Opinião|A herança bolsonarista na segurança pública


A gestão que chegou ao poder prometendo ‘resolver’ a questão com uma retórica obsessiva de lei e ordem contribuiu para um agravamento sem precedentes da situação do crime e da violência no País

Por Luis Flávio Sapori e José Luiz Ratton

A segurança pública voltou a ocupar posição de destaque entre as maiores preocupações dos brasileiros. A despeito da redução dos homicídios no País desde 2018, a situação permanece muito grave. São evidentes os sinais de enfraquecimento do Estado de Direito em nossa sociedade, com o concomitante fortalecimento do crime organizado. Crescentes formas de domínio territorial por facções e milícias tornaram-se lugares comuns. A situação da Amazônia suscita preocupação especial, constatando-se a conexão entre redes criminosas mais amplas, que envolvem desde tráfico de drogas, trabalho análogo à escravidão, exploração sexual e invasão de terras indígenas até crimes ambientais como exploração ilegal de madeira e minérios, tráfico ilegal de animais e pesca predatória.

Este é o contexto herdado pelo governo Lula, que tem sido instado a retomar o protagonismo na coordenação de uma estratégia nacional de redução da violência e do crime. Não é casual o destaque alcançado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que, a despeito das controvérsias, se notabilizou pela capacidade de tomada de decisões em situações críticas. Gerenciou as inúmeras crises da segurança pública que eclodiram no decorrer do ano com firmeza e autoridade. Adotou medidas polêmicas, como a utilização das Forças Armadas no Rio de Janeiro via Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e anunciou ações genéricas para o enfrentamento do crime organizado.

Tais limitações não desqualificam este primeiro ano do governo Lula na questão da segurança pública, a despeito da percepção em contrário de parte expressiva dos brasileiros. Na verdade, o ano de 2023 caracteriza-se por inúmeros episódios de violência que resultam do legado descivilizatório do governo Bolsonaro nesta área. As crises atuais da segurança pública não podem ser compreendidas sem destacar o peso desse legado. Ao assumir o cargo, em 2019, Jair Bolsonaro tinha condições institucionais bastante favoráveis para a implementação de avanços na política nacional de segurança pública. O traço central do seu governo, contudo, foi a incapacidade de formulação e implementação de planos de ações de curto e, muito menos, de médio e longo prazos de controle da criminalidade, seja por déficit cognitivo e organizacional, seja por pura falta de vontade política.

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Evidenciou-se nítido retrocesso na atuação da União no âmbito da segurança pública, uma vez que todos os governos que o antecederam apresentaram algum tipo de atuação mais consistente nessa área. O enfrentamento do crime organizado foi sumariamente ignorado durante o governo Bolsonaro. Houve, por exemplo, notória fragilização das agências federais de controle e fiscalização na Amazônia, favorecendo o fortalecimento das redes criminosas na região.

A flexibilização do Estatuto do Desarmamento, iniciativa central da gestão Bolsonaro na segurança pública, contrariou todas as evidências científicas disponíveis e gerou efeitos perversos cumulativos, desde a sua implementação. As facilidades geradas para a aquisição de armas e munições pelos Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores (CACs) produziram o efeito previsível e indesejável de favorecer a construção de arsenais privados por organizações criminosas as mais diversas.

Não bastasse isso, no governo Bolsonaro a letalidade policial atingiu os maiores patamares da história recente do País. Entre 2019 e 2022, a média anual foi de 6.300 mortes decorrentes de intervenções policiais em todo o País. No governo Temer, essa média ficou no patamar de 5.200 mortes; e no segundo governo Dilma, a média foi de 2.900 mortes. Ademais, o discurso da mais alta autoridade da República legitimou, inúmeras vezes, o uso da violência como conduta válida e desejável para enfrentar a criminalidade, favorecendo, nos planos simbólico e cultural, o agravamento do fenômeno.

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Não deixa de ser irônico concluir que a gestão bolsonarista, que chegou ao poder prometendo “resolver” a complexa questão da segurança com uma retórica obsessiva de lei e ordem, tenha contribuído tanto, de formas direta e indireta, para um agravamento sem precedentes da situação do crime e da violência no País. A máxima que resume seu governo na segurança pública é mais armas e nada mais.

É sobre esta terra arrasada que os setores democráticos e progressistas, muitos dos quais integrantes do atual governo, devem concentrar imediatamente seus esforços. A construção e a implementação de um plano nacional de redução da criminalidade violenta devem estar no centro da agenda de prioridades do País. Combinar o imediato e o estratégico, de forma eficiente e com presença da sociedade civil, coordenar, articular e fomentar as ações de governos estaduais e municipais e das polícias e convocar à participação o Poder Judiciário, o Ministério Público e o Poder Legislativo, em todos os níveis. É o mínimo que se espera para que a barbárie bolsonarista seja superada.

