A tentativa de golpe de Estado, liderada por um grupo de bolsonaristas, fiéis ao ex-presidente da República, com envolvimento de militares, alguns deles generais, redundou em um exuberante fiasco. Parece coisa de aloprados ideologizados, cujo amadorismo contrasta com a formação de alguns deles nos “kids pretos”: as Forças Especiais. Em todo caso, parte da cobertura jornalística e midiática tem dado destaque ao Exército enquanto instituição, visando a atingir a sua própria imagem. Ora, tal tentativa é divorciada ideologicamente da realidade. Se a tentativa de golpe não prosperou, é porque a maioria absoluta do Alto Comando, conforme relatório da Polícia Federal, impediu que esse empreendimento tivesse êxito. Logo, se golpe não houve, isso se deve aos militares. Manchete que poderia ter sido escrita: Alto Comando do Exército impede o golpe!
O golpe não vingou graças à intervenção dos ditos generais melancias, verdes por fora e vermelhos por dentro. Ora, esses generais provavelmente nem votaram em Lula da Silva, sendo democratas e conservadores. Estavam e estão, isso sim, apegados à Constituição, obedecendo-a. Querer qualificá-los como sendo de esquerda é um disparate. Os mais destacados foram: general Tomás Ribeiro Paiva, na época comandante militar do Sudeste, hoje comandante do Exército; general Valério Stumpf, na época comandante do Estado-Maior; general Richard Nunes, na época comandante militar do Nordeste, hoje chefe do Estado-Maior; general Guido Amin, hoje comandante militar do Sudeste, entre outros. Formaram eles maioria no Alto Comando, com comando de tropa, logo, tendo o poder decisório.
Nesse aspecto, havia uma divisão interna no Exército. Foram alguns desses generais difamados nas redes sociais, com os seus familiares sendo ofendidos e indiretamente ameaçados. Segundo a Polícia Federal, o general Braga Netto estaria na origem desses ataques pessoais e familiares. Por via de consequência, é pouco plausível que se espere alguma solidariedade dos atuais comandantes em relação aos generais e aos militares que estão envolvidos nessa articulação golpista. Agiram individualmente, não seguiram a orientação do Alto Comando, além de serem considerados pessoas com comportamento moral pouco digno.
Chama particularmente atenção, na reprodução das gravações, o pouco manejo da língua portuguesa por parte dos envolvidos. As frases são frequentemente sem nexo, com o predicado se encaixando com dificuldade no sujeito e vice-versa. Os militares, entre os altos oficiais, são pessoas que prezam os livros. Para quem tem contato com eles, é comum dar livros como presentes e troca de informações sobre leituras em curso. São também leitores contumazes de jornais, com destaque para O Estado de S. Paulo. Logo, os iletrados nem honram, nesse sentido, a tradição militar. Note-se também que essas gravações mostram ainda uma quebra de hierarquia, com um coronel tratando um general pelo nome, usando o pronome você. Coronel trata general de senhor! Mesmo entre os generais, em eventos sociais, eles se tratam, de modo geral, por senhor.
Houve uma quebra de hierarquia, uma vez que as orientações do Alto Comando não foram seguidas. As “consultas” golpistas deveriam, naquele momento, ter dado o assunto por encerrado. No entanto, as articulações prosseguiram, à revelia dos generais legalistas. Portanto, a novidade trazida pelas investigações da Polícia Federal consiste em que os militares golpistas seguiram com o seu empreendimento, o que dá a esse processo um caráter quixotesco. Isso porque não há golpe bem-sucedido sem o envolvimento do Exército. Se este disse não, o destino do golpe estava selado: fracasso!
Nesse contexto, a invasão do Palácio do Planalto, a ocupação da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, por um grupo de arruaceiros, acaparados ideologicamente pelo bolsonarismo, não pode ser vista seriamente como uma tentativa de golpe. Isso porque o golpe já tinha sido abortado pelo Alto Comando. O seu objetivo foi, porém, o de produzir a insegurança institucional, com a ideia estapafúrdia de que isso poderia suscitar uma indignação popular. Ora, qualquer tentativa de golpe só pode ser bem-sucedida se, além de grandes manifestações, houver um grupo muito bem organizado, estendendo os seus tentáculos sobre várias instituições do Estado, e uma intervenção do Exército e das Forças Armadas em geral. Sem essas condições, não há golpe que possa ser exitoso.
Assim, os participantes dessa jornada de violência são inocentes úteis, que foram manipulados. Em linguagem militar, talvez se possa dizer que foram bucha de canhão. Dentre os presos, não há nenhuma personalidade relevante. Entretanto, o Supremo os está tratando como se fossem grandes conspiradores, com penas exorbitantes em relação aos atos cometidos. O tempo que já passaram em prisão é uma pena suficiente. Deveriam ter um processo jurídico normal, e não o de criminosos julgados por um tribunal de exceção. Foram partícipes do estertor de um golpe já naquele então fracassado!
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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR