A Câmara Municipal foi descuidada, para dizer o mínimo, ao concluir a votação definitiva da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Paulo, a chamada Lei de Zoneamento, no dia 21 de dezembro. Com 46 votos favoráveis e 9 contrários, a Casa aprovou o texto substitutivo apresentado pelo relator, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), apenas horas antes da votação em plenário. Ou seja, é lícito inferir que muitos vereadores votaram a favor de uma matéria sobre a qual não tiveram tempo hábil para avaliar com a devida atenção.
Pode-se argumentar que os vereadores tenham acertado entre si o teor do texto aprovado, que modificou sensivelmente o projeto original, fazendo da votação mera formalidade. O placar é eloquente nesse sentido. Os munícipes, porém, ficaram às escuras. Afinal, a serviço de quem – ou de quê – estão os vereadores? De nada adianta o relator Rodrigo Goulart argumentar que os termos da Lei de Zoneamento passaram por “várias audiências públicas” se, ao fim e ao cabo, o substitutivo que agora vai à sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB) era desconhecido da população até pouco tempo antes da votação.
Não foram alterações triviais do projeto. Uma das mais nefastas para o interesse público, sem dúvida, foi o esvaziamento do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), órgão responsável pela preservação da memória da cidade, pela proteção de seu patrimônio cultural e ambiental. De acordo com a nova Lei de Zoneamento, a decisão final sobre tombamentos passa a ser da Câmara Municipal, não mais do Conpresp. Isto é, uma decisão que deve ser eminentemente técnica – o conselho envolve especialistas de várias áreas do conhecimento – passa a se submeter à lógica da política. É um disparate. Uma reflexão sobre o que haveria de ser perene dá lugar à fugacidade dos interesses de ocasião.
Além dessa, outra mudança significativa foi a autorização para a verticalização dos chamados “centrinhos” e dos “miolos” dos bairros, aumentando o limite de altura das construções nas Zonas de Centralidade e nas Zonas Mistas, que, juntas, formam a maior parte da área da metrópole. Na prática, isso significa que poderão ser construídos edifícios de até 60 m de altura nos “centrinhos” e de até 42 m nos “miolos”, mesmo que esses prédios estejam afastados dos eixos de transporte coletivo. Arquitetos e urbanistas ouvidos pelo Estadão alertaram para os impactos que essa decisão terá sobre a temperatura, o trânsito e as emissões de poluentes na cidade. O prefeito Ricardo Nunes sinalizou que vetará esse trecho da Lei de Zoneamento.
Não bastasse tudo isso, os vereadores também aprovaram a construção de moradias populares em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepams), que foram convertidas em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). A Câmara Municipal também aprovou a inclusão de shopping centers e templos religiosos de grande porte no rol de exceções que não precisam obedecer a limites de construção em relação ao tamanho máximo do terreno, como cemitérios e bases militares.
Decerto há pontos positivos e negativos na nova Lei de Zoneamento. Segmentos da sociedade paulistana podem se sentir atendidos ou não por seus dispositivos. A questão de fundo é que não houve um debate aprofundado sobre a matéria que restou aprovada. É preciso dizer o óbvio: a Lei de Zoneamento não é uma lei trivial. Lidar com gabarito de construções, com permissões para ocupação do solo e com patrimônio cultural e ambiental da cidade é, fundamentalmente, lidar com a vida que as pessoas vão viver por muitos e muitos anos. Isso impõe ao legislador não apenas cuidado, mas elevado espírito público. Nem uma coisa nem outra parece ter havido naquela açodada votação.
A Câmara Municipal deu mostra de que se fecha cada vez mais à cidade, decidindo sobre questões de interesse direto dos paulistanos sem transparência. Não é assim que se faz política pública. Não é assim que se faz planejamento urbano – menos ainda na maior cidade da América Latina, a quarta maior cidade do mundo.