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CIENTISTAS SOCIAIS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DA PUC-MG E DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)

A segurança pública voltou a ocupar posição de destaque entre as maiores preocupações dos brasileiros. A despeito da redução dos homicídios no País desde 2018, a situação permanece muito grave. São evidentes os sinais de enfraquecimento do Estado de Direito em nossa sociedade, com o concomitante fortalecimento do crime organizado. Crescentes formas de domínio territorial por facções e milícias tornaram-se lugares comuns. A situação da Amazônia suscita preocupação especial, constatando-se a conexão entre redes criminosas mais amplas, que envolvem desde tráfico de drogas, trabalho análogo à escravidão, exploração sexual e invasão de terras indígenas até crimes ambientais como exploração ilegal de madeira e minérios, tráfico ilegal de animais e pesca predatória.

Este é o contexto herdado pelo governo Lula, que tem sido instado a retomar o protagonismo na coordenação de uma estratégia nacional de redução da violência e do crime. Não é casual o destaque alcançado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que, a despeito das controvérsias, se notabilizou pela capacidade de tomada de decisões em situações críticas. Gerenciou as inúmeras crises da segurança pública que eclodiram no decorrer do ano com firmeza e autoridade. Adotou medidas polêmicas, como a utilização das Forças Armadas no Rio de Janeiro via Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e anunciou ações genéricas para o enfrentamento do crime organizado.

Tais limitações não desqualificam este primeiro ano do governo Lula na questão da segurança pública, a despeito da percepção em contrário de parte expressiva dos brasileiros. Na verdade, o ano de 2023 caracteriza-se por inúmeros episódios de violência que resultam do legado descivilizatório do governo Bolsonaro nesta área. As crises atuais da segurança pública não podem ser compreendidas sem destacar o peso desse legado. Ao assumir o cargo, em 2019, Jair Bolsonaro tinha condições institucionais bastante favoráveis para a implementação de avanços na política nacional de segurança pública. O traço central do seu governo, contudo, foi a incapacidade de formulação e implementação de planos de ações de curto e, muito menos, de médio e longo prazos de controle da criminalidade, seja por déficit cognitivo e organizacional, seja por pura falta de vontade política.

Evidenciou-se nítido retrocesso na atuação da União no âmbito da segurança pública, uma vez que todos os governos que o antecederam apresentaram algum tipo de atuação mais consistente nessa área. O enfrentamento do crime organizado foi sumariamente ignorado durante o governo Bolsonaro. Houve, por exemplo, notória fragilização das agências federais de controle e fiscalização na Amazônia, favorecendo o fortalecimento das redes criminosas na região.

A flexibilização do Estatuto do Desarmamento, iniciativa central da gestão Bolsonaro na segurança pública, contrariou todas as evidências científicas disponíveis e gerou efeitos perversos cumulativos, desde a sua implementação. As facilidades geradas para a aquisição de armas e munições pelos Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores (CACs) produziram o efeito previsível e indesejável de favorecer a construção de arsenais privados por organizações criminosas as mais diversas.

Não bastasse isso, no governo Bolsonaro a letalidade policial atingiu os maiores patamares da história recente do País. Entre 2019 e 2022, a média anual foi de 6.300 mortes decorrentes de intervenções policiais em todo o País. No governo Temer, essa média ficou no patamar de 5.200 mortes; e no segundo governo Dilma, a média foi de 2.900 mortes. Ademais, o discurso da mais alta autoridade da República legitimou, inúmeras vezes, o uso da violência como conduta válida e desejável para enfrentar a criminalidade, favorecendo, nos planos simbólico e cultural, o agravamento do fenômeno.

Não deixa de ser irônico concluir que a gestão bolsonarista, que chegou ao poder prometendo “resolver” a complexa questão da segurança com uma retórica obsessiva de lei e ordem, tenha contribuído tanto, de formas direta e indireta, para um agravamento sem precedentes da situação do crime e da violência no País. A máxima que resume seu governo na segurança pública é mais armas e nada mais.

É sobre esta terra arrasada que os setores democráticos e progressistas, muitos dos quais integrantes do atual governo, devem concentrar imediatamente seus esforços. A construção e a implementação de um plano nacional de redução da criminalidade violenta devem estar no centro da agenda de prioridades do País. Combinar o imediato e o estratégico, de forma eficiente e com presença da sociedade civil, coordenar, articular e fomentar as ações de governos estaduais e municipais e das polícias e convocar à participação o Poder Judiciário, o Ministério Público e o Poder Legislativo, em todos os níveis. É o mínimo que se espera para que a barbárie bolsonarista seja superada.

