Opinião|Alemanha enfrenta o negacionismo da pandemia


Os que se manifestam contra as medidas para conter a covid-19 veem seus direitos ameaçados

Por Geder Parzianello

A Alemanha vive desde a quarta-feira 16/12 um lockdown em todo o país. A decisão foi tomada pelo governo diante do crescimento de novos casos de contaminação pelo novo coronavírus. Em regiões como o sudeste do país, o número de contaminados já é seis vezes maior que a média de outras regiões.

Há três semanas a chanceler Angela Merkel fez um discurso dramático, que ganhou repercussão internacional. Implorou aos alemães, em tom emocionado, que não visitem familiares neste Natal e evitem aglomerações. Nas suas palavras, não é aceitável que se continue a pagar com a fatalidade de cerca de 600 mortes por dia, por apego a “sutilezas natalinas”.

Merkel foi muito aplaudida pelos membros do Parlamento. Disse ela: “Se tivermos muito contato no Natal e depois descobrirmos que foi o último contato com os avós, teremos realmente errado e não podemos fazer isso”.

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As ruas em boa parte do país estão desertas. As lojas, fechadas. É o que mostram mesmo as emissoras de TV estatais, que costumam reportar os fatos sem o sensacionalismo de uns poucos canais da iniciativa privada. A população está com medo. Nos asilos e casas de saúde que atendem idosos, o receio é tanto de quem ali vive quanto de quem tem teme levar o vírus para lá. É o que me conta uma amiga enfermeira, em Freiburg, Márcia Lindemann, que trabalha há mais de 20 anos no serviço de enfermagem (Pflegerin).

Conversei com ela por telefone. Senti sua apreensão com a situação toda, a voz ansiosa, contando-me que nas casas geriátricas, desde o começo da pandemia, na primeira onda, os moradores foram divididos e isolados, no máximo três deles por andar, separados por portas pesadas de ferro, do tipo corta-fogo. Tento traduzir sua ansiedade e preocupação ao ver que esse cenário está agora de volta.

Como quase todo mundo, ela vai para o trabalho de transporte público, o que aumenta o risco de contágio. Pelos correios recebeu uma autorização especial dizendo que ela trabalha na saúde e cumpre escalas de serviço. Só assim pode, agora, se deslocar de casa ao trabalho sem receio da fiscalização, que é rigorosa. Porque apenas pessoas com justificativa expressa e comprovada podem sair às ruas. E apenas para o essencial.

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Os alemães estão cumprindo à risca o lockdown. Segundo a imprensa alemã, ao menos três quartos da população consideram que Merkel tomou a decisão certa, o fechamento do comércio e de quase todos os serviços foi correto e inevitável. Apoiam a primeira-ministra.

O Estado da Saxônia, na divisa com a Baviera, é a região mais atingida. Lá eles iniciaram o lockdown antes do restante do país. A explicação para a alta de contágio nessa região pode estar em dois fatores: primeiro, a marca do conservadorismo regional e uma maior concentração de negacionistas da pandemia, gente que não acredita no poder letal e disseminador do vírus da covid-19. Outro fator parece ser a proximidade com a fronteira. A República Checa tem hoje um dos mais altos índices de vítimas do coronavírus e continuam crescendo.

A maioria dos alemães busca na internet, em sites oficiais do Estado e de jornais respeitados, a informação confiável, para se organizar. Eles não entendem essa mudança constante de tantas decisões e orientações sobre o que pode e o que não pode funcionar e sobre as pessoas poderem ou não sair às ruas. Converso com colegas professores da universidade, por chamada de vídeo, que me dão esta interpretação de como se sentem os alemães, os cidadãos comuns, com tantas alterações em sua rotina e nas normas de segurança. Para um povo extremamente rígido quanto a regras e disciplina, não é mesmo nada fácil ajustar-se toda hora a novos padrões de comportamento.

