Opinião|A conta da insensatez fiscal chegou: é salgada


Crise pode acordar o Brasil para a gravidade fiscal, promovendo o apoio social e político para construir um sistema sensato

Por Maílson da Nóbrega

A crise fiscal se agrava. O arcabouço fiscal pode se tornar tão inviável quanto o teto de gastos, pela mesma razão: a prevalência de uma aguda rigidez orçamentária, que inibe o corte de gastos. A União dispõe de apenas de 4% das despesas primárias para definir prioridades. O restante é obrigatório. A dificuldade de gerar superávits primários tende a acarretar uma tendência explosiva na dívida pública.

Tal rigidez teve início quando do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) (1983), que previa um necessário ajuste fiscal, mas foi mal recebido pela opinião pública. Vivíamos o ocaso do regime militar, o que reduzia a capacidade do governo de “vender” o acordo. Dizia-se que o País se curvava às exigências do FMI para cortar gastos essenciais como os de educação. Não era verdade, mas colava. O senador João Calmon aproveitou para propor emenda constitucional que estabelecia a vinculação de 13% (hoje 18%) dos impostos a gastos em educação. A emenda, aprovada, foi um dos atos que engessariam o Orçamento.

Na mesma época, duas outras emendas elevaram os fundos de participação dos Estados e municípios, que passaram de 20% para 28% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No início do governo Sarney, ampliou-se a partilha para 30%. A Constituição de 1988 subiu para 44% e acrescentou 3% para fundos de desenvolvimento regional. Além disso, transferiu-se 10% do IPI aos Estados para compensar benefícios fiscais às exportações. Emendas posteriores elevaram esses porcentuais para 50% do IR e 60% do IPI. Assim, se for necessário elevar a arrecadação desses impostos, será preciso cobrar mais do que o dobro, já que a maior parcela caberá aos governos subnacionais.

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Em 1987, Pedro Parente, então na recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional, mostrou que os gastos obrigatórios representavam 37% das despesas primárias. Ninguém poderia imaginar que eles ascenderiam a 96% em 2023.

A Constituição de 1988 criou um Estado de bem-estar social do tipo europeu, mas não se examinou se isso seria fiscalmente viável. Estabeleceu uma Previdência generosa com gastos vinculados ao salário mínimo. Hoje, 60% dos benefícios são reajustados pelo mínimo. Entre 1995 e 2018, foram concedidos, cumulativamente, aumentos reais do mínimo de 156,7%. Os gastos previdenciários explodiram, movidos também pelo envelhecimento da população. Já representam mais da metade das despesas primárias da União.

Ao mesmo tempo, aprovou-se o regime jurídico único dos servidores públicos, permitindo que cerca de 400 mil funcionários federais, antes vinculados à legislação trabalhista, virassem funcionários estáveis com salários mais altos. Finalmente, o Poder Judiciário passou a submeter seu orçamento diretamente ao Congresso, o que é provavelmente inédito. Está aí, talvez, a origem dos supersalários de juízes e procuradores.

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Os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passaram de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1987 para 8,3% do PIB em 2023, quase triplicando em termos proporcionais. Quando se acrescentam os regimes previdenciários de todas as esferas de governo, tais gastos atingiram 14% do PIB em 2023, tanto quanto países ricos da Europa, cuja população idosa é o dobro ou mais da brasileira.

Essa marcha da insensatez, ainda viva, aumentará a rigidez, já que os gastos previdenciários crescem em ritmo superior ao dos demais. O recente restabelecimento de reajustes reais do salário mínimo custará, em dez anos, segundo a ministra Simone Tebet, R$ 1,3 trilhão, eliminando as economias da reforma previdenciária de 2019 (R$ 800 bilhões).

A Secretaria do Tesouro informou que as despesas obrigatórias superarão 100% das primárias em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes. Analistas não levam isso em conta. Continuam a pedir cortes de gastos, que têm efeito meramente transitório.

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A recente revisão das metas de resultado primário foi ditada, a meu ver, pela necessidade de atender ao mínimo das demandas legítimas dos órgãos federais. Já se vê dificuldades de aprovar dotações para o seguro rural e os licenciamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pode faltar dinheiro para a cultura, para a Polícia Federal emitir passaportes, para as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) manter bolsistas em cursos no exterior e por aí afora.

Reduzir a rigidez orçamentária é tarefa difícil. Parece não haver apoio social e político para rever os pisos de gastos com saúde e educação. Uma nova reforma da Previdência pode enfrentar conhecidas resistências. Lula da Silva e o PT são contra tudo isso. Rejeitam desvincular o mínimo dos gastos previdenciários. Corremos o risco de uma crise da dívida pública.

Felizmente, os avanços institucionais das últimas décadas, a solidez do sistema financeiro, os superávits da balança comercial e as empresas de classe mundial tornaram a economia mais resiliente para enfrentar a crise, se ela vier.

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A crise pode acordar o Brasil para a gravidade fiscal, promovendo o apoio social e político para construir um sistema fiscal sensato.

*

SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA

A crise fiscal se agrava. O arcabouço fiscal pode se tornar tão inviável quanto o teto de gastos, pela mesma razão: a prevalência de uma aguda rigidez orçamentária, que inibe o corte de gastos. A União dispõe de apenas de 4% das despesas primárias para definir prioridades. O restante é obrigatório. A dificuldade de gerar superávits primários tende a acarretar uma tendência explosiva na dívida pública.

Tal rigidez teve início quando do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) (1983), que previa um necessário ajuste fiscal, mas foi mal recebido pela opinião pública. Vivíamos o ocaso do regime militar, o que reduzia a capacidade do governo de “vender” o acordo. Dizia-se que o País se curvava às exigências do FMI para cortar gastos essenciais como os de educação. Não era verdade, mas colava. O senador João Calmon aproveitou para propor emenda constitucional que estabelecia a vinculação de 13% (hoje 18%) dos impostos a gastos em educação. A emenda, aprovada, foi um dos atos que engessariam o Orçamento.

Na mesma época, duas outras emendas elevaram os fundos de participação dos Estados e municípios, que passaram de 20% para 28% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No início do governo Sarney, ampliou-se a partilha para 30%. A Constituição de 1988 subiu para 44% e acrescentou 3% para fundos de desenvolvimento regional. Além disso, transferiu-se 10% do IPI aos Estados para compensar benefícios fiscais às exportações. Emendas posteriores elevaram esses porcentuais para 50% do IR e 60% do IPI. Assim, se for necessário elevar a arrecadação desses impostos, será preciso cobrar mais do que o dobro, já que a maior parcela caberá aos governos subnacionais.

Em 1987, Pedro Parente, então na recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional, mostrou que os gastos obrigatórios representavam 37% das despesas primárias. Ninguém poderia imaginar que eles ascenderiam a 96% em 2023.

A Constituição de 1988 criou um Estado de bem-estar social do tipo europeu, mas não se examinou se isso seria fiscalmente viável. Estabeleceu uma Previdência generosa com gastos vinculados ao salário mínimo. Hoje, 60% dos benefícios são reajustados pelo mínimo. Entre 1995 e 2018, foram concedidos, cumulativamente, aumentos reais do mínimo de 156,7%. Os gastos previdenciários explodiram, movidos também pelo envelhecimento da população. Já representam mais da metade das despesas primárias da União.

Ao mesmo tempo, aprovou-se o regime jurídico único dos servidores públicos, permitindo que cerca de 400 mil funcionários federais, antes vinculados à legislação trabalhista, virassem funcionários estáveis com salários mais altos. Finalmente, o Poder Judiciário passou a submeter seu orçamento diretamente ao Congresso, o que é provavelmente inédito. Está aí, talvez, a origem dos supersalários de juízes e procuradores.

Os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passaram de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1987 para 8,3% do PIB em 2023, quase triplicando em termos proporcionais. Quando se acrescentam os regimes previdenciários de todas as esferas de governo, tais gastos atingiram 14% do PIB em 2023, tanto quanto países ricos da Europa, cuja população idosa é o dobro ou mais da brasileira.

Essa marcha da insensatez, ainda viva, aumentará a rigidez, já que os gastos previdenciários crescem em ritmo superior ao dos demais. O recente restabelecimento de reajustes reais do salário mínimo custará, em dez anos, segundo a ministra Simone Tebet, R$ 1,3 trilhão, eliminando as economias da reforma previdenciária de 2019 (R$ 800 bilhões).

A Secretaria do Tesouro informou que as despesas obrigatórias superarão 100% das primárias em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes. Analistas não levam isso em conta. Continuam a pedir cortes de gastos, que têm efeito meramente transitório.

A recente revisão das metas de resultado primário foi ditada, a meu ver, pela necessidade de atender ao mínimo das demandas legítimas dos órgãos federais. Já se vê dificuldades de aprovar dotações para o seguro rural e os licenciamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pode faltar dinheiro para a cultura, para a Polícia Federal emitir passaportes, para as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) manter bolsistas em cursos no exterior e por aí afora.

Reduzir a rigidez orçamentária é tarefa difícil. Parece não haver apoio social e político para rever os pisos de gastos com saúde e educação. Uma nova reforma da Previdência pode enfrentar conhecidas resistências. Lula da Silva e o PT são contra tudo isso. Rejeitam desvincular o mínimo dos gastos previdenciários. Corremos o risco de uma crise da dívida pública.

Felizmente, os avanços institucionais das últimas décadas, a solidez do sistema financeiro, os superávits da balança comercial e as empresas de classe mundial tornaram a economia mais resiliente para enfrentar a crise, se ela vier.

A crise pode acordar o Brasil para a gravidade fiscal, promovendo o apoio social e político para construir um sistema fiscal sensato.

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SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA

A crise fiscal se agrava. O arcabouço fiscal pode se tornar tão inviável quanto o teto de gastos, pela mesma razão: a prevalência de uma aguda rigidez orçamentária, que inibe o corte de gastos. A União dispõe de apenas de 4% das despesas primárias para definir prioridades. O restante é obrigatório. A dificuldade de gerar superávits primários tende a acarretar uma tendência explosiva na dívida pública.

Tal rigidez teve início quando do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) (1983), que previa um necessário ajuste fiscal, mas foi mal recebido pela opinião pública. Vivíamos o ocaso do regime militar, o que reduzia a capacidade do governo de “vender” o acordo. Dizia-se que o País se curvava às exigências do FMI para cortar gastos essenciais como os de educação. Não era verdade, mas colava. O senador João Calmon aproveitou para propor emenda constitucional que estabelecia a vinculação de 13% (hoje 18%) dos impostos a gastos em educação. A emenda, aprovada, foi um dos atos que engessariam o Orçamento.

Na mesma época, duas outras emendas elevaram os fundos de participação dos Estados e municípios, que passaram de 20% para 28% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No início do governo Sarney, ampliou-se a partilha para 30%. A Constituição de 1988 subiu para 44% e acrescentou 3% para fundos de desenvolvimento regional. Além disso, transferiu-se 10% do IPI aos Estados para compensar benefícios fiscais às exportações. Emendas posteriores elevaram esses porcentuais para 50% do IR e 60% do IPI. Assim, se for necessário elevar a arrecadação desses impostos, será preciso cobrar mais do que o dobro, já que a maior parcela caberá aos governos subnacionais.

Em 1987, Pedro Parente, então na recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional, mostrou que os gastos obrigatórios representavam 37% das despesas primárias. Ninguém poderia imaginar que eles ascenderiam a 96% em 2023.

A Constituição de 1988 criou um Estado de bem-estar social do tipo europeu, mas não se examinou se isso seria fiscalmente viável. Estabeleceu uma Previdência generosa com gastos vinculados ao salário mínimo. Hoje, 60% dos benefícios são reajustados pelo mínimo. Entre 1995 e 2018, foram concedidos, cumulativamente, aumentos reais do mínimo de 156,7%. Os gastos previdenciários explodiram, movidos também pelo envelhecimento da população. Já representam mais da metade das despesas primárias da União.

Ao mesmo tempo, aprovou-se o regime jurídico único dos servidores públicos, permitindo que cerca de 400 mil funcionários federais, antes vinculados à legislação trabalhista, virassem funcionários estáveis com salários mais altos. Finalmente, o Poder Judiciário passou a submeter seu orçamento diretamente ao Congresso, o que é provavelmente inédito. Está aí, talvez, a origem dos supersalários de juízes e procuradores.

Os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passaram de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1987 para 8,3% do PIB em 2023, quase triplicando em termos proporcionais. Quando se acrescentam os regimes previdenciários de todas as esferas de governo, tais gastos atingiram 14% do PIB em 2023, tanto quanto países ricos da Europa, cuja população idosa é o dobro ou mais da brasileira.

Essa marcha da insensatez, ainda viva, aumentará a rigidez, já que os gastos previdenciários crescem em ritmo superior ao dos demais. O recente restabelecimento de reajustes reais do salário mínimo custará, em dez anos, segundo a ministra Simone Tebet, R$ 1,3 trilhão, eliminando as economias da reforma previdenciária de 2019 (R$ 800 bilhões).

A Secretaria do Tesouro informou que as despesas obrigatórias superarão 100% das primárias em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes. Analistas não levam isso em conta. Continuam a pedir cortes de gastos, que têm efeito meramente transitório.

A recente revisão das metas de resultado primário foi ditada, a meu ver, pela necessidade de atender ao mínimo das demandas legítimas dos órgãos federais. Já se vê dificuldades de aprovar dotações para o seguro rural e os licenciamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pode faltar dinheiro para a cultura, para a Polícia Federal emitir passaportes, para as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) manter bolsistas em cursos no exterior e por aí afora.

Reduzir a rigidez orçamentária é tarefa difícil. Parece não haver apoio social e político para rever os pisos de gastos com saúde e educação. Uma nova reforma da Previdência pode enfrentar conhecidas resistências. Lula da Silva e o PT são contra tudo isso. Rejeitam desvincular o mínimo dos gastos previdenciários. Corremos o risco de uma crise da dívida pública.

Felizmente, os avanços institucionais das últimas décadas, a solidez do sistema financeiro, os superávits da balança comercial e as empresas de classe mundial tornaram a economia mais resiliente para enfrentar a crise, se ela vier.

A crise pode acordar o Brasil para a gravidade fiscal, promovendo o apoio social e político para construir um sistema fiscal sensato.

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SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA

A crise fiscal se agrava. O arcabouço fiscal pode se tornar tão inviável quanto o teto de gastos, pela mesma razão: a prevalência de uma aguda rigidez orçamentária, que inibe o corte de gastos. A União dispõe de apenas de 4% das despesas primárias para definir prioridades. O restante é obrigatório. A dificuldade de gerar superávits primários tende a acarretar uma tendência explosiva na dívida pública.

Tal rigidez teve início quando do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) (1983), que previa um necessário ajuste fiscal, mas foi mal recebido pela opinião pública. Vivíamos o ocaso do regime militar, o que reduzia a capacidade do governo de “vender” o acordo. Dizia-se que o País se curvava às exigências do FMI para cortar gastos essenciais como os de educação. Não era verdade, mas colava. O senador João Calmon aproveitou para propor emenda constitucional que estabelecia a vinculação de 13% (hoje 18%) dos impostos a gastos em educação. A emenda, aprovada, foi um dos atos que engessariam o Orçamento.