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CIENTISTAS SOCIAIS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DA PUC-MG E DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)

A segurança pública voltou a ocupar posição de destaque entre as maiores preocupações dos brasileiros. A despeito da redução dos homicídios no País desde 2018, a situação permanece muito grave. São evidentes os sinais de enfraquecimento do Estado de Direito em nossa sociedade, com o concomitante fortalecimento do crime organizado. Crescentes formas de domínio territorial por facções e milícias tornaram-se lugares comuns. A situação da Amazônia suscita preocupação especial, constatando-se a conexão entre redes criminosas mais amplas, que envolvem desde tráfico de drogas, trabalho análogo à escravidão, exploração sexual e invasão de terras indígenas até crimes ambientais como exploração ilegal de madeira e minérios, tráfico ilegal de animais e pesca predatória.

Este é o contexto herdado pelo governo Lula, que tem sido instado a retomar o protagonismo na coordenação de uma estratégia nacional de redução da violência e do crime. Não é casual o destaque alcançado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que, a despeito das controvérsias, se notabilizou pela capacidade de tomada de decisões em situações críticas. Gerenciou as inúmeras crises da segurança pública que eclodiram no decorrer do ano com firmeza e autoridade. Adotou medidas polêmicas, como a utilização das Forças Armadas no Rio de Janeiro via Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e anunciou ações genéricas para o enfrentamento do crime organizado.

Tais limitações não desqualificam este primeiro ano do governo Lula na questão da segurança pública, a despeito da percepção em contrário de parte expressiva dos brasileiros. Na verdade, o ano de 2023 caracteriza-se por inúmeros episódios de violência que resultam do legado descivilizatório do governo Bolsonaro nesta área. As crises atuais da segurança pública não podem ser compreendidas sem destacar o peso desse legado. Ao assumir o cargo, em 2019, Jair Bolsonaro tinha condições institucionais bastante favoráveis para a implementação de avanços na política nacional de segurança pública. O traço central do seu governo, contudo, foi a incapacidade de formulação e implementação de planos de ações de curto e, muito menos, de médio e longo prazos de controle da criminalidade, seja por déficit cognitivo e organizacional, seja por pura falta de vontade política.

Evidenciou-se nítido retrocesso na atuação da União no âmbito da segurança pública, uma vez que todos os governos que o antecederam apresentaram algum tipo de atuação mais consistente nessa área. O enfrentamento do crime organizado foi sumariamente ignorado durante o governo Bolsonaro. Houve, por exemplo, notória fragilização das agências federais de controle e fiscalização na Amazônia, favorecendo o fortalecimento das redes criminosas na região.

A flexibilização do Estatuto do Desarmamento, iniciativa central da gestão Bolsonaro na segurança pública, contrariou todas as evidências científicas disponíveis e gerou efeitos perversos cumulativos, desde a sua implementação. As facilidades geradas para a aquisição de armas e munições pelos Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores (CACs) produziram o efeito previsível e indesejável de favorecer a construção de arsenais privados por organizações criminosas as mais diversas.

Não bastasse isso, no governo Bolsonaro a letalidade policial atingiu os maiores patamares da história recente do País. Entre 2019 e 2022, a média anual foi de 6.300 mortes decorrentes de intervenções policiais em todo o País. No governo Temer, essa média ficou no patamar de 5.200 mortes; e no segundo governo Dilma, a média foi de 2.900 mortes. Ademais, o discurso da mais alta autoridade da República legitimou, inúmeras vezes, o uso da violência como conduta válida e desejável para enfrentar a criminalidade, favorecendo, nos planos simbólico e cultural, o agravamento do fenômeno.

Não deixa de ser irônico concluir que a gestão bolsonarista, que chegou ao poder prometendo “resolver” a complexa questão da segurança com uma retórica obsessiva de lei e ordem, tenha contribuído tanto, de formas direta e indireta, para um agravamento sem precedentes da situação do crime e da violência no País. A máxima que resume seu governo na segurança pública é mais armas e nada mais.

É sobre esta terra arrasada que os setores democráticos e progressistas, muitos dos quais integrantes do atual governo, devem concentrar imediatamente seus esforços. A construção e a implementação de um plano nacional de redução da criminalidade violenta devem estar no centro da agenda de prioridades do País. Combinar o imediato e o estratégico, de forma eficiente e com presença da sociedade civil, coordenar, articular e fomentar as ações de governos estaduais e municipais e das polícias e convocar à participação o Poder Judiciário, o Ministério Público e o Poder Legislativo, em todos os níveis. É o mínimo que se espera para que a barbárie bolsonarista seja superada.

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