O governo do Equador suspendeu no último dia 8 as garantias constitucionais de seus cidadãos por 60 dias e escalou as Forças Armadas para o combate a mais de duas dezenas de facções do narcotráfico. Considerando-se que se trata do 42.º decreto de estado de exceção baixado pelo Poder Executivo em nome da repressão às organizações criminosas que parecem tomar conta do país desde 2019, pode-se dizer que a exceção virou regra.
O recurso a esse instrumento extraordinário, que se provou 41 vezes inócuo, indica a total falência do Estado em sua missão de providenciar segurança e salvaguardar a democracia. Enquanto o governo equatoriano recorria aos velhos instrumentos de sempre, as gangues deflagravam uma onda de terror para desafiar as instituições do país.
Desde terça-feira, o Equador parece às portas de uma guerra civil. A situação foi consumada pelo presidente Daniel Noboa, que decretou estado de “conflito armado interno” e a aplicação do direito internacional humanitário no país. Até a edição do ato, pelo menos dez pessoas haviam sido mortas em tiroteios e explosões de carros-bomba, e os líderes das duas principais máfias tinham escapado de presídios de segurança máxima. No mesmo dia, funcionários da emissora de televisão TC, de Guayaquil, foram subjugados por integrantes de uma das facções no momento em que faziam uma transmissão ao vivo, e as salas de aula da universidade local foram invadidas por integrantes de outro grupo armado.
A sociedade equatoriana é refém há pelo menos seis anos do crime organizado e da violência que esses grupos promovem dentro e fora dos presídios. Igualmente, vê-se coagida pelas recorrentes suspensões de seus direitos constitucionais por governos de diferentes matizes ideológicos. Noboa repete mais uma vez a perigosa fórmula de desgastar a democracia equatoriana sem ter como garantir que o regime de liberdade sairá íntegro ao final do processo.
A rápida degradação da segurança pública no Equador obviamente preocupa os organismos multilaterais, os vizinhos sul-americanos e os Estados Unidos. Mas essa preocupação ainda não se traduziu em apoio e cooperação. Desde a expulsão da base militar dos Estados Unidos na região portuária de Manta em 2009, no governo do chavista Rafael Correa, o destino do Equador como paraíso do narcotráfico estava delineado. Nessas condições, o país ofereceu às gangues os portos para escoar as drogas, as autoridades permeáveis à corrupção e as forças policiais e militares frágeis. Como se previa, seu território mostrou ser terreno fértil para as facções que estavam enfrentando problemas com a repressão na Colômbia, além dos cartéis mexicanos e albaneses.
Em pouco mais de seis anos, o país deixou de ser uma ilha de relativa tranquilidade na América do Sul para exibir indicadores de violência similares aos de países da América Central – assolados por bandos de narcotraficantes e por milícias há muito mais tempo. No ano passado, a execução do então candidato a presidente Fernando Villavicencio após um evento de sua campanha chamou a atenção para a desenvoltura do crime organizado.
Daniel Noboa, de centro-direita, pouco tratou de segurança pública durante a disputa eleitoral. Mas logo após sua posse, em novembro, anunciou um plano de combate ao narcotráfico que previa a construção de mais dois presídios de segurança máxima e a instalação de navios-prisões – ideias importadas de El Salvador, onde vigora tolerância zero contra supostos criminosos, mesmo que isso signifique a prisão de inocentes aos borbotões. O projeto de Noboa envolveu o afastamento de juízes, procuradores, policiais e agentes penitenciários suspeitos de terem se deixado aliciar pelos cartéis. Desse modo, o presidente se expôs como alvo número um do crime organizado.
Entretanto, ao valer-se de mais um decreto de exceção, Noboa tira dos equatorianos seus direitos constitucionais básicos e os expõe à mira também das Forças Armadas – como se já não bastasse a ação das máfias.