Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Amizade social


Tema da Campanha da Fraternidade deste ano vem em boa hora, considerando o contexto de polarização ideológica e política que se vive, não só no Brasil

Por Dom Odilo P. Scherer

Como ocorre há 60 anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promove a Campanha da Fraternidade durante o período da Quaresma, que vai da Quarta-feira de Cinzas até às vésperas da Páscoa. Desta vez, o tema é “fraternidade e amizade social” e o lema, “vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mateus 23,8).

O principal objetivo da Campanha da Fraternidade é despertar e promover mais e mais a fraternidade entre todos, a superação dos conflitos e suas causas, a convivência harmoniosa entre as pessoas, não apenas no âmbito interno das comunidades da Igreja, mas em toda a sociedade. E não parece um objetivo pequeno nem banal, mais ainda em tempos de polarização, acirramento dos conflitos e de fechamento em bolhas autorreferenciais. O tema remete logo à encíclica Fratelli Tutti, do papa Francisco (2020).

Desde os filósofos clássicos gregos, a amizade foi vista como um fator de bom convívio das pessoas e de integração harmônica da comunidade humana. Sócrates ensinou que a amizade é capaz de vencer todos os obstáculos para unir corações e, graças a ela, as pessoas preferem possuir menos, vivendo em paz, do que conquistar tudo pela guerra. Para Platão, a amizade vai além de uma tendência natural, sendo fruto da afinidade em base a valores comuns, em torno dos quais a cidade pode viver de maneira virtuosa e superar seus problemas. Aristóteles, na sua Ética a Nicômaco, trata mais longamente da amizade, ensinando que ela é o vínculo social por excelência, que mantém a unidade entre os cidadãos de uma mesma cidade, ou entre os companheiros de um mesmo grupo. Para o filósofo, a amizade é capaz de humanizar e aperfeiçoar as relações entre as pessoas e o convívio político. Também Santo Tomás de Aquino, seguindo a linha de Aristóteles, deu destaque à amizade como virtude política necessária à boa convivência em sociedade.

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No início da idade moderna, Thomas Hobbes (1588-1679) contrapunha-se a essa linha de pensamento, afirmando que a força motriz do convívio social são o conflito e o medo. É bem conhecido seu dito homo homini lupus (o homem é lobo do homem) e até pode refletir certas situações também constatáveis no convívio social. O medo e o desejo de eliminar o outro, visto como ameaça, dão origem à sociedade do conflito e do fechamento ao próximo. Certamente, o medo e o desejo de aniquilar o outro não são capazes de edificar um convívio social respeitoso. Ao contrário, alimentam a suspeita e a tendência destrutiva do outro, impossibilitando um convívio humano saudável e pacífico.

O papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, aborda o tema da fraternidade humana, lembrando um princípio caro a cristãos e muitos não cristãos: somos todos humanos. A humanidade é unida por este laço comum da mesma origem, identidade e dignidade, não importando as diferenças secundárias de raça, religião, cultura ou condição social. Portanto, toda pessoa é um irmão e uma irmã, membro da única grande família humana. Sendo assim, é natural e coerente que se busque expressar essa condição numa convivência fraterna, em que se acolhe o diferente a partir daquilo que une todos, sem exceção.

Esse princípio não é religioso, mas antropológico. Contudo, ele está em plena sintonia com o ensinamento de Jesus aos discípulos: “Vós todos sois irmãos” (Mateus 23,8). E também com o mandamento do amor ao próximo, de tradição anterior a Jesus Cristo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19,18).

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Na encíclica citada, Francisco ensina que a amizade social é aberta, permitindo reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, a prescindir da proximidade física ou espacial (n.º 1); é o amor desejoso de abraçar a todos (n.º 3); a renúncia a todo o desejo de domínio sobre os outros mediante a força ou a guerra (n.º 4); e se manifesta no amor que supera as fronteiras que isolam e separam, lançando pontes e contribuindo para edificar uma grande família, no seio da qual todos podem sentir-se em casa (n.º 62). A amizade social é a vocação natural dos seres humanos, que leva a formar comunidades feitas de irmãos que se acolhem e se cuidam mutuamente (n.º 96). É aberta a todos e leva a valorizar a pessoa, por ela mesma, e não apenas pelo interesse e benefício que ela possa representar para outros (n.º 94). Ela é fundamental para reconhecer e promover a dignidade de cada ser humano e para edificar uma sociedade respeitosa e pacífica.

A amizade social propõe o contrário da sociedade do conflito e da concorrência a todo custo, até o ponto de eliminar o concorrente. É a expressão do amor ao próximo vivido nas relações entre as pessoas e os povos. A proposta da Campanha da Fraternidade deste ano vem em boa hora, considerando o contexto de polarização ideológica e política que se vive, e não apenas no Brasil. É urgente a necessidade de superação de certo estado de inimizade social em que vivemos, e a amizade social tornará possível ver as pessoas e povos de outra maneira. Sem dúvida, esse tema pode suscitar debate, reflexões e ações interessantes para o convívio social.

