Opinião|As balzaquianas e a conta de luz


Bons tempos aqueles das últimas décadas do século 20, quando as usinas hidrelétricas sustentavam nosso consumo, mesmo diante de secas severas

Por Clovis Luciano Teixeira

Honoré de Balzac, escritor francês que viveu na primeira metade do século 19 e era o autor predileto de Karl Marx, foi cronista de costumes na época em que a burguesia emergia como força dominante na sociedade francesa. Seu coetâneo, o filósofo prussiano Friedrich Engels, afirmou ter aprendido mais sobre a França nas obras de Balzac do que “com todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais”. Após publicar algumas obras de pouco sucesso, ele lançou La Femme de Trente Ans, livro célebre por retratar a mulher depois dos 30 anos, origem da expressão “balzaquiana”. Nessa história, Julie se casa aos 16 anos e depois se vê trocada por Victor, seu marido, por amores mais jovens.

Assim como Julie, o nosso setor elétrico também tem suas “balzaquianas”: as usinas hidrelétricas (UHEs) com reservatório de regularização, quase todas construídas há mais de 30 anos. Elas já foram as preferidas e hoje são menosprezadas face à ascensão das jovens usinas eólicas e fotovoltaicas (E&F) – muito bem-vindas, mas intermitentes e até “caprichosas”. Elas entram e saem sem licença, se não tem vento umas param, se não tem Sol as outras também param. Aí então sobra para as UHEs “balzaquianas” garantirem a continuidade do serviço na hora da ponta, ao pôr do Sol, quando todos chegam em casa acionando luz, chuveiro elétrico, ar-condicionado, etc.

Ao contrário das jovens E&F, as UHEs são despacháveis (ligam e desligam sob comando) e têm preço do quilowatt-hora (kWh) inferior ao de todas as demais opções. E na hora da “festa” (hora de entrar no sistema) as E&F, que não pagam transporte para seus produtos, têm preferência, sobrando para as “balzaquianas” entrarem na “festa” só quando as jovens E&F já não dão conta. E agora surge a “bandeira vermelha 2″ impondo ônus de R$ 7,877 a cada 100 kWh. “Esse cenário de escassez de chuvas faz com que as termelétricas, com energia mais cara que UHEs, passem a operar mais”, disse a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

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Bons tempos aqueles das últimas décadas do século 20, quando as UHEs sustentavam nosso consumo, mesmo diante de secas severas. Mas a demanda vem crescendo e nós abandonamos planos para novas UHEs com reservatório. Resultado: em 2001 tivemos um “apagão”, seguido pela construção de mais usinas termelétricas. Ora, se tivéssemos construído mais UHEs com reservatório isso não teria ocorrido, pois a água armazenada nessas “baterias” seria suficiente para enfrentar períodos de seca e amortecer cheias inoportunas, eventos cada vez mais frequentes (vide casos recentes no Sul e na Amazônia).

Estudos da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) revelam que: a) nos anos 1990 nós chegamos a ter quase 97% de energia limpa no setor elétrico e caímos para 89% em 2022; b) entre 2006 e 2022 o crescimento das usinas termelétricas foi de 131%, enquanto as UHEs expandiram-se apenas 22%; e c) nesse mesmo período as emissões diretas de CO2 pela geração de energia elétrica cresceu 360% quando comparadas com 1970 a 1994. Nós retrocedemos em termos de emissão de CO2 proveniente da geração de eletricidade!? Conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidrelétrico inventariado do Brasil é algo em torno de 250 gigawatts (GW) e já aproveitamos 108 GW. Restam uns 140 GW em locais para novas UHEs, o terceiro maior potencial restante do planeta, atrás da China e da Rússia. Contudo, restrições ambientais, a maioria mitigáveis, aliadas a ações antagônicas de ONGs et caterva, muitas delas com intenções destoantes de nossos interesses nacionais, vêm desestimulando novas UHEs e incentivando E&F. Então, devido à intermitência dessas, nós teremos que construir mais usinas termelétricas para garantir continuidade/potência, e seguir queimando combustíveis fósseis ou fissionando átomos – e a conta de luz será cada vez mais cara.

O Brasil possui vasta extensão territorial e nossas UHEs inundam cerca de 0,5% de nosso solo, proporção similar à área que a Suíça – que é do tamanho da Ilha do Marajó e 200 vezes menor que o Brasil – inunda com suas UHEs. Segundo a EPE, a China construiu 134 GW de novas UHEs nos últimos dez anos e nós construímos apenas 24 GW. E a China também tem grandes áreas a preservar, mas vem explorando seus recursos naturais e inundando novas áreas para reduzir sua dependência por combustíveis fósseis. E ainda a China, disparada campeã mundial na expansão de parques E&F, inclusive offshore, é também recordista planetária na construção de novas e gigantescas UHEs (cinco das dez maiores do mundo estão lá), objetivando desenvolvimento e bem-estar de seu povo, sem se importar com manifestações contrárias aos seus interesses nacionais.

