Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Se queres paz


A virada de página no calendário traz sempre a esperança de que o próximo ano seja de paz verdadeira. Mas o que poderá trazê-la ao mundo?

Por Dom Odilo P. Scherer

Nas saudações da passagem para o novo ano, o desejo mais frequente foi certamente o da paz. Talvez apenas por hábito, mas provavelmente de forma sincera. A virada de página no calendário traz sempre a esperança de que o próximo ano seja de paz verdadeira. No entanto, o que poderá trazer ao mundo a paz tão desejada? Talvez a pergunta deva ser outra: o que podemos fazer para que haja paz?

A paz não é coisa que se encontra pronta para ser consumida: ela é uma construção que envolve a todos, a cada dia. Somos todos chamados a ser tecedores de laços de paz no nosso espaço de vida e responsabilidades. Na recente mensagem à Igreja e ao mundo no dia 1.º de janeiro, também festejado pela Igreja Católica como Dia Mundial da Paz, o papa Francisco foi corajoso e concreto ao sugerir algumas iniciativas que podem trazer esperança de paz ao mundo.

Primeiramente, assumir o firme compromisso de valorizar e respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa humana, em todas as etapas de sua existência. Pode haver paz entre as pessoas quando o próximo é desrespeitado de tantas formas, ou quando se atenta contra a sua vida? O respeito a cada pessoa é devido igualmente aos povos. Todos os conflitos entre pessoas, quer as guerrinhas domésticas, quer ainda mais os conflitos sociais e entre povos, originam processos de violência e desrespeito contra o próximo. Nem falemos da brutalidade da guerra. Quanto sofrimento, destruição e morte! Quanto ódio, que se enraíza cada vez mais no coração das pessoas e dos povos, incubando os próximos conflitos e guerras, talvez piores ainda!

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Muitas vezes já se disse que a guerra não é solução para os conflitos. É preciso encontrar outras formas de solução para os conflitos, no respeito profundo à vida e à pessoa humana, quem quer que ela seja. Toda forma de violência contra a pessoa também atenta contra a sua vida e contra a paz. Infelizmente, a violência contra o próximo foi “naturalizada” e faz parte da vida diária, como se nada pudesse ser mudado. Se for preciso usar de violência e até matar para alcançar os próprios objetivos, sejam eles legítimos ou desonestos, então parte-se para a violência e se mata. Fazer guerra contra outro povo, qual é o problema? Na sua mensagem, o papa convida a mudar essa lógica, favorecendo uma verdadeira cultura da vida e eliminando tudo o que atenta contra a inviolabilidade da vida humana, como pressupostos fundamentais para a paz.

Outra proposta para encontrar a paz é a superação das injustiças em todos os níveis. Geralmente, os pequenos e grandes conflitos têm na sua origem alguma injustiça não resolvida, que se torna chama que arde e consome por dentro quem a sofre. Injustiça e paz não andam juntas; uma vive de costas para a outra. São tantas as formas de injustiça no relacionamento entre as pessoas, grupos e povos! E como é difícil aceitar que a régua da justiça seja válida para todos, sem privilégios, sem pesos e medidas diversos, sem contaminação com interesses alheios à verdade! Como pode estar em paz a consciência de quem a comete? Sem justiça, não haverá paz. Mas quando a verdade e o amor se encontram, a justiça e a paz se abraçam (conferir Salmos 85,11).

Uma terceira indicação do papa Francisco para encontrar a paz é o perdão. Na esfera das relações pessoais, somos todos necessitados do perdão uns dos outros e também devedores do perdão recíproco. O hábito de arquivar na memória as ofensas recebidas, para recorrer a elas sempre de novo e lançar no rosto das pessoas as ofensas do passado, só pode favorecer amarguras, neuroses e o desejo de vingança. O perdão sincero é restaurador para quem é perdoado e, ainda mais, para quem perdoa. Sem perdão e reconciliação, não há paz.

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Se isso vale para as relações interpessoais, é válido também para as relações sociais e entre os povos. Se continuar a valer a lógica da imposição do direito mediante a força, isso, certamente, pode parecer utópico. No entanto, a lógica do uso da força e da violência pode ser mudada. O mundo vive de guerras, que são consequência de guerras passadas, de conflitos e questões mais antigas mal resolvidas. Precisa ser assim? Qual seria a chance de modificar essa dinâmica da violência e da guerra?

Também entre os povos, o perdão e a reconciliação precisam ser buscados. Entre outras coisas, Francisco sugere, como seu predecessor João Paulo II já fez, o perdão da dívida impagável de países pobres pelos países credores ricos. Isso daria um respiro de alívio aos países que gastam no pagamento da dívida, tantas vezes extorsiva e especulativa, boa parte dos recursos que necessitariam para dar um mínimo de dignidade e bem-estar às suas populações. Ao menos, que se pensasse no perdão parcial e gradativo da dívida, dando esperança às populações marcadas por carências.

Um ditado latino dizia “si vis pacem, para bellum” – se queres paz, prepara a guerra. Sinceramente, isso não me parece um bom conselho para começar bem o ano. Por que não mudar esse raciocínio? Se queres a paz, edifica-a todos os dias.

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CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Nas saudações da passagem para o novo ano, o desejo mais frequente foi certamente o da paz. Talvez apenas por hábito, mas provavelmente de forma sincera. A virada de página no calendário traz sempre a esperança de que o próximo ano seja de paz verdadeira. No entanto, o que poderá trazer ao mundo a paz tão desejada? Talvez a pergunta deva ser outra: o que podemos fazer para que haja paz?

A paz não é coisa que se encontra pronta para ser consumida: ela é uma construção que envolve a todos, a cada dia. Somos todos chamados a ser tecedores de laços de paz no nosso espaço de vida e responsabilidades. Na recente mensagem à Igreja e ao mundo no dia 1.º de janeiro, também festejado pela Igreja Católica como Dia Mundial da Paz, o papa Francisco foi corajoso e concreto ao sugerir algumas iniciativas que podem trazer esperança de paz ao mundo.

Primeiramente, assumir o firme compromisso de valorizar e respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa humana, em todas as etapas de sua existência. Pode haver paz entre as pessoas quando o próximo é desrespeitado de tantas formas, ou quando se atenta contra a sua vida? O respeito a cada pessoa é devido igualmente aos povos. Todos os conflitos entre pessoas, quer as guerrinhas domésticas, quer ainda mais os conflitos sociais e entre povos, originam processos de violência e desrespeito contra o próximo. Nem falemos da brutalidade da guerra. Quanto sofrimento, destruição e morte! Quanto ódio, que se enraíza cada vez mais no coração das pessoas e dos povos, incubando os próximos conflitos e guerras, talvez piores ainda!

Muitas vezes já se disse que a guerra não é solução para os conflitos. É preciso encontrar outras formas de solução para os conflitos, no respeito profundo à vida e à pessoa humana, quem quer que ela seja. Toda forma de violência contra a pessoa também atenta contra a sua vida e contra a paz. Infelizmente, a violência contra o próximo foi “naturalizada” e faz parte da vida diária, como se nada pudesse ser mudado. Se for preciso usar de violência e até matar para alcançar os próprios objetivos, sejam eles legítimos ou desonestos, então parte-se para a violência e se mata. Fazer guerra contra outro povo, qual é o problema? Na sua mensagem, o papa convida a mudar essa lógica, favorecendo uma verdadeira cultura da vida e eliminando tudo o que atenta contra a inviolabilidade da vida humana, como pressupostos fundamentais para a paz.

Outra proposta para encontrar a paz é a superação das injustiças em todos os níveis. Geralmente, os pequenos e grandes conflitos têm na sua origem alguma injustiça não resolvida, que se torna chama que arde e consome por dentro quem a sofre. Injustiça e paz não andam juntas; uma vive de costas para a outra. São tantas as formas de injustiça no relacionamento entre as pessoas, grupos e povos! E como é difícil aceitar que a régua da justiça seja válida para todos, sem privilégios, sem pesos e medidas diversos, sem contaminação com interesses alheios à verdade! Como pode estar em paz a consciência de quem a comete? Sem justiça, não haverá paz. Mas quando a verdade e o amor se encontram, a justiça e a paz se abraçam (conferir Salmos 85,11).

Uma terceira indicação do papa Francisco para encontrar a paz é o perdão. Na esfera das relações pessoais, somos todos necessitados do perdão uns dos outros e também devedores do perdão recíproco. O hábito de arquivar na memória as ofensas recebidas, para recorrer a elas sempre de novo e lançar no rosto das pessoas as ofensas do passado, só pode favorecer amarguras, neuroses e o desejo de vingança. O perdão sincero é restaurador para quem é perdoado e, ainda mais, para quem perdoa. Sem perdão e reconciliação, não há paz.

Se isso vale para as relações interpessoais, é válido também para as relações sociais e entre os povos. Se continuar a valer a lógica da imposição do direito mediante a força, isso, certamente, pode parecer utópico. No entanto, a lógica do uso da força e da violência pode ser mudada. O mundo vive de guerras, que são consequência de guerras passadas, de conflitos e questões mais antigas mal resolvidas. Precisa ser assim? Qual seria a chance de modificar essa dinâmica da violência e da guerra?

Também entre os povos, o perdão e a reconciliação precisam ser buscados. Entre outras coisas, Francisco sugere, como seu predecessor João Paulo II já fez, o perdão da dívida impagável de países pobres pelos países credores ricos. Isso daria um respiro de alívio aos países que gastam no pagamento da dívida, tantas vezes extorsiva e especulativa, boa parte dos recursos que necessitariam para dar um mínimo de dignidade e bem-estar às suas populações. Ao menos, que se pensasse no perdão parcial e gradativo da dívida, dando esperança às populações marcadas por carências.

Um ditado latino dizia “si vis pacem, para bellum” – se queres paz, prepara a guerra. Sinceramente, isso não me parece um bom conselho para começar bem o ano. Por que não mudar esse raciocínio? Se queres a paz, edifica-a todos os dias.

