Passados quatro meses da posse do novo governo, não se sabe bem se há governo e a quem ele se destina. Governo significaria um conjunto de ideias e metas coerentes entre si e voltado para o bem do País, para além das clivagens partidárias e ideológicas. Ora, o que se tem visto é o novo presidente fazendo declarações, uma atrás da outra, sem nenhuma coerência, como se estivesse ainda num palanque eleitoral. O seu discurso oscila segundo as circunstâncias e conforme certas ideias – se é que se pode considerar como ideias manifestações que em muito se diferenciam de seu primeiro mandato e, inclusive, de seu segundo. O resultado é que seu governo está sem destino e o País, sem rumo.
Se podemos considerar seu primeiro mandato com tendo primado pela responsabilidade, apesar de certas falas suas se dissociarem do que fazia, agora a situação é completamente distinta, visto que seus discursos só produzem irresponsabilidades, seja na condução da política fiscal, seja no respeito aos contratos, seja na desconsideração da propriedade privada. Muitos liberais e democratas optaram pelo PT não por qualquer adesão a suas ideias, mas simplesmente porque pretendiam se desvencilhar do governo Bolsonaro, que se caracterizou por seu desrespeito à democracia, procurando de todas as maneiras miná-la. Entretanto, não o fizeram para pôr em seu lugar um outro tipo de autoritarismo e arbítrio.
Mesmo assim, Lula ganhou por estreita margem: 1,8% dos votos. Isso já implicaria por si só o humilde reconhecimento de que ele era um desaguadouro de insatisfação generalizada. Deveria buscar traduzir em sua conduta a “Frente Democrática” que dizia representar, tendo sido acreditado por muitos. O programa do PT não foi vitorioso nas urnas, haja vista a minguada representação parlamentar que conquistou no Senado e na Câmara. Com essa representação, não consegue aprovar nada. Deveria, isso sim, realizar em seus atos ideias que deem satisfação a todos os que votaram contra o ex-presidente Bolsonaro.
Todavia, o que estamos testemunhando? Uma minoria petista tentando impor ao governo, ao Parlamento e à sociedade ideias ultrapassadas de uma esquerda que há muito morreu em todo o mundo, salvo em países moribundos do “socialismo do século 21″, como na Venezuela, na Nicarágua, em Cuba ou em outros países latino-americanos como Argentina. Num vocabulário assaz estranho, são ditos “progressistas”. É esse o nosso espelho?
Isso sem falar dos flertes ideológicos e geopolíticos com a extrema direita russa com Vladimir Putin (será que ele é considerado um comunista?) e com a China comunista, tudo em nome, evidentemente, de uma luta – fictícia – contra a hegemonia do Norte e contra o imperialismo americano. Em todas essas atitudes impera um nítido espírito anticapitalista.
Talvez, na política interna, a manifestação desse espírito resida no revival do MST, que renasce das cinzas graças ao apoio do governo. A recente feira em São Paulo deste movimento, linha auxiliar do PT, contou com forte presença governamental, mostrando todo o seu prestígio entre os novos governantes. O setor mais pujante da economia, o do agronegócio, foi simplesmente desconsiderado, tendo sido colocado, em seu lugar, o pleito por uma “reforma agrária” há muito superada pelas novas condições sociais e econômicas e pela modernização da agricultura, da pecuária, do agronegócio, da agroindústria e das cooperativas.
É bem verdade que certas entidades representativas desses setores se alinharam politicamente ao bolsonarismo, quando, institucionalmente, não o deveriam ter feito. São representantes de um setor perante qualquer governo, de direita ou de esquerda, não devendo engajar-se politicamente. Contudo, nada disso justifica o viés contra todo este setor moderno e condutor da economia.
Outra manifestação importante deste mesmo espírito, em outras de suas facetas, é a irresponsabilidade fiscal. O novo governo assumiu conseguindo fazer aprovar a PEC da Gastança, que em muito prejudicou a economia brasileira. Depois, prometeu um arcabouço fiscal, substitutivo à Lei do Teto dos Gastos, para corrigir o rombo por ele mesmo criado. E o fez sem nenhuma preocupação com corte de gastos e avaliação dos projetos em execução nos diferentes ministérios, tendo como único alicerce o aumento dos impostos. Nessa confusão generalizada, todo “gasto”, num passe de mágica, passou a ser considerado “investimento”. A mudança de palavras não muda a realidade, que logo cobrará o seu preço. E, mesmo assim, setores do PT estão descontentes com este arremedo fiscal, que só é aceito por alguns por medo de algo pior.
Procurando desresponsabilizar-se por seus próprios erros e ausência de ideias, Lula e seu governo investem pesadamente contra o Banco Central e, em particular, o seu presidente, numa nítida confusão de causa com efeito. Se juros são altos, isso se deve à política do novo governo, incapaz de produzir qualquer expectativa segura quanto ao futuro. É um anticapitalismo pueril!
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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR