Engana-se quem pensa que Lula da Silva e Fernando Haddad possuem ideias diferentes, embora um seja mais tosco e o outro mais refinado. Analistas do mercado e jornalistas ficaram desde a posse do novo presidente, até poucas semanas atrás, querendo diferenciá-los, fazendo do primeiro um irresponsável do ponto de vista fiscal enquanto o segundo colocaria nos trilhos as finanças públicas. Armou-se o palco de uma grande encenação, uns ganhando prestígio, outros, dinheiro. De repente, o teatro foi desmontado, a decepção apoderando-se de muitos. Não compreenderam um fato básico: eles formam um dueto.
Desde o início, ambos se recusaram, um sem nenhuma sutileza, o outro com a pretensão de enganar os incautos, a fazer nenhuma redução de despesas ou corte de gastos, seu objetivo sendo, claramente, arrecadar mais. Lula não cansou de alardear que todo gasto seria nada mais do que “investimento”, de modo que pudesse agir sem nenhum tipo de limite. Em acesso imperial, considera que tudo que entende como desejável para ele deve ser incondicionalmente aceito pelos pagadores de impostos.
De lá para cá, só aprofundou essa sua posição. Autoriza, se não exige, novos gastos como se o Estado fosse uma fonte inesgotável de recursos, apresentados como “públicos”. Trata-se de uma outra empulhação, pois são privados que foram transferidos para a instância estatal, devendo, por isso mesmo, ser distribuídos com parcimônia e responsabilidade. Em vez disso, tomou a decisão de onerar ainda mais o “contribuinte” (que não quer mais contribuir), sobrecarregando a sociedade, sua galinha dos ovos de ouro. Houve alguma reação do ministro Haddad? Concordou com o seu mentor, sem o qual perde qualquer sustentação política.
Eis que a dupla decidiu tudo apostar, na reforma tributária, no aumento da arrecadação e na aquiescência aos diferentes setores corporativos, que atuam em benefício próprio na captura do Estado. Estabelece-se, assim, favorecimento para uns, subsídios para outros, e assim por diante, fazendo com que os novos impostos não possam ser igualmente distribuídos. Em vez de defender a igualdade, o governo de esquerda aposta na desigualdade tributária. Em consequência, decidiu-se pela criação de um novo imposto, o seletivo, corretamente alcunhado de “imposto do pecado”.
O nome não poderia ser mais apropriado, pois apresenta o novo governo como possuindo um zelo religioso, apesar de muitos se dizerem ateus. Querem corrigir comportamentos, cercear a liberdade de escolha, como se fossem representantes eleitos do “bem”. Estão imbuídos dessa nova “seletividade”, imiscuindo-se na vida mesma das pessoas e empresas. Procuram “regular” comportamentos, inviabilizando uns, favorecendo outros, dizendo a todos o que devem fazer. O descaramento é total. O que aparece, no entanto, é um único objetivo: aumento dos impostos para dar conta dos gastos por ele mesmo criados.
Bebidas alcoólicas e cigarros são os maiores alvos, já altamente tributados, ampliando-se para produtos açucarados, salgados e estendendo-se para outros, tidos, por sua vez, como prejudiciais ao meio ambiente. A gana por maiores recursos é o que move a ação “reformista” do governo. Nada os impede de seguir avante, os seus críticos passando a ser considerados como politicamente incorretos, ou melhor, “pecadores”. Na campanha eleitoral, o presidente chegou a declarar que seu governo daria picanha e cervejinha a todos os brasileiros. O que fez depois: ambos os produtos foram excluídos da cesta básica. Básico mesmo é aumentar a arrecadação.
Desenvolveu-se, desse modo, uma postura antimercado que não foi predominante em seu primeiro governo. Lá, figuras como Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central imprimiram uma marca pró-mercado e de responsabilidade fiscal. Adotaram a herança bendita do governo Fernando Henrique, embora os petistas demagogicamente a considerassem como “maldita”. Se Lula tivesse agido naquele então de acordo com as ideias de esquerda tradicionais, já teria naufragado naquele momento, não tendo sido preciso esperar pelo Dilma 2. Agora, não cansa de vociferar contra o mercado, como se esse fosse uma entidade oposicionista.
Seu inimigo predileto atualmente é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como se esse quisesse o “mal” do Brasil. Toda posição anti-Lula é logo tida por anti-Brasil, em uma megalomania desenfreada. O controle social da moeda e, por via de consequência, da inflação é simplesmente considerado um problema menor, secundário. Chega a pedir manifestações públicas pela redução da taxa Selic, como se fosse essa um mero capricho de seu presidente. A equação é simples: se Lula verdadeiramente pretende uma redução dessa taxa, a solução está à sua mão. Basta gastar menos e ser responsável fiscalmente.
Recomendação. Se Lula mantiver sua posição antimercado, uma espécie de alergia, melhor seria tomar doses maciças de antialérgico. Caso contrário, será o País a contrair essa doença!
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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR