O presidente da Argentina, Javier Milei, implodiu a aprovação de sua proposta de reforma da economia pelo Congresso da Nação. Ao imprimir seu estilo de confronto com parlamentares e governadores das Províncias nas negociações do projeto de lei que inclui medidas de ajuste fiscal e de desregulamentação econômica, colheu o inevitável: do plenário, o pacote voltou à fase inicial da tramitação da Câmara dos Deputados. Na prática, acabou engavetado pela aversão de Milei à etiqueta da democracia, em que não se ganha nada no grito.
Fosse o presidente da Argentina um democrata convicto, a negociação continuaria em pauta. Mas, como se trata de “El Loco”, um político inexperiente, inábil e sem nenhum compromisso com o Estado de Direito, o Executivo apostou na intransigência. Os gestos das Províncias e de uma parcela de deputados de centro em favor da negociação foram desperdiçados pelo governo. Como resultado, os poucos artigos que já estavam aprovados pela Câmara acabaram no limbo, com todo o resto do projeto de lei.
Dois fatos expõem como a truculência de Milei levou ao fracasso na votação do último dia 6 na Câmara dos Deputados. O primeiro diz respeito a um dos artigos mais desejados pelo presidente – o que lhe concederia poder extraordinário de legislar, sobretudo sobre temas econômicos, por dois anos. O tema já havia sido aprovado pelos parlamentares, com algumas restrições, quando surgiu o impasse sobre a divisão da receita do imposto sobre operações cambiais com as Províncias. Ao Executivo, tal ganho de poder valeria quaisquer outras concessões. Mas Milei queria tudo ou nada.
A segunda evidência foi o voto contrário a outros artigos de deputados de seu próprio partido, A Liberdade Avança. A Casa Rosada mal enfrentou a oposição peronista no plenário. O amadorismo dos deputados alinhados a Milei, que puseram em votação matérias sobre as quais não tinham certeza de aprovação, contribuiu para a desastrosa votação.
A rejeição ao projeto foi construída passo a passo pelos erros de Milei. Faltou disposição da Casa Rosada em negociar exaustivamente com deputados simpáticos ao projeto de lei e com governadores de Províncias afetadas diretamente pelas medidas. Sobrou arrogância do presidente que, deslumbrado com seus 56% dos votos nas urnas em novembro passado, visitava Israel durante as votações que exigiam sua presença em Buenos Aires.
À arrogância soma-se a estultice de colocar todos os ovos em uma só cesta. Sua reforma econômica, apoiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tem demasiada importância para ser incluída em um projeto de lei que versa também sobre uma miríade de temas polêmicos – e que, por isso, é chamado de Lei Ônibus.
A depender da disposição de Milei em negociar, a Lei Ônibus pode até ser trazida de volta ao plenário da Câmara. Seria um feito inédito. Mas o esforço é recomendável, dada a urgência na adoção das reformas econômicas – inclusive para o alívio, no futuro, de uma população castigada pelo custo de vida cada vez mais alto. Até o momento, porém, a Casa Rosada não sinaliza para esse caminho.
De Jerusalém, Milei reagiu à decisão da Câmara com ataques contra as “castas empobrecedoras do povo”, os “delinquentes”, os “criminosos”, os “traidores”. É grave o presidente de uma democracia referir-se com tais impropérios aos eleitos para o Legislativo e o Executivo provincial. Porém, mais preocupantes são as alternativas gestadas por “El Loco”. Recorrer a um plebiscito, como prometera, em nada o ajudará porque cabe ao Congresso aprovar a realização de consultas populares. Adotar a reforma econômica por decreto, como tem sido ventilado em Buenos Aires, terá o efeito de um golpe contra o Legislativo, a ser contestado também pelo Judiciário.
Se realmente quiser estabilizar a inflação, colocar a economia do país em pé e chegar ao final de seu mandato sem acidentes, Milei deve buscar o caminho do entendimento, e não do confronto. Do contrário, “El Loco” continuará preso na camisa de força que o establishment político reserva aos que pretendem desafiá-lo.