Na mesma época, duas outras emendas elevaram os fundos de participação dos Estados e municípios, que passaram de 20% para 28% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No início do governo Sarney, ampliou-se a partilha para 30%. A Constituição de 1988 subiu para 44% e acrescentou 3% para fundos de desenvolvimento regional. Além disso, transferiu-se 10% do IPI aos Estados para compensar benefícios fiscais às exportações. Emendas posteriores elevaram esses porcentuais para 50% do IR e 60% do IPI. Assim, se for necessário elevar a arrecadação desses impostos, será preciso cobrar mais do que o dobro, já que a maior parcela caberá aos governos subnacionais.

Em 1987, Pedro Parente, então na recém-criada Secretaria do Tesouro Nacional, mostrou que os gastos obrigatórios representavam 37% das despesas primárias. Ninguém poderia imaginar que eles ascenderiam a 96% em 2023.

A Constituição de 1988 criou um Estado de bem-estar social do tipo europeu, mas não se examinou se isso seria fiscalmente viável. Estabeleceu uma Previdência generosa com gastos vinculados ao salário mínimo. Hoje, 60% dos benefícios são reajustados pelo mínimo. Entre 1995 e 2018, foram concedidos, cumulativamente, aumentos reais do mínimo de 156,7%. Os gastos previdenciários explodiram, movidos também pelo envelhecimento da população. Já representam mais da metade das despesas primárias da União.

Ao mesmo tempo, aprovou-se o regime jurídico único dos servidores públicos, permitindo que cerca de 400 mil funcionários federais, antes vinculados à legislação trabalhista, virassem funcionários estáveis com salários mais altos. Finalmente, o Poder Judiciário passou a submeter seu orçamento diretamente ao Congresso, o que é provavelmente inédito. Está aí, talvez, a origem dos supersalários de juízes e procuradores.

Os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passaram de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1987 para 8,3% do PIB em 2023, quase triplicando em termos proporcionais. Quando se acrescentam os regimes previdenciários de todas as esferas de governo, tais gastos atingiram 14% do PIB em 2023, tanto quanto países ricos da Europa, cuja população idosa é o dobro ou mais da brasileira.

Essa marcha da insensatez, ainda viva, aumentará a rigidez, já que os gastos previdenciários crescem em ritmo superior ao dos demais. O recente restabelecimento de reajustes reais do salário mínimo custará, em dez anos, segundo a ministra Simone Tebet, R$ 1,3 trilhão, eliminando as economias da reforma previdenciária de 2019 (R$ 800 bilhões).

A Secretaria do Tesouro informou que as despesas obrigatórias superarão 100% das primárias em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes. Analistas não levam isso em conta. Continuam a pedir cortes de gastos, que têm efeito meramente transitório.

A recente revisão das metas de resultado primário foi ditada, a meu ver, pela necessidade de atender ao mínimo das demandas legítimas dos órgãos federais. Já se vê dificuldades de aprovar dotações para o seguro rural e os licenciamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pode faltar dinheiro para a cultura, para a Polícia Federal emitir passaportes, para as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) manter bolsistas em cursos no exterior e por aí afora.

Reduzir a rigidez orçamentária é tarefa difícil. Parece não haver apoio social e político para rever os pisos de gastos com saúde e educação. Uma nova reforma da Previdência pode enfrentar conhecidas resistências. Lula da Silva e o PT são contra tudo isso. Rejeitam desvincular o mínimo dos gastos previdenciários. Corremos o risco de uma crise da dívida pública.

Felizmente, os avanços institucionais das últimas décadas, a solidez do sistema financeiro, os superávits da balança comercial e as empresas de classe mundial tornaram a economia mais resiliente para enfrentar a crise, se ela vier.

A crise pode acordar o Brasil para a gravidade fiscal, promovendo o apoio social e político para construir um sistema fiscal sensato.

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