Opinião|Apostas, lavagem de dinheiro e compartilhamento de dados


Os órgãos reguladores brasileiros já poderiam ter adotado uma base de dados compartilhada que incluísse indivíduos impedidos de apostar e envolvidos em atividades criminosas ou fraudes

Por Filipe Batich e Rhasmye El Rafih

Nicky Santoro, notório e perigoso criminoso de Las Vegas já fichado na polícia por vários crimes, está bêbado, perdendo altos valores e chamando a atenção no Tangiers, cassino construído para lavar valores da máfia italiana. O gerente do local liga imediatamente para o diretor, Sam “Ace” Rothstein, que faz de tudo para que Nicky saia de lá, e rápido. Ele integra a lista de indivíduos excluídos, impedidos de frequentar esse tipo de estabelecimento, e o Tangiers pode perder sua licença de operação caso descubram que Nicky esteja jogando lá.

A cena descrita acima faz parte do premiado filme Cassino, dirigido por Martin Scorsese, com os astros Joe Pesci (Santoro) e Robert De Niro (Rothstein) nos papéis principais e baseado no livro e roteiro homônimos de Nicholas Pileggi. Fora do contexto ficcional, ela mostra um controle há tempos adotado nos Estados Unidos para mitigar o risco de fraudes e de lavagem de dinheiro: o cadastro e banimento de jogadores, operadores e funcionários envolvidos em atividades ilícitas pela Gaming Commission and Gaming Control Board, do Estado de Nevada.

Dentre as restrições da referida agência reguladora, há a proibição de se empregar e permitir a entrada de indivíduos em estabelecimentos de jogos registrados que compõem listas de excluídos, disponíveis de forma pública. Normalmente, essa exclusão tem como base condenações administrativas ou criminais.

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No âmbito internacional, o Grupo de Ação Financeira (Gafi) também regulamenta cassinos. O Gafi é um braço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que trata de recomendações a serem adotadas pelos países para o combate à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa. Suas recomendações e notas interpretativas dispõem que essa atividade deve ser devidamente licenciada e apontam para a necessidade de se identificar e verificar a identidade de apostadores, especialmente quando envolvidos em transações superiores a 3 mil dólares ou 3 mil euros.

A menção à regulamentação internacional e norte-americana é importante no contexto brasileiro. Em 12 de julho, foi publicada a Portaria n.º 1.143/2024, da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que regula os deveres de combate à lavagem de dinheiro para as empresas autorizadas a realizarem apostas fixas, os chamados agentes operadores.

Há um ponto da portaria que deve ser observado, seguindo a recomendação do Gafi. De acordo com a normativa, os agentes operadores precisarão verificar e validar as identificações dos apostadores, incluindo sua capacidade econômico-financeira e se são classificados como pessoas expostas politicamente. Essas mesmas obrigações também são aplicáveis a funcionários, parceiros e terceirizados.

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De acordo com os termos do artigo 26 da Lei 14.790/2023, no Brasil, vários indivíduos estão impedidos de apostar. Isso inclui proprietários, funcionários, parceiros e terceirizados de agentes operadores, agentes públicos relacionados à fiscalização do setor, menores de idade, atletas, árbitros e indivíduos que tenham compulsão por jogos de azar. Ainda assim, não há qualquer normativa que trate de um banco de dados intercambiável com informações de pessoas envolvidas em fraudes em apostas.

Esse tipo de monitoramento não é novidade por aqui. O Banco Central do Brasil, por meio da Resolução Conjunta 6/2023, implementou o compartilhamento de informações sobre indícios de fraudes. Por meio dela, as instituições financeiras passaram a ter a obrigação de instituir um sistema de troca de dados que deve ser alimentado e acessado para subsidiar seus procedimentos e controles de prevenção a fraudes.

O Gafi recomenda a quem transacionar ativos virtuais que disponibilize uma lista de endereços de carteiras com as quais optaram por não realizar operações devido a suspeitas de lavagem de dinheiro, as ditas blacklisted wallet addresses. O órgão entende que rastrear transações em busca dessas listas é uma forma efetiva de viabilizar o monitoramento contínuo para prevenção contra esse tipo de crime.

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Conjugando-se as boas práticas e as experiência internacionais com medidas já adotadas localmente em outros setores, os órgãos reguladores brasileiros já poderiam ter adotado uma base de dados compartilhada que incluísse tanto os indivíduos impedidos, quanto aqueles que já tenham sido verificados como envolvidos em atividades criminosas ou fraudes em apostas. Em atenção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), esse tipo de compartilhamento não pode ser realizado pelos agentes privados, necessitando de previsão normativa pelo agente regulador estatal para que seja legal.

A implementação de mecanismos para o combate à lavagem de dinheiro no setor de apostas é louvável se garantir a integridade desse mercado. No entanto, considerando a agilidade permitida pelos jogos de azar na transmissão e circulação de valores, medidas adicionais se mostram necessárias para assegurar ainda mais a lisura nesse segmento. Se os dados desempenham um papel fundamental na competitividade empresarial, compartilhá-los como ferramenta de prevenção à lavagem de dinheiro e às fraudes pode representar um verdadeiro enriquecimento para essa indústria.

