O Brasil pode colher um valor recorde com a exportação de petróleo bruto em 2024, informou reportagem do Estadão, com base na projeção da Associação de Comércio Exterior do Brasil. As vendas devem atingir 83 milhões de toneladas e somar mais de US$ 43 bilhões, rivalizando com a soja e o minério de ferro na liderança da pauta brasileira. Caso a projeção se confirme, será o desempenho mais robusto da história, não obstante os números sejam passíveis de revisão ao longo do ano, sujeitos a questões geopolíticas e consequente variação na cotação do preço do barril. O protagonismo do petróleo, sugerem especialistas, tem tudo para se consolidar até 2030, quando a extração do pré-sal começará a perder força.
Tamanha expectativa pode estremecer os corações ambientalistas mais empedernidos e parecer fora de lugar para muita gente envolvida no debate da transição energética e climática – sem a qual o mundo seguirá mergulhado na dependência dos combustíveis fósseis e seus riscos inerentes. Mas os números projetados não só reforçam outros alertas já emitidos por países produtores, como reafirmam o que deveria ser uma preocupação nacional, já sublinhada aqui: não há lugar para o petróleo nas matrizes energéticas do futuro, mas no presente e no horizonte do curto prazo, gostemos ou não, ele ainda é o maior combustível do crescimento econômico. Desperdiçá-lo será um grande erro.
Dessa constatação derivam outras, especialmente relevantes neste momento-limite para a tomada de decisão que definirá a posição que o Brasil ocupará ao fim da transição energética. A primeira delas é que, por se tratar de empreitada complexa, a transição requer não um estalar de dedos movido por uma providencial “vontade política”, e sim esforço, planejamento e execução de longo prazo. Serão anos, ou mesmo décadas, de iniciativas que, ao fim do processo, não resultarão propriamente na extinção da geração fóssil, sobretudo porque nenhuma modalidade exibe condições, sozinha, de responder ao crescimento da demanda mundial por energia. Estimativas sugerem que a procura global por energia aumentará 23% até 2045. Renunciar a qualquer modelo de produção é contratar uma crise energética futura.
Em segundo lugar, o mundo ainda enfrenta alta dependência de petróleo. Isso significa que um desinvestimento acelerado pode causar sérios problemas à economia global. Exigências de descarbonização da atividade de exploração, produção e refino são mais plausíveis do que a mera pregação pela interrupção dos trabalhos exploratórios em novas jazidas, como se viu no debate do ano passado em torno da Margem Equatorial. Essa é uma das razões que levam muitos especialistas e representantes dos países exportadores de petróleo a defender que fortes investimentos em energia renovável sejam acompanhados de outros, igualmente intensos, na exploração de petróleo.
A terceira ponta da história diz respeito à singularidade brasileira. De um lado, o País tem a vantagem de abrigar volumosos reservatórios de petróleo em áreas marinhas ultraprofundas, com expertise para explorá-las com segurança e ao menor custo. É também um mercado promissor na produção de hidrogênio verde, avança na geração eólica e solar e tem condições de planejar o desenvolvimento em diversas frentes energéticas. Se combinar esse potencial duplo, pode não só evitar a dependência da importação de petróleo e derivados, como oferecer sua contribuição para mitigar os efeitos da crise climática, além de tornar menos poluente a geração fóssil. E o fundamental: os próprios recursos gerados pelo petróleo podem ajudar a financiar o elevadíssimo custo da transição.
Até que esse ciclo se complete, o Brasil não pode ignorar o fato de que a era do petróleo ainda parece longe do fim. Nem a indústria de petróleo e gás deve ser vista como vilã da transição nem pode servir de esteio para alimentar a insegurança energética e uma provável desestabilização das economias. Isso não significa resignar-se à maldição dos recursos naturais, tampouco abrir mão do planejamento cuidadoso de longo prazo. Imediatismo, afinal, não combina com transição.