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A Alemanha enfrenta, como o resto do mundo, a resistência de quem nega os efeitos da covid-19. Em alemão, eles são chamados Querdenker, uma palavra composta que carrega o sentido de outras duas e se traduz literalmente por “pensamento atravessado”. São pessoas que saem às ruas e juntam gente de todo tipo. Não são só conservadores de direita, no sentido político radical, principalmente filiados ao partido extremista Alternative für Deutschland (AfP), mas, também, céticos de toda natureza, pessoas que se colocam sempre em resistência a tudo o que é determinação do Estado. Misturam-se a esses grupos ainda os chamados Reichbürger, uma espécie de cidadãos que ainda hoje vive do saudosismo de uma Alemanha que não existe mais, atrelada ao passado do III Reich, e também militantes neonazistas, gente sendo observada por suspeitas de conduta ilegal de promoção dos ideais nazistas.

As manifestações contra as medidas de proteção vêm aumentando em várias cidades. Começaram em Stuttgart, num movimento denominado Lateral Thinking 711. No início eram 50 pessoas, em abril. Cerca de 40 mil em Berlim no final de agosto. Pessoas que se manifestam contra as medidas para conter a pandemia porque veem seus direitos fundamentais severamente ameaçados e restringidos.

ESTUDOU NA ALEMANHA E VOLTOU AO PAÍS, UM ANO DEPOIS, PARA LECIONAR, COMO PROFESSOR CONVIDADO. É HOJE MEMBRO DE DOIS GRANDES CENTROS EUROPEUS DE PESQUISA E PROFESSOR ASSOCIADO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA (RS). E-MAIL: GEDERPARZIANELLO@YAHOO.COM.BR

A Alemanha vive desde a quarta-feira 16/12 um lockdown em todo o país. A decisão foi tomada pelo governo diante do crescimento de novos casos de contaminação pelo novo coronavírus. Em regiões como o sudeste do país, o número de contaminados já é seis vezes maior que a média de outras regiões.

Há três semanas a chanceler Angela Merkel fez um discurso dramático, que ganhou repercussão internacional. Implorou aos alemães, em tom emocionado, que não visitem familiares neste Natal e evitem aglomerações. Nas suas palavras, não é aceitável que se continue a pagar com a fatalidade de cerca de 600 mortes por dia, por apego a “sutilezas natalinas”.

Merkel foi muito aplaudida pelos membros do Parlamento. Disse ela: “Se tivermos muito contato no Natal e depois descobrirmos que foi o último contato com os avós, teremos realmente errado e não podemos fazer isso”.

As ruas em boa parte do país estão desertas. As lojas, fechadas. É o que mostram mesmo as emissoras de TV estatais, que costumam reportar os fatos sem o sensacionalismo de uns poucos canais da iniciativa privada. A população está com medo. Nos asilos e casas de saúde que atendem idosos, o receio é tanto de quem ali vive quanto de quem tem teme levar o vírus para lá. É o que me conta uma amiga enfermeira, em Freiburg, Márcia Lindemann, que trabalha há mais de 20 anos no serviço de enfermagem (Pflegerin).

Conversei com ela por telefone. Senti sua apreensão com a situação toda, a voz ansiosa, contando-me que nas casas geriátricas, desde o começo da pandemia, na primeira onda, os moradores foram divididos e isolados, no máximo três deles por andar, separados por portas pesadas de ferro, do tipo corta-fogo. Tento traduzir sua ansiedade e preocupação ao ver que esse cenário está agora de volta.

Como quase todo mundo, ela vai para o trabalho de transporte público, o que aumenta o risco de contágio. Pelos correios recebeu uma autorização especial dizendo que ela trabalha na saúde e cumpre escalas de serviço. Só assim pode, agora, se deslocar de casa ao trabalho sem receio da fiscalização, que é rigorosa. Porque apenas pessoas com justificativa expressa e comprovada podem sair às ruas. E apenas para o essencial.

Os alemães estão cumprindo à risca o lockdown. Segundo a imprensa alemã, ao menos três quartos da população consideram que Merkel tomou a decisão certa, o fechamento do comércio e de quase todos os serviços foi correto e inevitável. Apoiam a primeira-ministra.

O Estado da Saxônia, na divisa com a Baviera, é a região mais atingida. Lá eles iniciaram o lockdown antes do restante do país. A explicação para a alta de contágio nessa região pode estar em dois fatores: primeiro, a marca do conservadorismo regional e uma maior concentração de negacionistas da pandemia, gente que não acredita no poder letal e disseminador do vírus da covid-19. Outro fator parece ser a proximidade com a fronteira. A República Checa tem hoje um dos mais altos índices de vítimas do coronavírus e continuam crescendo.

A maioria dos alemães busca na internet, em sites oficiais do Estado e de jornais respeitados, a informação confiável, para se organizar. Eles não entendem essa mudança constante de tantas decisões e orientações sobre o que pode e o que não pode funcionar e sobre as pessoas poderem ou não sair às ruas. Converso com colegas professores da universidade, por chamada de vídeo, que me dão esta interpretação de como se sentem os alemães, os cidadãos comuns, com tantas alterações em sua rotina e nas normas de segurança. Para um povo extremamente rígido quanto a regras e disciplina, não é mesmo nada fácil ajustar-se toda hora a novos padrões de comportamento.

A Alemanha enfrenta, como o resto do mundo, a resistência de quem nega os efeitos da covid-19. Em alemão, eles são chamados Querdenker, uma palavra composta que carrega o sentido de outras duas e se traduz literalmente por “pensamento atravessado”. São pessoas que saem às ruas e juntam gente de todo tipo. Não são só conservadores de direita, no sentido político radical, principalmente filiados ao partido extremista Alternative für Deutschland (AfP), mas, também, céticos de toda natureza, pessoas que se colocam sempre em resistência a tudo o que é determinação do Estado. Misturam-se a esses grupos ainda os chamados Reichbürger, uma espécie de cidadãos que ainda hoje vive do saudosismo de uma Alemanha que não existe mais, atrelada ao passado do III Reich, e também militantes neonazistas, gente sendo observada por suspeitas de conduta ilegal de promoção dos ideais nazistas.

As manifestações contra as medidas de proteção vêm aumentando em várias cidades. Começaram em Stuttgart, num movimento denominado Lateral Thinking 711. No início eram 50 pessoas, em abril. Cerca de 40 mil em Berlim no final de agosto. Pessoas que se manifestam contra as medidas para conter a pandemia porque veem seus direitos fundamentais severamente ameaçados e restringidos.

ESTUDOU NA ALEMANHA E VOLTOU AO PAÍS, UM ANO DEPOIS, PARA LECIONAR, COMO PROFESSOR CONVIDADO. É HOJE MEMBRO DE DOIS GRANDES CENTROS EUROPEUS DE PESQUISA E PROFESSOR ASSOCIADO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA (RS). E-MAIL: GEDERPARZIANELLO@YAHOO.COM.BR

A Alemanha vive desde a quarta-feira 16/12 um lockdown em todo o país. A decisão foi tomada pelo governo diante do crescimento de novos casos de contaminação pelo novo coronavírus. Em regiões como o sudeste do país, o número de contaminados já é seis vezes maior que a média de outras regiões.

Há três semanas a chanceler Angela Merkel fez um discurso dramático, que ganhou repercussão internacional. Implorou aos alemães, em tom emocionado, que não visitem familiares neste Natal e evitem aglomerações. Nas suas palavras, não é aceitável que se continue a pagar com a fatalidade de cerca de 600 mortes por dia, por apego a “sutilezas natalinas”.

Merkel foi muito aplaudida pelos membros do Parlamento. Disse ela: “Se tivermos muito contato no Natal e depois descobrirmos que foi o último contato com os avós, teremos realmente errado e não podemos fazer isso”.

As ruas em boa parte do país estão desertas. As lojas, fechadas. É o que mostram mesmo as emissoras de TV estatais, que costumam reportar os fatos sem o sensacionalismo de uns poucos canais da iniciativa privada. A população está com medo. Nos asilos e casas de saúde que atendem idosos, o receio é tanto de quem ali vive quanto de quem tem teme levar o vírus para lá. É o que me conta uma amiga enfermeira, em Freiburg, Márcia Lindemann, que trabalha há mais de 20 anos no serviço de enfermagem (Pflegerin).

