toda desavença é desqualificada como “fascista” e “direitista”. Apega-se a uma tal “frente democrática”, inexistente aliás, salvo em sua acepção propriamente esquerdista: “frente democrática e anti-imperialista” com Vladimir Putin, Nicolás Maduro e Daniel Ortega (apesar de suas malcriações), Hamas, Irã, Hezbollah e outros exemplos propriamente “democráticos”. A desfaçatez, a hipocrisia e a má-fé são manifestas.

A direita, por sua vez, aqui entendendo todo o espectro que vai do centro ao bolsonarismo, sofreu uma importante transformação. Convém aqui salientar, com exceção das franjas mais radicais do bolsonarismo em relação à democracia, que essas distintas forças compartilham dos mesmos valores, a saber, economia de mercado, direito de propriedade, liberdades em seu amplo espectro, da econômica à política, passando pela social, e instituições democráticas. Mostraram, isso sim, que ganharam diferentes protagonistas, com novos líderes ganhando a cena política e eleitoral.

Note-se que não se trata de uma mera fragmentação, mas do surgimento da pluralidade dentro desse amplo espaço da direita. A direita mostrou-se eleitoralmente plural, diversificada, com lideranças e partidos seguindo caminhos próprios, independentes da figura de Jair Bolsonaro, até então o polo aglutinador, como se a direita apenas a ele se identificasse. Marçal apareceu como uma liderança independente do ex-presidente, apresentando-se como uma alternativa interna ao bolsonarismo. Bolsonaro perdeu em Goiânia para o governador Ronaldo Caiado, chegando a ir a essa cidade para prestigiar o seu candidato no dia da eleição. Não foi atendido pelos eleitores.

O MDB conseguiu eleger o prefeito de São Paulo, tendo como aliados um grande espectro de centro, isto é, de direita, contra PT/PSOL apoiados por Lula. Terá de decidir no futuro se vai manter a aliança com a esquerda no nível federal. Observe-se que a vitória do atual prefeito é tributária do governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que acolheu o seu projeto, afastando-se com cautela de Bolsonaro. O PSD, de Gilberto Kassab, elegeu o maior número de prefeitos, em desavença com o ex-presidente, colocando-se como um player importante para as eleições de 2026. Aventa-se desde já a possibilidade de que lance candidato presidencial na figura de Ratinho Jr., governador do Paraná e igualmente vitorioso.

Abre-se a possibilidade de que a pluralidade exibida nessas eleições municipais possa traduzir-se por várias apostas em 2026, com características próprias e não mais bolsonarodependentes, embora o ex-presidente guarde, como Lula, força eleitoral.

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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

O resultado das eleições municipais exibiu um quadro de despolarização dos embates políticos, com as forças políticas mais importantes, como o lulopetismo e o bolsonarismo, sofrendo importantes transformações. O PT, aliado ao PSOL, padeceu de derrotas importantes, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre e outras capitais, enquanto o que se convencionou chamar de bolsonarismo mostrou relevantes divisões internas.

O PT envelheceu não somente do ponto de vista etário de seus membros, mas, sobretudo, devido ao atraso de suas ideias. Há uma não renovação geracional, tendo o PT se tornado lulodependente, e uma não renovação ideológica, com o partido preso a antigas fórmulas, com pouca aderência à sociedade. Quando algo muda, como no abraço a políticas identitárias, torna-se progressivamente alheio à realidade, voltado para uma bolha que vive, minoritariamente, de sua própria reprodução.

O apoio a Guilherme Boulos, PSOL raiz, mostrou um PT sem candidato forte, algo que era até há pouco inconcebível, e um deslocamento ideológico, como se uma nova força pudesse alterar esse cenário. Ora, o jovem é velho do ponto de vista das ideias e, além do mais, tudo fez para encobrir o seu radicalismo. O líder dos sem-teto, amplamente conhecido por desrespeitar a propriedade privada, de repente decide abraçar a economia de mercado e o empreendedorismo, dialogando com Pablo Marçal, força dissidente do bolsonarismo. Torna difícil para o eleitorado contornar tais flagrantes contradições.

Não se trata somente de que o PT e o seu aliado PSOL precisem de uma melhor mídia social, avançando para a criatividade das mensagens digitais. Até em sua atuação midiática permanece preso a fórmulas ultrapassadas. O problema consiste em sua própria mensagem, que ficou embolorada. A sociedade brasileira, desde que Lula da Silva ganhou sua primeira eleição, sofreu profundas mudanças. Do ponto de vista dos valores, tornou-se mais conservadora, aderindo a valores religiosos e familiares – avessa profundamente a pautas identitárias –, como passou a prezar o empreendedorismo, a livre iniciativa, sem o peso de um Estado ineficiente e devorador de impostos. Lula prega mais empresas públicas e maior controle estatal, a sociedade, mais prosperidade social e maior liberdade. As bolsas-esmolas perderam o seu apelo.

Ressalte-se ainda a alergia do PT e seus satélites a tudo o que diz respeito a críticas, uma vez que toda desavença é desqualificada como “fascista” e “direitista”. Apega-se a uma tal “frente democrática”, inexistente aliás, salvo em sua acepção propriamente esquerdista: “frente democrática e anti-imperialista” com Vladimir Putin, Nicolás Maduro e Daniel Ortega (apesar de suas malcriações), Hamas, Irã, Hezbollah e outros exemplos propriamente “democráticos”. A desfaçatez, a hipocrisia e a má-fé são manifestas.

A direita, por sua vez, aqui entendendo todo o espectro que vai do centro ao bolsonarismo, sofreu uma importante transformação. Convém aqui salientar, com exceção das franjas mais radicais do bolsonarismo em relação à democracia, que essas distintas forças compartilham dos mesmos valores, a saber, economia de mercado, direito de propriedade, liberdades em seu amplo espectro, da econômica à política, passando pela social, e instituições democráticas. Mostraram, isso sim, que ganharam diferentes protagonistas, com novos líderes ganhando a cena política e eleitoral.

Note-se que não se trata de uma mera fragmentação, mas do surgimento da pluralidade dentro desse amplo espaço da direita. A direita mostrou-se eleitoralmente plural, diversificada, com lideranças e partidos seguindo caminhos próprios, independentes da figura de Jair Bolsonaro, até então o polo aglutinador, como se a direita apenas a ele se identificasse. Marçal apareceu como uma liderança independente do ex-presidente, apresentando-se como uma alternativa interna ao bolsonarismo. Bolsonaro perdeu em Goiânia para o governador Ronaldo Caiado, chegando a ir a essa cidade para prestigiar o seu candidato no dia da eleição. Não foi atendido pelos eleitores.

O MDB conseguiu eleger o prefeito de São Paulo, tendo como aliados um grande espectro de centro, isto é, de direita, contra PT/PSOL apoiados por Lula. Terá de decidir no futuro se vai manter a aliança com a esquerda no nível federal. Observe-se que a vitória do atual prefeito é tributária do governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, que acolheu o seu projeto, afastando-se com cautela de Bolsonaro. O PSD, de Gilberto Kassab, elegeu o maior número de prefeitos, em desavença com o ex-presidente, colocando-se como um player importante para as eleições de 2026. Aventa-se desde já a possibilidade de que lance candidato presidencial na figura de Ratinho Jr., governador do Paraná e igualmente vitorioso.

Abre-se a possibilidade de que a pluralidade exibida nessas eleições municipais possa traduzir-se por várias apostas em 2026, com características próprias e não mais bolsonarodependentes, embora o ex-presidente guarde, como Lula, força eleitoral.

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Opinião por Denis Lerrer Rosenfield

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