Opinião|A democracia israelense está em risco, mas segue viva


O problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo

Por David Diesendruck

Nas últimas semanas, muitos têm alardeado que a democracia em Israel corre o risco de terminar caso as reformas propostas pela atual coalizão sejam aprovadas em seu formato original. Que Israel irá se transformar numa teocracia fundamentalista. Uma ditadura.

Sim, o risco é real, mas devemos ser cuidadosos para não sermos levados por análises rasas e passionais. A polarização do debate favorece os extremistas, e não a busca de uma solução da questão. Como em outras situações na região, é necessária uma perspectiva histórica, um olhar para o contexto, para os detalhes, para assim termos melhor compreensão de toda a complexidade do caso.

Em primeiro lugar, o que acontece em Israel não é um fenômeno isolado. A ruptura ou a tentativa de ruptura entre governos eleitos democraticamente e a sociedade civil é um fenômeno global. Além do exemplo brasileiro, temos casos semelhantes na Turquia, nos EUA, na Hungria, entre outros. Os algoritmos das redes sociais, a crescente desigualdade social e ressentimentos de parcelas da população que se sentem discriminadas e prejudicadas são elementos importantes deste momento.

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Importante ressaltar que, em Israel, o voto não é obrigatório. Cerca de 30% dos eleitores não foram às urnas na eleição passada. Além do mais, ninguém teve votos suficientes para governar sozinho. Foi necessário formar uma coalizão. Ou seja, a afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a maioria dos israelenses o apoia é questionável.

Entretanto, da mesma forma que esta coalizão quer impor as suas leis, uma próxima eleição (lembrando que foram cinco nos últimos quatro anos) pode estabelecer uma nova coalizão que retorne ao modelo anterior. As eleições, ao menos por enquanto, não foram afetadas por este governo.

O segundo aspecto importante é o fato de que Israel não tem uma Constituição. Na fundação do Estado, 75 anos atrás, David Ben Gurion, primeiro-ministro na época, cedeu a pressões de setores religiosos, para que pudesse contar com o apoio desse grupo à declaração de independência. A ausência de Constituição era uma maneira de manter certos aspectos da vida civil em suas mãos. Como exemplo, até hoje não existe ali casamento civil. Para os judeus em Israel, não é possível casar-se ou divorciar-se sem a intermediação de um rabino ortodoxo. Alternativamente, existem as chamadas “Leis Básicas”, com peso constitucional, incluindo a que busca garantir a dignidade e a liberdade humana de toda a população, sem qualquer tipo de discriminação.

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Israel não é o único país democrático sem uma Constituição. Mas o sucesso do modelo depende da separação e do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste contexto, o papel da Suprema Corte de Justiça para garantir o direito das minorias é essencial como balizador da democracia.

A necessidade de ajustes no modelo é consensual. Desde a necessidade de uma Constituição, a mudança no critério de escolha e do número de juízes e de sua autonomia. Ou seja, o problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo.

Finalmente, a sociedade civil israelense está se mobilizando de forma inédita. Manifestações têm contado com a participação de diversos segmentos da população e chegam a reunir quase 3% dos habitantes do país. Seria como se mais de 6 milhões de pessoas saíssem às ruas do Brasil protestando contra as reformas. Políticos, artistas, acadêmicos, intelectuais e até mesmo membros dos órgãos de segurança expressando sua indignação e revolta.

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O ator israelense Lior Schleien expressou em recente protesto: “Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos apáticos na política. Vivemos um momento decisivo na nossa história para definirmos qual país queremos para nossos filhos”.

Igual mobilização notamos na diáspora judaica, notadamente a norte-americana, em que ampla maioria segue a linha reformista/conservadora do judaísmo – que não é aceita como legítima pelo governo atual e, portanto, é excluída de um Estado criado para ser o lar de todos os judeus, e não apenas aqueles da linha ortodoxa.

Portanto, sim, a democracia israelense está em risco, mas segue viva. E muito!

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O momento é de mobilização urgente de todos aqueles que acreditam nos princípios e valores do judaísmo e do sionismo. Não dá para ficar “em cima do muro”. Amplificar as vozes da sociedade civil israelense é nosso papel.

Diante de todo este contexto, há que ter esperança de que o atual momento crítico sirva de alarme para os perigos de aonde a polarização, o discurso de ódio e a falta de diálogo podem nos levar. E que, da mesma maneira que ela passou nos EUA e no Brasil, ao menos temporariamente, ela também passe em Israel.

*

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Nas últimas semanas, muitos têm alardeado que a democracia em Israel corre o risco de terminar caso as reformas propostas pela atual coalizão sejam aprovadas em seu formato original. Que Israel irá se transformar numa teocracia fundamentalista. Uma ditadura.

Sim, o risco é real, mas devemos ser cuidadosos para não sermos levados por análises rasas e passionais. A polarização do debate favorece os extremistas, e não a busca de uma solução da questão. Como em outras situações na região, é necessária uma perspectiva histórica, um olhar para o contexto, para os detalhes, para assim termos melhor compreensão de toda a complexidade do caso.

Em primeiro lugar, o que acontece em Israel não é um fenômeno isolado. A ruptura ou a tentativa de ruptura entre governos eleitos democraticamente e a sociedade civil é um fenômeno global. Além do exemplo brasileiro, temos casos semelhantes na Turquia, nos EUA, na Hungria, entre outros. Os algoritmos das redes sociais, a crescente desigualdade social e ressentimentos de parcelas da população que se sentem discriminadas e prejudicadas são elementos importantes deste momento.

Importante ressaltar que, em Israel, o voto não é obrigatório. Cerca de 30% dos eleitores não foram às urnas na eleição passada. Além do mais, ninguém teve votos suficientes para governar sozinho. Foi necessário formar uma coalizão. Ou seja, a afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a maioria dos israelenses o apoia é questionável.

Entretanto, da mesma forma que esta coalizão quer impor as suas leis, uma próxima eleição (lembrando que foram cinco nos últimos quatro anos) pode estabelecer uma nova coalizão que retorne ao modelo anterior. As eleições, ao menos por enquanto, não foram afetadas por este governo.

O segundo aspecto importante é o fato de que Israel não tem uma Constituição. Na fundação do Estado, 75 anos atrás, David Ben Gurion, primeiro-ministro na época, cedeu a pressões de setores religiosos, para que pudesse contar com o apoio desse grupo à declaração de independência. A ausência de Constituição era uma maneira de manter certos aspectos da vida civil em suas mãos. Como exemplo, até hoje não existe ali casamento civil. Para os judeus em Israel, não é possível casar-se ou divorciar-se sem a intermediação de um rabino ortodoxo. Alternativamente, existem as chamadas “Leis Básicas”, com peso constitucional, incluindo a que busca garantir a dignidade e a liberdade humana de toda a população, sem qualquer tipo de discriminação.

Israel não é o único país democrático sem uma Constituição. Mas o sucesso do modelo depende da separação e do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste contexto, o papel da Suprema Corte de Justiça para garantir o direito das minorias é essencial como balizador da democracia.

A necessidade de ajustes no modelo é consensual. Desde a necessidade de uma Constituição, a mudança no critério de escolha e do número de juízes e de sua autonomia. Ou seja, o problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo.

Finalmente, a sociedade civil israelense está se mobilizando de forma inédita. Manifestações têm contado com a participação de diversos segmentos da população e chegam a reunir quase 3% dos habitantes do país. Seria como se mais de 6 milhões de pessoas saíssem às ruas do Brasil protestando contra as reformas. Políticos, artistas, acadêmicos, intelectuais e até mesmo membros dos órgãos de segurança expressando sua indignação e revolta.

O ator israelense Lior Schleien expressou em recente protesto: “Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos apáticos na política. Vivemos um momento decisivo na nossa história para definirmos qual país queremos para nossos filhos”.

Igual mobilização notamos na diáspora judaica, notadamente a norte-americana, em que ampla maioria segue a linha reformista/conservadora do judaísmo – que não é aceita como legítima pelo governo atual e, portanto, é excluída de um Estado criado para ser o lar de todos os judeus, e não apenas aqueles da linha ortodoxa.

Portanto, sim, a democracia israelense está em risco, mas segue viva. E muito!

O momento é de mobilização urgente de todos aqueles que acreditam nos princípios e valores do judaísmo e do sionismo. Não dá para ficar “em cima do muro”. Amplificar as vozes da sociedade civil israelense é nosso papel.

Diante de todo este contexto, há que ter esperança de que o atual momento crítico sirva de alarme para os perigos de aonde a polarização, o discurso de ódio e a falta de diálogo podem nos levar. E que, da mesma maneira que ela passou nos EUA e no Brasil, ao menos temporariamente, ela também passe em Israel.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Nas últimas semanas, muitos têm alardeado que a democracia em Israel corre o risco de terminar caso as reformas propostas pela atual coalizão sejam aprovadas em seu formato original. Que Israel irá se transformar numa teocracia fundamentalista. Uma ditadura.

Sim, o risco é real, mas devemos ser cuidadosos para não sermos levados por análises rasas e passionais. A polarização do debate favorece os extremistas, e não a busca de uma solução da questão. Como em outras situações na região, é necessária uma perspectiva histórica, um olhar para o contexto, para os detalhes, para assim termos melhor compreensão de toda a complexidade do caso.

Em primeiro lugar, o que acontece em Israel não é um fenômeno isolado. A ruptura ou a tentativa de ruptura entre governos eleitos democraticamente e a sociedade civil é um fenômeno global. Além do exemplo brasileiro, temos casos semelhantes na Turquia, nos EUA, na Hungria, entre outros. Os algoritmos das redes sociais, a crescente desigualdade social e ressentimentos de parcelas da população que se sentem discriminadas e prejudicadas são elementos importantes deste momento.

Importante ressaltar que, em Israel, o voto não é obrigatório. Cerca de 30% dos eleitores não foram às urnas na eleição passada. Além do mais, ninguém teve votos suficientes para governar sozinho. Foi necessário formar uma coalizão. Ou seja, a afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a maioria dos israelenses o apoia é questionável.

Entretanto, da mesma forma que esta coalizão quer impor as suas leis, uma próxima eleição (lembrando que foram cinco nos últimos quatro anos) pode estabelecer uma nova coalizão que retorne ao modelo anterior. As eleições, ao menos por enquanto, não foram afetadas por este governo.

O segundo aspecto importante é o fato de que Israel não tem uma Constituição. Na fundação do Estado, 75 anos atrás, David Ben Gurion, primeiro-ministro na época, cedeu a pressões de setores religiosos, para que pudesse contar com o apoio desse grupo à declaração de independência. A ausência de Constituição era uma maneira de manter certos aspectos da vida civil em suas mãos. Como exemplo, até hoje não existe ali casamento civil. Para os judeus em Israel, não é possível casar-se ou divorciar-se sem a intermediação de um rabino ortodoxo. Alternativamente, existem as chamadas “Leis Básicas”, com peso constitucional, incluindo a que busca garantir a dignidade e a liberdade humana de toda a população, sem qualquer tipo de discriminação.

Israel não é o único país democrático sem uma Constituição. Mas o sucesso do modelo depende da separação e do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste contexto, o papel da Suprema Corte de Justiça para garantir o direito das minorias é essencial como balizador da democracia.

A necessidade de ajustes no modelo é consensual. Desde a necessidade de uma Constituição, a mudança no critério de escolha e do número de juízes e de sua autonomia. Ou seja, o problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo.

Finalmente, a sociedade civil israelense está se mobilizando de forma inédita. Manifestações têm contado com a participação de diversos segmentos da população e chegam a reunir quase 3% dos habitantes do país. Seria como se mais de 6 milhões de pessoas saíssem às ruas do Brasil protestando contra as reformas. Políticos, artistas, acadêmicos, intelectuais e até mesmo membros dos órgãos de segurança expressando sua indignação e revolta.

O ator israelense Lior Schleien expressou em recente protesto: “Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos apáticos na política. Vivemos um momento decisivo na nossa história para definirmos qual país queremos para nossos filhos”.

Igual mobilização notamos na diáspora judaica, notadamente a norte-americana, em que ampla maioria segue a linha reformista/conservadora do judaísmo – que não é aceita como legítima pelo governo atual e, portanto, é excluída de um Estado criado para ser o lar de todos os judeus, e não apenas aqueles da linha ortodoxa.

Portanto, sim, a democracia israelense está em risco, mas segue viva. E muito!

O momento é de mobilização urgente de todos aqueles que acreditam nos princípios e valores do judaísmo e do sionismo. Não dá para ficar “em cima do muro”. Amplificar as vozes da sociedade civil israelense é nosso papel.

Diante de todo este contexto, há que ter esperança de que o atual momento crítico sirva de alarme para os perigos de aonde a polarização, o discurso de ódio e a falta de diálogo podem nos levar. E que, da mesma maneira que ela passou nos EUA e no Brasil, ao menos temporariamente, ela também passe em Israel.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Nas últimas semanas, muitos têm alardeado que a democracia em Israel corre o risco de terminar caso as reformas propostas pela atual coalizão sejam aprovadas em seu formato original. Que Israel irá se transformar numa teocracia fundamentalista. Uma ditadura.

Sim, o risco é real, mas devemos ser cuidadosos para não sermos levados por análises rasas e passionais. A polarização do debate favorece os extremistas, e não a busca de uma solução da questão. Como em outras situações na região, é necessária uma perspectiva histórica, um olhar para o contexto, para os detalhes, para assim termos melhor compreensão de toda a complexidade do caso.

Em primeiro lugar, o que acontece em Israel não é um fenômeno isolado. A ruptura ou a tentativa de ruptura entre governos eleitos democraticamente e a sociedade civil é um fenômeno global. Além do exemplo brasileiro, temos casos semelhantes na Turquia, nos EUA, na Hungria, entre outros. Os algoritmos das redes sociais, a crescente desigualdade social e ressentimentos de parcelas da população que se sentem discriminadas e prejudicadas são elementos importantes deste momento.

Importante ressaltar que, em Israel, o voto não é obrigatório. Cerca de 30% dos eleitores não foram às urnas na eleição passada. Além do mais, ninguém teve votos suficientes para governar sozinho. Foi necessário formar uma coalizão. Ou seja, a afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a maioria dos israelenses o apoia é questionável.

Entretanto, da mesma forma que esta coalizão quer impor as suas leis, uma próxima eleição (lembrando que foram cinco nos últimos quatro anos) pode estabelecer uma nova coalizão que retorne ao modelo anterior. As eleições, ao menos por enquanto, não foram afetadas por este governo.

O segundo aspecto importante é o fato de que Israel não tem uma Constituição. Na fundação do Estado, 75 anos atrás, David Ben Gurion, primeiro-ministro na época, cedeu a pressões de setores religiosos, para que pudesse contar com o apoio desse grupo à declaração de independência. A ausência de Constituição era uma maneira de manter certos aspectos da vida civil em suas mãos. Como exemplo, até hoje não existe ali casamento civil. Para os judeus em Israel, não é possível casar-se ou divorciar-se sem a intermediação de um rabino ortodoxo. Alternativamente, existem as chamadas “Leis Básicas”, com peso constitucional, incluindo a que busca garantir a dignidade e a liberdade humana de toda a população, sem qualquer tipo de discriminação.

Israel não é o único país democrático sem uma Constituição. Mas o sucesso do modelo depende da separação e do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste contexto, o papel da Suprema Corte de Justiça para garantir o direito das minorias é essencial como balizador da democracia.

A necessidade de ajustes no modelo é consensual. Desde a necessidade de uma Constituição, a mudança no critério de escolha e do número de juízes e de sua autonomia. Ou seja, o problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo.

Finalmente, a sociedade civil israelense está se mobilizando de forma inédita. Manifestações têm contado com a participação de diversos segmentos da população e chegam a reunir quase 3% dos habitantes do país. Seria como se mais de 6 milhões de pessoas saíssem às ruas do Brasil protestando contra as reformas. Políticos, artistas, acadêmicos, intelectuais e até mesmo membros dos órgãos de segurança expressando sua indignação e revolta.

O ator israelense Lior Schleien expressou em recente protesto: “Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos apáticos na política. Vivemos um momento decisivo na nossa história para definirmos qual país queremos para nossos filhos”.

Igual mobilização notamos na diáspora judaica, notadamente a norte-americana, em que ampla maioria segue a linha reformista/conservadora do judaísmo – que não é aceita como legítima pelo governo atual e, portanto, é excluída de um Estado criado para ser o lar de todos os judeus, e não apenas aqueles da linha ortodoxa.

Portanto, sim, a democracia israelense está em risco, mas segue viva. E muito!

O momento é de mobilização urgente de todos aqueles que acreditam nos princípios e valores do judaísmo e do sionismo. Não dá para ficar “em cima do muro”. Amplificar as vozes da sociedade civil israelense é nosso papel.

Diante de todo este contexto, há que ter esperança de que o atual momento crítico sirva de alarme para os perigos de aonde a polarização, o discurso de ódio e a falta de diálogo podem nos levar. E que, da mesma maneira que ela passou nos EUA e no Brasil, ao menos temporariamente, ela também passe em Israel.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Nas últimas semanas, muitos têm alardeado que a democracia em Israel corre o risco de terminar caso as reformas propostas pela atual coalizão sejam aprovadas em seu formato original. Que Israel irá se transformar numa teocracia fundamentalista. Uma ditadura.

Sim, o risco é real, mas devemos ser cuidadosos para não sermos levados por análises rasas e passionais. A polarização do debate favorece os extremistas, e não a busca de uma solução da questão. Como em outras situações na região, é necessária uma perspectiva histórica, um olhar para o contexto, para os detalhes, para assim termos melhor compreensão de toda a complexidade do caso.

Em primeiro lugar, o que acontece em Israel não é um fenômeno isolado. A ruptura ou a tentativa de ruptura entre governos eleitos democraticamente e a sociedade civil é um fenômeno global. Além do exemplo brasileiro, temos casos semelhantes na Turquia, nos EUA, na Hungria, entre outros. Os algoritmos das redes sociais, a crescente desigualdade social e ressentimentos de parcelas da população que se sentem discriminadas e prejudicadas são elementos importantes deste momento.

Importante ressaltar que, em Israel, o voto não é obrigatório. Cerca de 30% dos eleitores não foram às urnas na eleição passada. Além do mais, ninguém teve votos suficientes para governar sozinho. Foi necessário formar uma coalizão. Ou seja, a afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a maioria dos israelenses o apoia é questionável.

Entretanto, da mesma forma que esta coalizão quer impor as suas leis, uma próxima eleição (lembrando que foram cinco nos últimos quatro anos) pode estabelecer uma nova coalizão que retorne ao modelo anterior. As eleições, ao menos por enquanto, não foram afetadas por este governo.

O segundo aspecto importante é o fato de que Israel não tem uma Constituição. Na fundação do Estado, 75 anos atrás, David Ben Gurion, primeiro-ministro na época, cedeu a pressões de setores religiosos, para que pudesse contar com o apoio desse grupo à declaração de independência. A ausência de Constituição era uma maneira de manter certos aspectos da vida civil em suas mãos. Como exemplo, até hoje não existe ali casamento civil. Para os judeus em Israel, não é possível casar-se ou divorciar-se sem a intermediação de um rabino ortodoxo. Alternativamente, existem as chamadas “Leis Básicas”, com peso constitucional, incluindo a que busca garantir a dignidade e a liberdade humana de toda a população, sem qualquer tipo de discriminação.

Israel não é o único país democrático sem uma Constituição. Mas o sucesso do modelo depende da separação e do equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste contexto, o papel da Suprema Corte de Justiça para garantir o direito das minorias é essencial como balizador da democracia.

A necessidade de ajustes no modelo é consensual. Desde a necessidade de uma Constituição, a mudança no critério de escolha e do número de juízes e de sua autonomia. Ou seja, o problema não é a reforma judicial em si, mas a falta de debate com a participação de representantes de toda a sociedade civil na atual proposta do governo.

Finalmente, a sociedade civil israelense está se mobilizando de forma inédita. Manifestações têm contado com a participação de diversos segmentos da população e chegam a reunir quase 3% dos habitantes do país. Seria como se mais de 6 milhões de pessoas saíssem às ruas do Brasil protestando contra as reformas. Políticos, artistas, acadêmicos, intelectuais e até mesmo membros dos órgãos de segurança expressando sua indignação e revolta.

O ator israelense Lior Schleien expressou em recente protesto: “Não podemos mais nos dar ao luxo de sermos apáticos na política. Vivemos um momento decisivo na nossa história para definirmos qual país queremos para nossos filhos”.

Igual mobilização notamos na diáspora judaica, notadamente a norte-americana, em que ampla maioria segue a linha reformista/conservadora do judaísmo – que não é aceita como legítima pelo governo atual e, portanto, é excluída de um Estado criado para ser o lar de todos os judeus, e não apenas aqueles da linha ortodoxa.

Portanto, sim, a democracia israelense está em risco, mas segue viva. E muito!

O momento é de mobilização urgente de todos aqueles que acreditam nos princípios e valores do judaísmo e do sionismo. Não dá para ficar “em cima do muro”. Amplificar as vozes da sociedade civil israelense é nosso papel.

Diante de todo este contexto, há que ter esperança de que o atual momento crítico sirva de alarme para os perigos de aonde a polarização, o discurso de ódio e a falta de diálogo podem nos levar. E que, da mesma maneira que ela passou nos EUA e no Brasil, ao menos temporariamente, ela também passe em Israel.

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