Os EUA são o maior mercado de exportação de bens industriais, segundo maior parceiro comercial e principal investidor estrangeiro no Brasil. Em 2023, as exportações brasileiras para o mercado americano atingiram US$ 38 bilhões e o estoque de investimentos dos EUA no País alcançou US$ 124 bilhões. A pujança dessa relação, no entanto, ainda não está refletida nos tratados bilaterais. De fato, há uma extensa agenda perdida de acordos que poderiam ampliar a movimentação de bens, serviços, direitos, capitais e pessoas entre as duas economias.
Os três principais são o acordo de livre comércio, o acordo de promoção e proteção de investimentos, e o acordo para evitar a dupla tributação. O primeiro saiu da pauta em 2005, com o colapso das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O segundo é visto pelos Poderes Legislativo e Judiciário brasileiros como desnecessário, já que a Constituição federal assegura ao investidor estrangeiro o mesmo acesso à Justiça concedido ao investidor nacional. Por fim, o terceiro é defendido pelos dois setores privados há mais de 50 anos, mas sofre oposição da autoridade tributária brasileira por igual período.
Diante da interdição das negociações sobre esses tratados, Brasil e EUA adotaram, nas últimas duas décadas, uma tática amparada em dois pilares. De um lado, negociar acordos pontuais sobre temas acessórios: concessão de patentes, cooperação e programas aduaneiros, previdência social, reconhecimento mútuo de bebidas, transporte aéreo e marítimo, e vistos. De outro lado, assinar dezenas de memorandos de entendimento em diversas áreas de políticas públicas, mas sem compromissos legalmente vinculantes, apenas para dar “recheio político” à relação bilateral.
Essa estratégia possui duas limitações: seu impacto econômico é pequeno, dado o caráter pontual dos acordos; e sua execução dissipa a atenção dos governos, cuja burocracia fica ocupada em dezenas de reuniões técnicas com impacto limitado para a integração econômica.
Além disso, nesses 20 anos, o Brasil perdeu oportunidades significativas. A principal foi a Alca, que poderia ter aberto o mercado de todos os países das Américas, à exceção de Cuba, para as exportações e os investimentos brasileiros. Outro exemplo, menor, mas relevante, foi o País ter abandonado um projeto trilateral com os EUA e o Haiti para promover comércio e investimentos entre si, com foco no setor têxtil e de vestuário.
Houve, contudo, um breve período, em 2019 e 2020, no qual o Brasil optou por uma estratégia mais arrojada, que resultou em dois acordos relevantes – um para abrir ao País a possibilidade de prover serviços para a indústria espacial que utiliza tecnologia americana; e outro para criar regras bilaterais sobre facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e anticorrupção. Esse segundo acordo, denominado protocolo comercial, é inovador porque permite que os dois governos “fatiem” um acordo de livre comércio tradicional em negociações menores, mais fáceis de serem concluídas e para as quais o Brasil não precisa do Mercosul.
Vale mencionar, também, que os EUA reconheceram em 2019, de modo formal, o País como aliado extra-Otan, condição que nos coloca mais próximos do imenso mercado americano de compras públicas de defesa e segurança.
Diante desse histórico de sucesso parcial e oportunidades perdidas, há três possibilidades abertas para o futuro, que são complementares.
A primeira é o Brasil propor aos EUA a negociação de algum dos três grandes tratados econômicos. O candidato óbvio é o acordo para evitar a dupla tributação, que tem amplo apoio do setor privado dos dois países.
A segunda é o País continuar a explorar o pilar de acordos pontuais, mas com foco em temas em que o ganho econômico seja maior. Há pelo menos três áreas: o acesso recíproco às compras públicas no setor de defesa e segurança, a qualificação do Brasil como fornecedor dos chamados “minerais críticos” para os EUA, e a eliminação – total e permanente – do uso de vistos de negócio e de turismo entre ambos, inclusive com a implementação completa do programa de entrada facilitada nos aeroportos, denominado Global Entry.
A terceira é seguir o processo de construção de um acordo de livre comércio por meio de “fatias” menores, expandindo o protocolo comercial existente. Os novos temas poderiam incluir barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias, e economia digital, todos de interesse mútuo.
Para recuperar a agenda perdida, é preciso que os dois governos atribuam prioridade política à relação bilateral econômica e, sobretudo, sigam os interesses de seus setores privados, ávidos por mais dinamismo, comércio, investimentos e geração de renda e emprego. Há muito a ser feito, e uma nova administração americana, a partir de 2025, cria uma janela de oportunidade para tirar essa agenda do papel.
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ASSESSOR SÊNIOR DO COVINGTON & BURLING, EM LONDRES, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE COMÉRCIO INTERNACIONAL E INVESTIMENTOS (IBCI), EM BRASÍLIA