Surpreendendo rigorosamente ninguém, os recursos que haviam sido reservados para ajudar os setores afetados pela pandemia de covid-19 se esgotaram em um piscar de olhos. O limite estipulado pelo governo para socorrer o setor de eventos, de R$ 15 bilhões, será atingido já no mês de março, segundo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, o que implica – ou implicaria – a extinção do programa no mês seguinte.
O ceticismo deste jornal em relação ao fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) se deve unicamente ao histórico do mundo político. Parafraseando o economista conservador norte-americano Milton Friedman, nada é tão permanente quanto um programa temporário de governo – algo que cabe muito bem ao Perse, diriam experientes servidores públicos de Brasília.
Criado pelo Congresso em 2021, à revelia do governo Jair Bolsonaro, que inclusive vetou a proposta e teve o veto derrubado, o programa visava, corretamente, a ajudar um dos segmentos mais prejudicados pelas consequências econômicas da covid-19. O isolamento social, sobretudo nos primeiros meses da pandemia, foi a principal estratégia adotada para impedir a proliferação do vírus, o que fez com que shows e peças de teatro tivessem de ser cancelados, cinemas fossem fechados e hotéis e restaurantes ficassem às moscas.
A covid-19 continua a fazer vítimas pelo Brasil afora, mas não é minimamente razoável afirmar que o setor ainda precisa de auxílio neste momento. Nem é preciso frequentar os locais mencionados para conferir. Basta observar o comportamento dos serviços, medido em indicadores econômicos como Produto Interno Bruto (PIB), inflação, geração de empregos e massa salarial, para ter a certeza de que o setor vai bem.
Já faz algum tempo que fatos e dados, no entanto, não têm servido de nada para o Congresso. Quando o governo Lula da Silva tentou acabar com o programa no ano passado, o Legislativo bateu o pé até conseguir que ele fosse prorrogado. Pelo acordo, o Perse continuaria em vigor até que os subsídios, apurados a partir de abril do ano passado, atingissem a marca de R$ 15 bilhões.
Diante do histórico do uso dos recursos, a equipe econômica estimava que o dinheiro acabaria em junho. Mas deputados e senadores, com base na mais pura fé, esperavam que durasse até 2027. O que ocorreu, no entanto, foi uma corrida em busca de benefícios em dezembro, quando R$ 4 bilhões em subsídios foram concedidos a empresas dos mais diversos segmentos.
O movimento era até natural, afinal, os empresários perceberam que o teto estabelecido pelo governo seria rapidamente alcançado e preferiram aproveitar a festa antes que acabasse. Segundo a Receita Federal, o gasto tributário deve chegar a algo entre R$ 15,6 bilhões e R$ 17 bilhões até o fim de março. Em quaisquer dos cenários, o programa deverá ser extinto no próximo mês, mas o Congresso, evidentemente, não gostou de saber da novidade.
Autor do projeto que criou o Perse, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) cobrou sensibilidade do governo e uma transição para que o setor possa se adaptar ao término do benefício. Na avaliação dele, ele não pode ser encerrado “da noite para o dia”. Já a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) questionou a razão pela qual uma empresa de aplicativo de entrega de restaurantes foi a que mais usufruiu de recursos do Perse. “Entrega de comida em casa virou evento?”, perguntou a deputada, durante audiência pública na Comissão Mista de Orçamento.
Eis por que Executivo e Legislativo deveriam ter prudência ao propor qualquer subsídio. A depender da forma como o projeto é elaborado, o programa pode vir a alcançar um público bem maior do que se esperava, inclusive artistas e influenciadores digitais, como o Estadão já demonstrou.
E independentemente do valor e do prazo da benesse, uma vez que ela foi criada, o setor beneficiado lutará com unhas e dentes para mantê-la, mesmo que não dependa mais dela para sobreviver. Agora é tarde para o Congresso reclamar – ou não, a depender da briga que estiver disposto a comprar com o governo.