Conversei com ela por telefone. Senti sua apreensão com a situação toda, a voz ansiosa, contando-me que nas casas geriátricas, desde o começo da pandemia, na primeira onda, os moradores foram divididos e isolados, no máximo três deles por andar, separados por portas pesadas de ferro, do tipo corta-fogo. Tento traduzir sua ansiedade e preocupação ao ver que esse cenário está agora de volta.

Como quase todo mundo, ela vai para o trabalho de transporte público, o que aumenta o risco de contágio. Pelos correios recebeu uma autorização especial dizendo que ela trabalha na saúde e cumpre escalas de serviço. Só assim pode, agora, se deslocar de casa ao trabalho sem receio da fiscalização, que é rigorosa. Porque apenas pessoas com justificativa expressa e comprovada podem sair às ruas. E apenas para o essencial.

Os alemães estão cumprindo à risca o lockdown. Segundo a imprensa alemã, ao menos três quartos da população consideram que Merkel tomou a decisão certa, o fechamento do comércio e de quase todos os serviços foi correto e inevitável. Apoiam a primeira-ministra.

O Estado da Saxônia, na divisa com a Baviera, é a região mais atingida. Lá eles iniciaram o lockdown antes do restante do país. A explicação para a alta de contágio nessa região pode estar em dois fatores: primeiro, a marca do conservadorismo regional e uma maior concentração de negacionistas da pandemia, gente que não acredita no poder letal e disseminador do vírus da covid-19. Outro fator parece ser a proximidade com a fronteira. A República Checa tem hoje um dos mais altos índices de vítimas do coronavírus e continuam crescendo.

A maioria dos alemães busca na internet, em sites oficiais do Estado e de jornais respeitados, a informação confiável, para se organizar. Eles não entendem essa mudança constante de tantas decisões e orientações sobre o que pode e o que não pode funcionar e sobre as pessoas poderem ou não sair às ruas. Converso com colegas professores da universidade, por chamada de vídeo, que me dão esta interpretação de como se sentem os alemães, os cidadãos comuns, com tantas alterações em sua rotina e nas normas de segurança. Para um povo extremamente rígido quanto a regras e disciplina, não é mesmo nada fácil ajustar-se toda hora a novos padrões de comportamento.

A Alemanha enfrenta, como o resto do mundo, a resistência de quem nega os efeitos da covid-19. Em alemão, eles são chamados Querdenker, uma palavra composta que carrega o sentido de outras duas e se traduz literalmente por “pensamento atravessado”. São pessoas que saem às ruas e juntam gente de todo tipo. Não são só conservadores de direita, no sentido político radical, principalmente filiados ao partido extremista Alternative für Deutschland (AfP), mas, também, céticos de toda natureza, pessoas que se colocam sempre em resistência a tudo o que é determinação do Estado. Misturam-se a esses grupos ainda os chamados Reichbürger, uma espécie de cidadãos que ainda hoje vive do saudosismo de uma Alemanha que não existe mais, atrelada ao passado do III Reich, e também militantes neonazistas, gente sendo observada por suspeitas de conduta ilegal de promoção dos ideais nazistas.

As manifestações contra as medidas de proteção vêm aumentando em várias cidades. Começaram em Stuttgart, num movimento denominado Lateral Thinking 711. No início eram 50 pessoas, em abril. Cerca de 40 mil em Berlim no final de agosto. Pessoas que se manifestam contra as medidas para conter a pandemia porque veem seus direitos fundamentais severamente ameaçados e restringidos.

ESTUDOU NA ALEMANHA E VOLTOU AO PAÍS, UM ANO DEPOIS, PARA LECIONAR, COMO PROFESSOR CONVIDADO. É HOJE MEMBRO DE DOIS GRANDES CENTROS EUROPEUS DE PESQUISA E PROFESSOR ASSOCIADO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA (RS). E-MAIL: GEDERPARZIANELLO@YAHOO.COM.BR

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