Opinião|A morte do livro didático


O governo paulista chutou o balde da questão dos livros didáticos. É hora de aprofundar esse debate

Por João Batista Araújo e Oliveira

No dia 2 de agosto o jornal O Estado de S. Paulo publicou matéria em que o secretário de Educação paulista anunciava o fim do livro didático na rede estadual de ensino. Em seu lugar entrará a tecnologia. O secretário criticou os livros distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC como sendo “rasos”. O setor editorial gritou: seriam ao menos R$ 120 milhões a menos nas compras do governo. Outros grupos relevantes se manifestaram. O assunto é da mais alta relevância e merece um vigoroso debate.

O aspecto central é a substituição do livro didático pela tecnologia. Isso possivelmente irá acontecer algum dia, como já vem acontecendo em grande parte no ensino superior à distância. Mas certamente não é o caso da escola fundamental – e a pandemia deixou clara a inadequação dos instrumentos atualmente disponíveis para lidar com esse nível de ensino. Nenhum país do mundo opera dessa forma. Uma decisão desse vulto, sem qualquer evidência robusta de sua funcionalidade e eficácia, constitui, no mínimo, uma temeridade. Essa é uma discussão importante, mas que cabe diretamente ao mundo político e educacional do Estado de São Paulo. Interessa, ao resto do Brasil, a questão do livro didático.

A crítica do secretário aos livros do PNLD foi arrasadora: livros rasos. O assunto é técnico. O MEC criou no País a ideia de que o livro didático precisa conter tudo o que consta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que é um despautério. O que interessa, aqui, é o entendimento de seu papel – que, certamente, não é guiar, no detalhe, o que deve ser ensinado, avaliado ou constar de livros didáticos. Esse entendimento é perverso. E esse entendimento leva a produzir livros “rasos”, como afirma Renato Feder.

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Mas tem mais. Apesar da trava imposta pela BNCC, os livros aprovados pelo PNLD são carregados de erros. Um levantamento recente realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo, a pedido do movimento De Olho no Material Escolar, analisou 94 livros distribuídos pelo PNLD, de dez editoras. O foco era, principalmente, a maneira como o agro é tratado nos livros. O que foi encontrado é grave: além de centenas de informações factuais equivocadas e desatualizadas, os analistas se depararam com uma enorme quantidade de afirmações desprovidas de embasamento científico e frequentemente enviesadas do ponto de vista ideológico.

O que funciona na sala de aula é o que chega ao aluno – os frágeis resultados da educação brasileira mostram que o que chega é pouco e ruim. O livro didático é uma dessas poucas coisas que chegam. Mas o que deve chegar? E como deve chegar? Esse é o cerne da questão.

O sucesso de uma escola depende do alinhamento de um conjunto conhecido de fatores que incluem o currículo, a proposta pedagógica, o material didático, o professor, a avaliação e suas consequências. O clima da escola – papel primordial do diretor – também tem peso relevante nessa equação. Esta é a espinha dorsal da educação escolar. Mas vamos focar no livro didático.

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O livro didático é um dos mais importantes materiais de apoio à aprendizagem. E, gostemos ou não, ainda predomina na educação formal em todo o mundo. E ele é tão mais importante quanto mais frágeis forem a formação e a condição de trabalho dos professores. De um livro didático se deve exigir uma consistência interna – daí a importância do autor que confere autoridade a ele. Além disso, ele precisa ser consistente com as linhas gerais de um currículo, com uma proposta pedagógica explícita e, sobretudo, ser adequado e de uso factível pelos seus usuários principais: o professor e o aluno. Em razão do que é a BNCC e da forma como opera o PNLD, é pouco provável que os livros didáticos aprovados pelo programa do governo federal venham a contribuir para melhorar o que chega ao aluno na sala de aula.

Estamos, portanto, diante de dois males. De um lado, a escolha de livros “rasos”. De outro, a substituição desses livros por um modelo tecnológico de escola cuja eficácia está longe de ser comprovada, bem como o domínio de seu manejo. Ademais, no caso da proposta do governo de São Paulo, o que se propõe é substituir um tipo de material didático por outro produzido por “gente da casa”, sujeito, portanto, a todos os vieses conceituais, ideológicos e administrativos.

A crise está criada! E nada como crises para provocar debates profícuos. O País precisa discutir seriamente a questão de currículos e colocar em questão a BNCC. Também precisa discutir o PNLD e formas alternativas de conciliar a redução de custos decorrente de economias de escala com o estímulo à diversidade e à qualidade. É essencial a existência de um setor editorial robusto – mas não o setor oligopolizado que é fortalecido pelas atuais políticas do PNLD. Da mesma forma, o País precisa estimular a inovação e a experimentação das tecnologias, inclusive de maneira intensiva, em sala de aula. O governo paulista chutou o balde da questão dos livros didáticos. É hora de aprofundar esse debate.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

No dia 2 de agosto o jornal O Estado de S. Paulo publicou matéria em que o secretário de Educação paulista anunciava o fim do livro didático na rede estadual de ensino. Em seu lugar entrará a tecnologia. O secretário criticou os livros distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC como sendo “rasos”. O setor editorial gritou: seriam ao menos R$ 120 milhões a menos nas compras do governo. Outros grupos relevantes se manifestaram. O assunto é da mais alta relevância e merece um vigoroso debate.

O aspecto central é a substituição do livro didático pela tecnologia. Isso possivelmente irá acontecer algum dia, como já vem acontecendo em grande parte no ensino superior à distância. Mas certamente não é o caso da escola fundamental – e a pandemia deixou clara a inadequação dos instrumentos atualmente disponíveis para lidar com esse nível de ensino. Nenhum país do mundo opera dessa forma. Uma decisão desse vulto, sem qualquer evidência robusta de sua funcionalidade e eficácia, constitui, no mínimo, uma temeridade. Essa é uma discussão importante, mas que cabe diretamente ao mundo político e educacional do Estado de São Paulo. Interessa, ao resto do Brasil, a questão do livro didático.

A crítica do secretário aos livros do PNLD foi arrasadora: livros rasos. O assunto é técnico. O MEC criou no País a ideia de que o livro didático precisa conter tudo o que consta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que é um despautério. O que interessa, aqui, é o entendimento de seu papel – que, certamente, não é guiar, no detalhe, o que deve ser ensinado, avaliado ou constar de livros didáticos. Esse entendimento é perverso. E esse entendimento leva a produzir livros “rasos”, como afirma Renato Feder.

Mas tem mais. Apesar da trava imposta pela BNCC, os livros aprovados pelo PNLD são carregados de erros. Um levantamento recente realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo, a pedido do movimento De Olho no Material Escolar, analisou 94 livros distribuídos pelo PNLD, de dez editoras. O foco era, principalmente, a maneira como o agro é tratado nos livros. O que foi encontrado é grave: além de centenas de informações factuais equivocadas e desatualizadas, os analistas se depararam com uma enorme quantidade de afirmações desprovidas de embasamento científico e frequentemente enviesadas do ponto de vista ideológico.

O que funciona na sala de aula é o que chega ao aluno – os frágeis resultados da educação brasileira mostram que o que chega é pouco e ruim. O livro didático é uma dessas poucas coisas que chegam. Mas o que deve chegar? E como deve chegar? Esse é o cerne da questão.

O sucesso de uma escola depende do alinhamento de um conjunto conhecido de fatores que incluem o currículo, a proposta pedagógica, o material didático, o professor, a avaliação e suas consequências. O clima da escola – papel primordial do diretor – também tem peso relevante nessa equação. Esta é a espinha dorsal da educação escolar. Mas vamos focar no livro didático.

O livro didático é um dos mais importantes materiais de apoio à aprendizagem. E, gostemos ou não, ainda predomina na educação formal em todo o mundo. E ele é tão mais importante quanto mais frágeis forem a formação e a condição de trabalho dos professores. De um livro didático se deve exigir uma consistência interna – daí a importância do autor que confere autoridade a ele. Além disso, ele precisa ser consistente com as linhas gerais de um currículo, com uma proposta pedagógica explícita e, sobretudo, ser adequado e de uso factível pelos seus usuários principais: o professor e o aluno. Em razão do que é a BNCC e da forma como opera o PNLD, é pouco provável que os livros didáticos aprovados pelo programa do governo federal venham a contribuir para melhorar o que chega ao aluno na sala de aula.

Estamos, portanto, diante de dois males. De um lado, a escolha de livros “rasos”. De outro, a substituição desses livros por um modelo tecnológico de escola cuja eficácia está longe de ser comprovada, bem como o domínio de seu manejo. Ademais, no caso da proposta do governo de São Paulo, o que se propõe é substituir um tipo de material didático por outro produzido por “gente da casa”, sujeito, portanto, a todos os vieses conceituais, ideológicos e administrativos.

A crise está criada! E nada como crises para provocar debates profícuos. O País precisa discutir seriamente a questão de currículos e colocar em questão a BNCC. Também precisa discutir o PNLD e formas alternativas de conciliar a redução de custos decorrente de economias de escala com o estímulo à diversidade e à qualidade. É essencial a existência de um setor editorial robusto – mas não o setor oligopolizado que é fortalecido pelas atuais políticas do PNLD. Da mesma forma, o País precisa estimular a inovação e a experimentação das tecnologias, inclusive de maneira intensiva, em sala de aula. O governo paulista chutou o balde da questão dos livros didáticos. É hora de aprofundar esse debate.