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Nas saudações da passagem para o novo ano, o desejo mais frequente foi certamente o da paz. Talvez apenas por hábito, mas provavelmente de forma sincera. A virada de página no calendário traz sempre a esperança de que o próximo ano seja de paz verdadeira. No entanto, o que poderá trazer ao mundo a paz tão desejada? Talvez a pergunta deva ser outra: o que podemos fazer para que haja paz?

A paz não é coisa que se encontra pronta para ser consumida: ela é uma construção que envolve a todos, a cada dia. Somos todos chamados a ser tecedores de laços de paz no nosso espaço de vida e responsabilidades. Na recente mensagem à Igreja e ao mundo no dia 1.º de janeiro, também festejado pela Igreja Católica como Dia Mundial da Paz, o papa Francisco foi corajoso e concreto ao sugerir algumas iniciativas que podem trazer esperança de paz ao mundo.

Primeiramente, assumir o firme compromisso de valorizar e respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa humana, em todas as etapas de sua existência. Pode haver paz entre as pessoas quando o próximo é desrespeitado de tantas formas, ou quando se atenta contra a sua vida? O respeito a cada pessoa é devido igualmente aos povos. Todos os conflitos entre pessoas, quer as guerrinhas domésticas, quer ainda mais os conflitos sociais e entre povos, originam processos de violência e desrespeito contra o próximo. Nem falemos da brutalidade da guerra. Quanto sofrimento, destruição e morte! Quanto ódio, que se enraíza cada vez mais no coração das pessoas e dos povos, incubando os próximos conflitos e guerras, talvez piores ainda!

Muitas vezes já se disse que a guerra não é solução para os conflitos. É preciso encontrar outras formas de solução para os conflitos, no respeito profundo à vida e à pessoa humana, quem quer que ela seja. Toda forma de violência contra a pessoa também atenta contra a sua vida e contra a paz. Infelizmente, a violência contra o próximo foi “naturalizada” e faz parte da vida diária, como se nada pudesse ser mudado. Se for preciso usar de violência e até matar para alcançar os próprios objetivos, sejam eles legítimos ou desonestos, então parte-se para a violência e se mata. Fazer guerra contra outro povo, qual é o problema? Na sua mensagem, o papa convida a mudar essa lógica, favorecendo uma verdadeira cultura da vida e eliminando tudo o que atenta contra a inviolabilidade da vida humana, como pressupostos fundamentais para a paz.

Outra proposta para encontrar a paz é a superação das injustiças em todos os níveis. Geralmente, os pequenos e grandes conflitos têm na sua origem alguma injustiça não resolvida, que se torna chama que arde e consome por dentro quem a sofre. Injustiça e paz não andam juntas; uma vive de costas para a outra. São tantas as formas de injustiça no relacionamento entre as pessoas, grupos e povos! E como é difícil aceitar que a régua da justiça seja válida para todos, sem privilégios, sem pesos e medidas diversos, sem contaminação com interesses alheios à verdade! Como pode estar em paz a consciência de quem a comete? Sem justiça, não haverá paz. Mas quando a verdade e o amor se encontram, a justiça e a paz se abraçam (conferir Salmos 85,11).

Uma terceira indicação do papa Francisco para encontrar a paz é o perdão. Na esfera das relações pessoais, somos todos necessitados do perdão uns dos outros e também devedores do perdão recíproco. O hábito de arquivar na memória as ofensas recebidas, para recorrer a elas sempre de novo e lançar no rosto das pessoas as ofensas do passado, só pode favorecer amarguras, neuroses e o desejo de vingança. O perdão sincero é restaurador para quem é perdoado e, ainda mais, para quem perdoa. Sem perdão e reconciliação, não há paz.

Se isso vale para as relações interpessoais, é válido também para as relações sociais e entre os povos. Se continuar a valer a lógica da imposição do direito mediante a força, isso, certamente, pode parecer utópico. No entanto, a lógica do uso da força e da violência pode ser mudada. O mundo vive de guerras, que são consequência de guerras passadas, de conflitos e questões mais antigas mal resolvidas. Precisa ser assim? Qual seria a chance de modificar essa dinâmica da violência e da guerra?

Também entre os povos, o perdão e a reconciliação precisam ser buscados. Entre outras coisas, Francisco sugere, como seu predecessor João Paulo II já fez, o perdão da dívida impagável de países pobres pelos países credores ricos. Isso daria um respiro de alívio aos países que gastam no pagamento da dívida, tantas vezes extorsiva e especulativa, boa parte dos recursos que necessitariam para dar um mínimo de dignidade e bem-estar às suas populações. Ao menos, que se pensasse no perdão parcial e gradativo da dívida, dando esperança às populações marcadas por carências.

Um ditado latino dizia “si vis pacem, para bellum” – se queres paz, prepara a guerra. Sinceramente, isso não me parece um bom conselho para começar bem o ano. Por que não mudar esse raciocínio? Se queres a paz, edifica-a todos os dias.

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