No meio da guerra política que se instalou após o apagão que atingiu a Região Metropolitana de São Paulo na semana passada, a Enel São Paulo é quem está na posição mais confortável. A despeito da injustificável demora em restabelecer o fornecimento de energia e dos prejuízos causados a milhões de consumidores, a distribuidora afirma, com muita segurança, que tem cumprido à risca os termos do contrato de concessão. E o pior é que a empresa aparentemente tem razão.
Alguns dos principais indicadores monitorados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ao fiscalizar as distribuidoras são os índices de duração das interrupções no fornecimento de eletricidade e a frequência com que esses episódios ocorrem na área de concessão atendida. A Enel-SP, de fato, foi razoavelmente bem nesses indicadores nos últimos anos e, no mais recente ranking de desempenho global de continuidade divulgado pelo órgão regulador, embora ocupasse um modesto 21.º lugar dentre as 29 maiores empresas, figurava com avaliação aceitável.
Não é a primeira vez que a atuação de uma empresa do grupo italiano é contestada pelas autoridades, mas o resultado dessa pressão tem sido controverso. A Enel era dona da distribuidora de Goiás, mas, criticada sistematicamente pelo governador Ronaldo Caiado, acabou por vendê-la, em 2022, para a Equatorial Energia, grupo cuja atuação é elogiada no setor elétrico. Sob nova direção, a Equatorial Goiás se tornou a última do ranking da Aneel – o que, no mínimo, sugere que os desafios da concessão eram maiores do que se imaginava.
É possível rescindir um contrato de concessão, mas se trata de uma sanção grave, que precisa ter amparo em um processo conduzido pela Aneel de maneira técnica, com respeito aos contratos, segurança jurídica e direito de defesa às empresas. A Aneel até já recomendou a caducidade para empresas que não prestavam serviços de qualidade e que estavam em dificuldades financeiras, mas o Ministério de Minas e Energia, a quem cabe a decisão final, jamais a adotou.
Para ficar no exemplo mais recente, foi exatamente o que a Aneel sugeriu ao ministro Alexandre Silveira que fosse feito com a Amazonas Energia. Silveira, no entanto, ignorou a recomendação. Preferiu uma alternativa – a troca de controle societário – e editou uma medida provisória para transferir a distribuidora, sem licitação, para a Âmbar, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Em plena campanha eleitoral, é fácil para o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, culpar a Enel-SP pelos transtornos causados a milhões de paulistanos. Mais difícil é explicar por que não cumpre sua competência municipal e esclarece por que havia, no primeiro semestre deste ano, uma fila de quase 14 mil pedidos de poda e remoção de árvores pendentes – muitas das quais derrubaram postes e fiação na semana passada.
É inaceitável que consumidores passem dias sem energia elétrica em suas casas, mas também é fato que o contrato de concessão não estabelece um prazo para o restabelecimento do serviço em casos de interrupção involuntária. Blecautes decorrentes de situações de emergência e/ou calamidade são expurgados do cálculo dos indicadores de qualidade monitorados pela Aneel para aferir a atuação da distribuidora, exatamente porque são imprevisíveis.
Soluções intempestivas e populistas não resolverão o problema do consumidor. Se as autoridades querem que a Enel-SP tenha equipes de prontidão para o atendimento de casos extremos e não recorrentes relacionados a mudanças climáticas ou enterre toda a fiação aérea, devem preparar os paulistanos para pagar contas de luz ainda mais caras.
O apagão deve ser ocasião para discutir formas de aprimorar o contrato de concessão de distribuidoras por meio de incentivos econômicos que ampliem a resiliência das redes e garantam mais agilidade no restabelecimento do serviço. Isso precisa ser feito com cautela, em debate que discuta o custo-benefício dessas medidas, e sem politicagem barata, expediente que causa muito barulho e terceiriza responsabilidades, mas que não impede que episódios como esse voltem a acontecer.