Jair Bolsonaro deixou o País no dia 30 de dezembro. Mas nem por isso está imune às leis brasileiras. Suas ações e omissões continuam passíveis de ser responsabilizadas juridicamente. No domingo passado, hordas de bolsonaristas – acampados desde o resultado do segundo turno das eleições – invadiram as sedes dos Três Poderes, destruindo e vandalizando o patrimônio público. Ainda que o ex-presidente tenha tentado se distanciar do caráter violento dos atos de 8 de janeiro, é evidente a conexão entre a ação dos vândalos no domingo passado e a reiterada campanha de Bolsonaro contra as instituições republicanas, em concreto contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uma das autoridades cuja omissão se mostrou mais decisiva nos acontecimentos de domingo passado em Brasília foi o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, que havia sido nomeado neste ano Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Na segunda-feira, Anderson Torres, que estava nos Estados Unidos, foi exonerado do cargo. No dia seguinte, a pedido da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes decretou sua prisão preventiva.
A reiterar o vínculo entre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro e o governo Bolsonaro, nas diligências de busca e apreensão na casa de Anderson Torres, agentes da Polícia Federal encontraram uma minuta de decreto presidencial a respeito de um estapafúrdio estado de defesa no TSE, com o objetivo de “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022″. Segundo o texto, seria constituída uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” composta por 17 membros, dos quais 8 seriam militares oriundos do Ministério da Defesa.
Uma rigorosa investigação se impõe. Se for confirmada, a tentativa de atropelar o processo eleitoral, usando as atribuições da Presidência da República, é algo muito grave, que viola os fundamentos da República. Não cabe impunidade a quem desrespeita tão acintosamente a Constituição e as leis do País.
Em novembro do ano passado, dissemos neste espaço e agora, diante de novos e mais graves indícios, reiteramos: “É preciso apurar a responsabilidade jurídica de Jair Bolsonaro e, nos casos cabíveis, aplicar as penas correspondentes. Toda impunidade é prejudicial ao País, mas ainda mais grave seria a eventual impunidade de quem ocupou o mais alto posto da República. Representaria um tremendo mau exemplo para toda a sociedade” (A responsabilidade jurídica de Bolsonaro, 14/11/2022).
A apreensão da minuta de um decreto de estado de defesa com o exclusivo propósito de alterar o resultado das eleições presidenciais é gravíssima. Expõe a audácia e prepotência da cúpula do governo Bolsonaro, que, pelo visto, não queria ser apeada do poder pelo voto popular. Mas é preciso reconhecer: o texto é absolutamente coerente com o espírito antidemocrático e antirrepublicano que Jair Bolsonaro vem demonstrando ao longo de toda sua vida pública.
Não se pode tapar o sol com peneira. A cada dia que passa, surgem mais elementos a indicar o envolvimento de Jair Bolsonaro e membros do primeiro escalão do seu governo no desenho e realização de atos que atentam contra o regime democrático. É preciso investigar, indo até o fim na apuração de tais condutas. O Estado Democrático de Direito – em concreto, o respeito aos direitos e liberdades de cada cidadão – merece esse cuidado.
Na trajetória de responsabilizar os agressores do regime democrático, há um aspecto especialmente importante. Seguindo o devido processo legal, todos aqueles que tiverem comprovada sua participação em atos criminosos e antidemocráticos devem ser alijados do processo eleitoral. Merecem tornar-se inelegíveis. A Constituição prevê essa possibilidade precisamente para que a defesa da democracia seja efetiva.
A barbárie de 8 de janeiro não foi fruto de geração espontânea. É preciso investigar não apenas os loucos acampados, mas também os graúdos – estejam onde estiverem.