A análise qualitativa das eleições municipais apenas começou e o segundo turno pode trazer novidades. Mas há tendências nítidas: o fortalecimento do Centrão, a longa marcha da direita, a desidratação da esquerda e uma relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo.
Eleições municipais têm lógica própria, ditada menos por fidelidade ideológica que por alianças circunstanciais e preocupações comezinhas. Elas não são um termômetro para a disputa nacional. Não obstante, retratam movimentos partidários e são um termômetro razoável para as eleições estaduais e legislativas.
A política tradicional – seja do centro moderado, seja do Centrão fisiológico – saiu fortalecida. Um aventureiro “antissistema” radical como Pablo Marçal mobilizou atenções para um modo de fazer política hiperpersonalista turbinada por técnicas de engajamento nas mídias digitais. Mas Marçal perdeu, pode ser inabilitado pela Justiça e foi exceção. Das 11 capitais que fecharam as eleições no primeiro turno, 10 reelegeram incumbentes.
O Centrão foi o grande vencedor. O PSD superou o MDB em sua estratégia de capilarização municipal e levou 870 prefeituras, seguido pelo próprio MDB (845), o PP (743), o União Brasil (578), o PL (510) e o Republicanos (430) – todos partidos que transitam do centro à direita.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse à Folha de S.Paulo que isso foi “uma derrota dos que querem impor ao país uma agenda de bipolarização”. Em certa medida sim. Em outra, foi uma derrota dos que querem implementar no País uma agenda de modernização. Os partidos e as eleições são financiados com recursos públicos concentrados nas mãos de caciques que trabalham com seus apaniguados pela manutenção do poder. Como mostrou o Estadão, o Centrão garantiu hegemonia nas cidades campeãs de emendas parlamentares.
A direita mais ideológica aglutinada no PL de Jair Bolsonaro avançou nas grandes cidades. Nas 103 com mais de 200 mil eleitores, o PL teve o melhor desempenho, com 10 prefeitos. Nas capitais, lidera o ranking de vereadores, seguido por PSD, PP, MDB e União Brasil. Particularmente revelador foi o desempenho do PL no Nordeste, tradicional cinturão vermelho, superando o PT nas principais cidades da região.
À esquerda, PSB (com 309 prefeituras) e PT (248) ficaram respectivamente em 7.º e 9.º lugar no quadro geral. É um reflexo de seus programas anacrônicos e de seu alheamento de camadas importantes da sociedade, dos evangélicos aos agricultores, do empresariado às classes médias. O PT ainda não levou nenhuma capital e só disputa o segundo turno em quatro, largando atrás em todas. Triunfos mais vistosos, como o de João Campos (PSB), no Recife, ou Eduardo Paes (PSD), no Rio, prescindiram de chapas formadas com o PT.
Das 26 capitais em disputa, candidatos apoiados por Bolsonaro foram eleitos ou estão no segundo turno em 17, em contraste com 7 apoiados por Lula. Ainda assim, a reedição da batalha campal de 2022 prometida por Lula e Bolsonaro não aconteceu. Ambos ainda tentarão um embate em São Paulo. Dos três candidatos que disputaram vaga no segundo turno, os de direita levaram dois terços dos votos. Mas, entre o bolsonarista Marçal (sem o apoio explícito de Bolsonaro) e o não bolsonarista Ricardo Nunes (com o apoio indolente de Bolsonaro), o ex-presidente saiu, paradoxalmente, desidratado. Guilherme Boulos já deixou claro que apostará na polarização e contará com um Lula mais engajado. Mas Nunes só precisa entrar na dança se quiser. Boulos tem altos índices de rejeição, nenhum currículo em gestão e tampouco uma “frente ampla” além do PT e os “artistas e intelectuais” de sempre. Nunes ganhou quase à revelia de Bolsonaro, não precisa emular suas fórmulas reacionárias para levar os votos antiesquerda de Marçal e, quanto mais Boulos insistir em associá-lo a Bolsonaro, mais lhe empurrará esses votos.
A eleição de 2024 não é um retrato da de 2026, mas esboça muitos cenários: o principal é o de uma direita fortalecida em busca de um candidato, e uma esquerda enfraquecida dependente de um líder cada vez mais repetitivo e isolado.