Com um buraco de R$ 505,38 bilhões até julho, o governo central já contabilizou quatro vezes o déficit primário inicialmente previsto para o ano, de R$ 124,10 bilhões. A crise do coronavírus derrubou a arrecadação e forçou gastos excepcionais para combater a pandemia e seus efeitos econômicos e sociais. Um orçamento de guerra autorizado pelo Congresso valerá até dezembro. Estará próximo de R$ 800 bilhões, no fim do ano, o rombo primário do poder central, segundo o Ministério da Economia. Essa projeção será superada, se o Tesouro tiver de atender ministros gastadores, aliados fisiológicos e aos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.
Esgotado o orçamento de guerra, os estragos causados pela pandemia – mesmo sem gastança irresponsável – ainda afetarão as finanças públicas por vários anos. Para começar, o governo terá de cuidar de um desajuste primário, isto é, sem juros, muito maior que o programado antes da covid-19. Isso limitará fortemente o manejo do Orçamento. Essa limitação poderá durar vários anos. Em segundo lugar, a equipe econômica precisará administrar uma dívida bem superior à planejada antes da emergência deste ano.
Na pior hipótese, a dívida bruta do governo geral deveria equivaler a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano. Em julho essa dívida chegou a R$ 6,21 trilhões, soma correspondente a 86,5% do PIB, com aumento de um ponto porcentual em relação ao nível de junho, segundo o Banco Central (BC). Pelas projeções correntes no governo e no mercado, a proporção estará muito próxima de 100% em dezembro. O resultado será pior, também nesse caso, se o governo gastar neste segundo semestre mais que o previsto. Algum gasto extra já ocorrerá pela simples prorrogação do auxílio emergencial aos mais vulneráveis.
Chegou a R$ 483,77 bilhões, em sete meses, o déficit primário do setor público, formado pelo governo central, pelas administrações de Estados e municípios e pela maior parte das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. O saldo positivo acumulado por Estados e estatais compensou em parte o resultado negativo do governo central.
Somados os juros vencidos, o saldo final do setor público, também chamado resultado nominal, foi um déficit de US$ 663,22 bilhões, valor correspondente a 16,30% do PIB calculado para janeiro-julho. Em 12 meses o rombo fiscal do setor público chegou a R$ 875,26 bilhões, ou 12,19% do PIB estimado para o período.
Parece pequena a diferença entre os déficits acumulados neste ano e entre agosto de 2019 e julho de 2020. Mas efeitos fiscais da crise só foram contabilizados a partir de abril. O estrago mostrado nesse relatório reflete as perdas de abril a julho.
Prejuízos ficam bem claros no relatório do Ministério da Economia. Pelo critério do Tesouro, o governo central teve déficit primário de R$ 505,20 bilhões em sete meses. Descontada a inflação, a receita líquida acumulada até julho encolheu 18,90%, enquanto a despesa aumentou 41%. Nesses cálculos se considera apenas a diferença entre a arrecadação e o gasto. No relatório do BC o saldo negativo das contas públicas corresponde à necessidade de financiamento.
A publicação do Tesouro foi acompanhada de importante alerta. O grande esforço fiscal deste ano e os problemas estruturais das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, abandonada na crise. Sem isso, avisam os técnicos, haverá o risco de aumento de juros, com efeitos negativos para as contas públicas e para o crescimento econômico.
Juros baixos são essenciais para o investimento produtivo e para o fortalecimento da economia. Um aumento de 1 ponto porcentual nos juros pode reduzir o PIB entre R$ 52 bilhões e R$ 92 bilhões em um ano, segundo a advertência. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, também lembrou há poucos dias o risco de alta de juros, se o mercado perder a confiança na política fiscal. O próprio mercado tem recordado esse alerta, mas com frequência o presidente Jair Bolsonaro parece desprezar o aviso, concentrado na reeleição.