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É PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

No dia 2 de agosto o jornal O Estado de S. Paulo publicou matéria em que o secretário de Educação paulista anunciava o fim do livro didático na rede estadual de ensino. Em seu lugar entrará a tecnologia. O secretário criticou os livros distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC como sendo “rasos”. O setor editorial gritou: seriam ao menos R$ 120 milhões a menos nas compras do governo. Outros grupos relevantes se manifestaram. O assunto é da mais alta relevância e merece um vigoroso debate.

O aspecto central é a substituição do livro didático pela tecnologia. Isso possivelmente irá acontecer algum dia, como já vem acontecendo em grande parte no ensino superior à distância. Mas certamente não é o caso da escola fundamental – e a pandemia deixou clara a inadequação dos instrumentos atualmente disponíveis para lidar com esse nível de ensino. Nenhum país do mundo opera dessa forma. Uma decisão desse vulto, sem qualquer evidência robusta de sua funcionalidade e eficácia, constitui, no mínimo, uma temeridade. Essa é uma discussão importante, mas que cabe diretamente ao mundo político e educacional do Estado de São Paulo. Interessa, ao resto do Brasil, a questão do livro didático.

A crítica do secretário aos livros do PNLD foi arrasadora: livros rasos. O assunto é técnico. O MEC criou no País a ideia de que o livro didático precisa conter tudo o que consta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que é um despautério. O que interessa, aqui, é o entendimento de seu papel – que, certamente, não é guiar, no detalhe, o que deve ser ensinado, avaliado ou constar de livros didáticos. Esse entendimento é perverso. E esse entendimento leva a produzir livros “rasos”, como afirma Renato Feder.

Mas tem mais. Apesar da trava imposta pela BNCC, os livros aprovados pelo PNLD são carregados de erros. Um levantamento recente realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo, a pedido do movimento De Olho no Material Escolar, analisou 94 livros distribuídos pelo PNLD, de dez editoras. O foco era, principalmente, a maneira como o agro é tratado nos livros. O que foi encontrado é grave: além de centenas de informações factuais equivocadas e desatualizadas, os analistas se depararam com uma enorme quantidade de afirmações desprovidas de embasamento científico e frequentemente enviesadas do ponto de vista ideológico.

O que funciona na sala de aula é o que chega ao aluno – os frágeis resultados da educação brasileira mostram que o que chega é pouco e ruim. O livro didático é uma dessas poucas coisas que chegam. Mas o que deve chegar? E como deve chegar? Esse é o cerne da questão.

O sucesso de uma escola depende do alinhamento de um conjunto conhecido de fatores que incluem o currículo, a proposta pedagógica, o material didático, o professor, a avaliação e suas consequências. O clima da escola – papel primordial do diretor – também tem peso relevante nessa equação. Esta é a espinha dorsal da educação escolar. Mas vamos focar no livro didático.

O livro didático é um dos mais importantes materiais de apoio à aprendizagem. E, gostemos ou não, ainda predomina na educação formal em todo o mundo. E ele é tão mais importante quanto mais frágeis forem a formação e a condição de trabalho dos professores. De um livro didático se deve exigir uma consistência interna – daí a importância do autor que confere autoridade a ele. Além disso, ele precisa ser consistente com as linhas gerais de um currículo, com uma proposta pedagógica explícita e, sobretudo, ser adequado e de uso factível pelos seus usuários principais: o professor e o aluno. Em razão do que é a BNCC e da forma como opera o PNLD, é pouco provável que os livros didáticos aprovados pelo programa do governo federal venham a contribuir para melhorar o que chega ao aluno na sala de aula.

Estamos, portanto, diante de dois males. De um lado, a escolha de livros “rasos”. De outro, a substituição desses livros por um modelo tecnológico de escola cuja eficácia está longe de ser comprovada, bem como o domínio de seu manejo. Ademais, no caso da proposta do governo de São Paulo, o que se propõe é substituir um tipo de material didático por outro produzido por “gente da casa”, sujeito, portanto, a todos os vieses conceituais, ideológicos e administrativos.

A crise está criada! E nada como crises para provocar debates profícuos. O País precisa discutir seriamente a questão de currículos e colocar em questão a BNCC. Também precisa discutir o PNLD e formas alternativas de conciliar a redução de custos decorrente de economias de escala com o estímulo à diversidade e à qualidade. É essencial a existência de um setor editorial robusto – mas não o setor oligopolizado que é fortalecido pelas atuais políticas do PNLD. Da mesma forma, o País precisa estimular a inovação e a experimentação das tecnologias, inclusive de maneira intensiva, em sala de aula. O governo paulista chutou o balde da questão dos livros didáticos. É hora de aprofundar esse debate.

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