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É CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Como ocorre há 60 anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promove a Campanha da Fraternidade durante o período da Quaresma, que vai da Quarta-feira de Cinzas até às vésperas da Páscoa. Desta vez, o tema é “fraternidade e amizade social” e o lema, “vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mateus 23,8).

O principal objetivo da Campanha da Fraternidade é despertar e promover mais e mais a fraternidade entre todos, a superação dos conflitos e suas causas, a convivência harmoniosa entre as pessoas, não apenas no âmbito interno das comunidades da Igreja, mas em toda a sociedade. E não parece um objetivo pequeno nem banal, mais ainda em tempos de polarização, acirramento dos conflitos e de fechamento em bolhas autorreferenciais. O tema remete logo à encíclica Fratelli Tutti, do papa Francisco (2020).

Desde os filósofos clássicos gregos, a amizade foi vista como um fator de bom convívio das pessoas e de integração harmônica da comunidade humana. Sócrates ensinou que a amizade é capaz de vencer todos os obstáculos para unir corações e, graças a ela, as pessoas preferem possuir menos, vivendo em paz, do que conquistar tudo pela guerra. Para Platão, a amizade vai além de uma tendência natural, sendo fruto da afinidade em base a valores comuns, em torno dos quais a cidade pode viver de maneira virtuosa e superar seus problemas. Aristóteles, na sua Ética a Nicômaco, trata mais longamente da amizade, ensinando que ela é o vínculo social por excelência, que mantém a unidade entre os cidadãos de uma mesma cidade, ou entre os companheiros de um mesmo grupo. Para o filósofo, a amizade é capaz de humanizar e aperfeiçoar as relações entre as pessoas e o convívio político. Também Santo Tomás de Aquino, seguindo a linha de Aristóteles, deu destaque à amizade como virtude política necessária à boa convivência em sociedade.

No início da idade moderna, Thomas Hobbes (1588-1679) contrapunha-se a essa linha de pensamento, afirmando que a força motriz do convívio social são o conflito e o medo. É bem conhecido seu dito homo homini lupus (o homem é lobo do homem) e até pode refletir certas situações também constatáveis no convívio social. O medo e o desejo de eliminar o outro, visto como ameaça, dão origem à sociedade do conflito e do fechamento ao próximo. Certamente, o medo e o desejo de aniquilar o outro não são capazes de edificar um convívio social respeitoso. Ao contrário, alimentam a suspeita e a tendência destrutiva do outro, impossibilitando um convívio humano saudável e pacífico.

O papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, aborda o tema da fraternidade humana, lembrando um princípio caro a cristãos e muitos não cristãos: somos todos humanos. A humanidade é unida por este laço comum da mesma origem, identidade e dignidade, não importando as diferenças secundárias de raça, religião, cultura ou condição social. Portanto, toda pessoa é um irmão e uma irmã, membro da única grande família humana. Sendo assim, é natural e coerente que se busque expressar essa condição numa convivência fraterna, em que se acolhe o diferente a partir daquilo que une todos, sem exceção.

Esse princípio não é religioso, mas antropológico. Contudo, ele está em plena sintonia com o ensinamento de Jesus aos discípulos: “Vós todos sois irmãos” (Mateus 23,8). E também com o mandamento do amor ao próximo, de tradição anterior a Jesus Cristo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19,18).

Na encíclica citada, Francisco ensina que a amizade social é aberta, permitindo reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, a prescindir da proximidade física ou espacial (n.º 1); é o amor desejoso de abraçar a todos (n.º 3); a renúncia a todo o desejo de domínio sobre os outros mediante a força ou a guerra (n.º 4); e se manifesta no amor que supera as fronteiras que isolam e separam, lançando pontes e contribuindo para edificar uma grande família, no seio da qual todos podem sentir-se em casa (n.º 62). A amizade social é a vocação natural dos seres humanos, que leva a formar comunidades feitas de irmãos que se acolhem e se cuidam mutuamente (n.º 96). É aberta a todos e leva a valorizar a pessoa, por ela mesma, e não apenas pelo interesse e benefício que ela possa representar para outros (n.º 94). Ela é fundamental para reconhecer e promover a dignidade de cada ser humano e para edificar uma sociedade respeitosa e pacífica.

A amizade social propõe o contrário da sociedade do conflito e da concorrência a todo custo, até o ponto de eliminar o concorrente. É a expressão do amor ao próximo vivido nas relações entre as pessoas e os povos. A proposta da Campanha da Fraternidade deste ano vem em boa hora, considerando o contexto de polarização ideológica e política que se vive, e não apenas no Brasil. É urgente a necessidade de superação de certo estado de inimizade social em que vivemos, e a amizade social tornará possível ver as pessoas e povos de outra maneira. Sem dúvida, esse tema pode suscitar debate, reflexões e ações interessantes para o convívio social.