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ADVOGADOS

Nicky Santoro, notório e perigoso criminoso de Las Vegas já fichado na polícia por vários crimes, está bêbado, perdendo altos valores e chamando a atenção no Tangiers, cassino construído para lavar valores da máfia italiana. O gerente do local liga imediatamente para o diretor, Sam “Ace” Rothstein, que faz de tudo para que Nicky saia de lá, e rápido. Ele integra a lista de indivíduos excluídos, impedidos de frequentar esse tipo de estabelecimento, e o Tangiers pode perder sua licença de operação caso descubram que Nicky esteja jogando lá.

A cena descrita acima faz parte do premiado filme Cassino, dirigido por Martin Scorsese, com os astros Joe Pesci (Santoro) e Robert De Niro (Rothstein) nos papéis principais e baseado no livro e roteiro homônimos de Nicholas Pileggi. Fora do contexto ficcional, ela mostra um controle há tempos adotado nos Estados Unidos para mitigar o risco de fraudes e de lavagem de dinheiro: o cadastro e banimento de jogadores, operadores e funcionários envolvidos em atividades ilícitas pela Gaming Commission and Gaming Control Board, do Estado de Nevada.

Dentre as restrições da referida agência reguladora, há a proibição de se empregar e permitir a entrada de indivíduos em estabelecimentos de jogos registrados que compõem listas de excluídos, disponíveis de forma pública. Normalmente, essa exclusão tem como base condenações administrativas ou criminais.

No âmbito internacional, o Grupo de Ação Financeira (Gafi) também regulamenta cassinos. O Gafi é um braço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que trata de recomendações a serem adotadas pelos países para o combate à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa. Suas recomendações e notas interpretativas dispõem que essa atividade deve ser devidamente licenciada e apontam para a necessidade de se identificar e verificar a identidade de apostadores, especialmente quando envolvidos em transações superiores a 3 mil dólares ou 3 mil euros.

A menção à regulamentação internacional e norte-americana é importante no contexto brasileiro. Em 12 de julho, foi publicada a Portaria n.º 1.143/2024, da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que regula os deveres de combate à lavagem de dinheiro para as empresas autorizadas a realizarem apostas fixas, os chamados agentes operadores.

Há um ponto da portaria que deve ser observado, seguindo a recomendação do Gafi. De acordo com a normativa, os agentes operadores precisarão verificar e validar as identificações dos apostadores, incluindo sua capacidade econômico-financeira e se são classificados como pessoas expostas politicamente. Essas mesmas obrigações também são aplicáveis a funcionários, parceiros e terceirizados.

De acordo com os termos do artigo 26 da Lei 14.790/2023, no Brasil, vários indivíduos estão impedidos de apostar. Isso inclui proprietários, funcionários, parceiros e terceirizados de agentes operadores, agentes públicos relacionados à fiscalização do setor, menores de idade, atletas, árbitros e indivíduos que tenham compulsão por jogos de azar. Ainda assim, não há qualquer normativa que trate de um banco de dados intercambiável com informações de pessoas envolvidas em fraudes em apostas.

Esse tipo de monitoramento não é novidade por aqui. O Banco Central do Brasil, por meio da Resolução Conjunta 6/2023, implementou o compartilhamento de informações sobre indícios de fraudes. Por meio dela, as instituições financeiras passaram a ter a obrigação de instituir um sistema de troca de dados que deve ser alimentado e acessado para subsidiar seus procedimentos e controles de prevenção a fraudes.

O Gafi recomenda a quem transacionar ativos virtuais que disponibilize uma lista de endereços de carteiras com as quais optaram por não realizar operações devido a suspeitas de lavagem de dinheiro, as ditas blacklisted wallet addresses. O órgão entende que rastrear transações em busca dessas listas é uma forma efetiva de viabilizar o monitoramento contínuo para prevenção contra esse tipo de crime.

Conjugando-se as boas práticas e as experiência internacionais com medidas já adotadas localmente em outros setores, os órgãos reguladores brasileiros já poderiam ter adotado uma base de dados compartilhada que incluísse tanto os indivíduos impedidos, quanto aqueles que já tenham sido verificados como envolvidos em atividades criminosas ou fraudes em apostas. Em atenção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), esse tipo de compartilhamento não pode ser realizado pelos agentes privados, necessitando de previsão normativa pelo agente regulador estatal para que seja legal.

A implementação de mecanismos para o combate à lavagem de dinheiro no setor de apostas é louvável se garantir a integridade desse mercado. No entanto, considerando a agilidade permitida pelos jogos de azar na transmissão e circulação de valores, medidas adicionais se mostram necessárias para assegurar ainda mais a lisura nesse segmento. Se os dados desempenham um papel fundamental na competitividade empresarial, compartilhá-los como ferramenta de prevenção à lavagem de dinheiro e às fraudes pode representar um verdadeiro enriquecimento para essa indústria.