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Como ocorre há 60 anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promove a Campanha da Fraternidade durante o período da Quaresma, que vai da Quarta-feira de Cinzas até às vésperas da Páscoa. Desta vez, o tema é “fraternidade e amizade social” e o lema, “vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mateus 23,8).

O principal objetivo da Campanha da Fraternidade é despertar e promover mais e mais a fraternidade entre todos, a superação dos conflitos e suas causas, a convivência harmoniosa entre as pessoas, não apenas no âmbito interno das comunidades da Igreja, mas em toda a sociedade. E não parece um objetivo pequeno nem banal, mais ainda em tempos de polarização, acirramento dos conflitos e de fechamento em bolhas autorreferenciais. O tema remete logo à encíclica Fratelli Tutti, do papa Francisco (2020).

Desde os filósofos clássicos gregos, a amizade foi vista como um fator de bom convívio das pessoas e de integração harmônica da comunidade humana. Sócrates ensinou que a amizade é capaz de vencer todos os obstáculos para unir corações e, graças a ela, as pessoas preferem possuir menos, vivendo em paz, do que conquistar tudo pela guerra. Para Platão, a amizade vai além de uma tendência natural, sendo fruto da afinidade em base a valores comuns, em torno dos quais a cidade pode viver de maneira virtuosa e superar seus problemas. Aristóteles, na sua Ética a Nicômaco, trata mais longamente da amizade, ensinando que ela é o vínculo social por excelência, que mantém a unidade entre os cidadãos de uma mesma cidade, ou entre os companheiros de um mesmo grupo. Para o filósofo, a amizade é capaz de humanizar e aperfeiçoar as relações entre as pessoas e o convívio político. Também Santo Tomás de Aquino, seguindo a linha de Aristóteles, deu destaque à amizade como virtude política necessária à boa convivência em sociedade.

No início da idade moderna, Thomas Hobbes (1588-1679) contrapunha-se a essa linha de pensamento, afirmando que a força motriz do convívio social são o conflito e o medo. É bem conhecido seu dito homo homini lupus (o homem é lobo do homem) e até pode refletir certas situações também constatáveis no convívio social. O medo e o desejo de eliminar o outro, visto como ameaça, dão origem à sociedade do conflito e do fechamento ao próximo. Certamente, o medo e o desejo de aniquilar o outro não são capazes de edificar um convívio social respeitoso. Ao contrário, alimentam a suspeita e a tendência destrutiva do outro, impossibilitando um convívio humano saudável e pacífico.

O papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, aborda o tema da fraternidade humana, lembrando um princípio caro a cristãos e muitos não cristãos: somos todos humanos. A humanidade é unida por este laço comum da mesma origem, identidade e dignidade, não importando as diferenças secundárias de raça, religião, cultura ou condição social. Portanto, toda pessoa é um irmão e uma irmã, membro da única grande família humana. Sendo assim, é natural e coerente que se busque expressar essa condição numa convivência fraterna, em que se acolhe o diferente a partir daquilo que une todos, sem exceção.

Esse princípio não é religioso, mas antropológico. Contudo, ele está em plena sintonia com o ensinamento de Jesus aos discípulos: “Vós todos sois irmãos” (Mateus 23,8). E também com o mandamento do amor ao próximo, de tradição anterior a Jesus Cristo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19,18).

Na encíclica citada, Francisco ensina que a amizade social é aberta, permitindo reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, a prescindir da proximidade física ou espacial (n.º 1); é o amor desejoso de abraçar a todos (n.º 3); a renúncia a todo o desejo de domínio sobre os outros mediante a força ou a guerra (n.º 4); e se manifesta no amor que supera as fronteiras que isolam e separam, lançando pontes e contribuindo para edificar uma grande família, no seio da qual todos podem sentir-se em casa (n.º 62). A amizade social é a vocação natural dos seres humanos, que leva a formar comunidades feitas de irmãos que se acolhem e se cuidam mutuamente (n.º 96). É aberta a todos e leva a valorizar a pessoa, por ela mesma, e não apenas pelo interesse e benefício que ela possa representar para outros (n.º 94). Ela é fundamental para reconhecer e promover a dignidade de cada ser humano e para edificar uma sociedade respeitosa e pacífica.

A amizade social propõe o contrário da sociedade do conflito e da concorrência a todo custo, até o ponto de eliminar o concorrente. É a expressão do amor ao próximo vivido nas relações entre as pessoas e os povos. A proposta da Campanha da Fraternidade deste ano vem em boa hora, considerando o contexto de polarização ideológica e política que se vive, e não apenas no Brasil. É urgente a necessidade de superação de certo estado de inimizade social em que vivemos, e a amizade social tornará possível ver as pessoas e povos de outra maneira. Sem dúvida, esse tema pode suscitar debate, reflexões e ações interessantes para o convívio social.

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