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Nicky Santoro, notório e perigoso criminoso de Las Vegas já fichado na polícia por vários crimes, está bêbado, perdendo altos valores e chamando a atenção no Tangiers, cassino construído para lavar valores da máfia italiana. O gerente do local liga imediatamente para o diretor, Sam “Ace” Rothstein, que faz de tudo para que Nicky saia de lá, e rápido. Ele integra a lista de indivíduos excluídos, impedidos de frequentar esse tipo de estabelecimento, e o Tangiers pode perder sua licença de operação caso descubram que Nicky esteja jogando lá.

A cena descrita acima faz parte do premiado filme Cassino, dirigido por Martin Scorsese, com os astros Joe Pesci (Santoro) e Robert De Niro (Rothstein) nos papéis principais e baseado no livro e roteiro homônimos de Nicholas Pileggi. Fora do contexto ficcional, ela mostra um controle há tempos adotado nos Estados Unidos para mitigar o risco de fraudes e de lavagem de dinheiro: o cadastro e banimento de jogadores, operadores e funcionários envolvidos em atividades ilícitas pela Gaming Commission and Gaming Control Board, do Estado de Nevada.

Dentre as restrições da referida agência reguladora, há a proibição de se empregar e permitir a entrada de indivíduos em estabelecimentos de jogos registrados que compõem listas de excluídos, disponíveis de forma pública. Normalmente, essa exclusão tem como base condenações administrativas ou criminais.

No âmbito internacional, o Grupo de Ação Financeira (Gafi) também regulamenta cassinos. O Gafi é um braço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que trata de recomendações a serem adotadas pelos países para o combate à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa. Suas recomendações e notas interpretativas dispõem que essa atividade deve ser devidamente licenciada e apontam para a necessidade de se identificar e verificar a identidade de apostadores, especialmente quando envolvidos em transações superiores a 3 mil dólares ou 3 mil euros.

A menção à regulamentação internacional e norte-americana é importante no contexto brasileiro. Em 12 de julho, foi publicada a Portaria n.º 1.143/2024, da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que regula os deveres de combate à lavagem de dinheiro para as empresas autorizadas a realizarem apostas fixas, os chamados agentes operadores.

Há um ponto da portaria que deve ser observado, seguindo a recomendação do Gafi. De acordo com a normativa, os agentes operadores precisarão verificar e validar as identificações dos apostadores, incluindo sua capacidade econômico-financeira e se são classificados como pessoas expostas politicamente. Essas mesmas obrigações também são aplicáveis a funcionários, parceiros e terceirizados.

De acordo com os termos do artigo 26 da Lei 14.790/2023, no Brasil, vários indivíduos estão impedidos de apostar. Isso inclui proprietários, funcionários, parceiros e terceirizados de agentes operadores, agentes públicos relacionados à fiscalização do setor, menores de idade, atletas, árbitros e indivíduos que tenham compulsão por jogos de azar. Ainda assim, não há qualquer normativa que trate de um banco de dados intercambiável com informações de pessoas envolvidas em fraudes em apostas.

Esse tipo de monitoramento não é novidade por aqui. O Banco Central do Brasil, por meio da Resolução Conjunta 6/2023, implementou o compartilhamento de informações sobre indícios de fraudes. Por meio dela, as instituições financeiras passaram a ter a obrigação de instituir um sistema de troca de dados que deve ser alimentado e acessado para subsidiar seus procedimentos e controles de prevenção a fraudes.

O Gafi recomenda a quem transacionar ativos virtuais que disponibilize uma lista de endereços de carteiras com as quais optaram por não realizar operações devido a suspeitas de lavagem de dinheiro, as ditas blacklisted wallet addresses. O órgão entende que rastrear transações em busca dessas listas é uma forma efetiva de viabilizar o monitoramento contínuo para prevenção contra esse tipo de crime.

Conjugando-se as boas práticas e as experiência internacionais com medidas já adotadas localmente em outros setores, os órgãos reguladores brasileiros já poderiam ter adotado uma base de dados compartilhada que incluísse tanto os indivíduos impedidos, quanto aqueles que já tenham sido verificados como envolvidos em atividades criminosas ou fraudes em apostas. Em atenção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), esse tipo de compartilhamento não pode ser realizado pelos agentes privados, necessitando de previsão normativa pelo agente regulador estatal para que seja legal.

A implementação de mecanismos para o combate à lavagem de dinheiro no setor de apostas é louvável se garantir a integridade desse mercado. No entanto, considerando a agilidade permitida pelos jogos de azar na transmissão e circulação de valores, medidas adicionais se mostram necessárias para assegurar ainda mais a lisura nesse segmento. Se os dados desempenham um papel fundamental na competitividade empresarial, compartilhá-los como ferramenta de prevenção à lavagem de dinheiro e às fraudes pode representar um verdadeiro enriquecimento para essa indústria.

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