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Nossos governantes deveriam repensar o aproveitamento do imenso potencial restante em nossos rios construindo novas UHEs, para desfrutarmos dessa dádiva da natureza – respeitando a legislação, mitigando danos ambientais e recompensando regiamente os atingidos. Deveríamos também seguir o exemplo de países como Suíça, Áustria e Noruega (esta com quase 90% de sua matriz elétrica atendidos com UHEs), que exploraram até quase esgotar seus potenciais hídricos e estão entre os maiores IDHs e PIBs per capta do planeta Terra. Será que eles é que estão errados?

*

ENGENHEIRO, É CONSULTOR EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA

Honoré de Balzac, escritor francês que viveu na primeira metade do século 19 e era o autor predileto de Karl Marx, foi cronista de costumes na época em que a burguesia emergia como força dominante na sociedade francesa. Seu coetâneo, o filósofo prussiano Friedrich Engels, afirmou ter aprendido mais sobre a França nas obras de Balzac do que “com todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais”. Após publicar algumas obras de pouco sucesso, ele lançou La Femme de Trente Ans, livro célebre por retratar a mulher depois dos 30 anos, origem da expressão “balzaquiana”. Nessa história, Julie se casa aos 16 anos e depois se vê trocada por Victor, seu marido, por amores mais jovens.

Assim como Julie, o nosso setor elétrico também tem suas “balzaquianas”: as usinas hidrelétricas (UHEs) com reservatório de regularização, quase todas construídas há mais de 30 anos. Elas já foram as preferidas e hoje são menosprezadas face à ascensão das jovens usinas eólicas e fotovoltaicas (E&F) – muito bem-vindas, mas intermitentes e até “caprichosas”. Elas entram e saem sem licença, se não tem vento umas param, se não tem Sol as outras também param. Aí então sobra para as UHEs “balzaquianas” garantirem a continuidade do serviço na hora da ponta, ao pôr do Sol, quando todos chegam em casa acionando luz, chuveiro elétrico, ar-condicionado, etc.

Ao contrário das jovens E&F, as UHEs são despacháveis (ligam e desligam sob comando) e têm preço do quilowatt-hora (kWh) inferior ao de todas as demais opções. E na hora da “festa” (hora de entrar no sistema) as E&F, que não pagam transporte para seus produtos, têm preferência, sobrando para as “balzaquianas” entrarem na “festa” só quando as jovens E&F já não dão conta. E agora surge a “bandeira vermelha 2″ impondo ônus de R$ 7,877 a cada 100 kWh. “Esse cenário de escassez de chuvas faz com que as termelétricas, com energia mais cara que UHEs, passem a operar mais”, disse a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Bons tempos aqueles das últimas décadas do século 20, quando as UHEs sustentavam nosso consumo, mesmo diante de secas severas. Mas a demanda vem crescendo e nós abandonamos planos para novas UHEs com reservatório. Resultado: em 2001 tivemos um “apagão”, seguido pela construção de mais usinas termelétricas. Ora, se tivéssemos construído mais UHEs com reservatório isso não teria ocorrido, pois a água armazenada nessas “baterias” seria suficiente para enfrentar períodos de seca e amortecer cheias inoportunas, eventos cada vez mais frequentes (vide casos recentes no Sul e na Amazônia).

Estudos da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) revelam que: a) nos anos 1990 nós chegamos a ter quase 97% de energia limpa no setor elétrico e caímos para 89% em 2022; b) entre 2006 e 2022 o crescimento das usinas termelétricas foi de 131%, enquanto as UHEs expandiram-se apenas 22%; e c) nesse mesmo período as emissões diretas de CO2 pela geração de energia elétrica cresceu 360% quando comparadas com 1970 a 1994. Nós retrocedemos em termos de emissão de CO2 proveniente da geração de eletricidade!? Conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidrelétrico inventariado do Brasil é algo em torno de 250 gigawatts (GW) e já aproveitamos 108 GW. Restam uns 140 GW em locais para novas UHEs, o terceiro maior potencial restante do planeta, atrás da China e da Rússia. Contudo, restrições ambientais, a maioria mitigáveis, aliadas a ações antagônicas de ONGs et caterva, muitas delas com intenções destoantes de nossos interesses nacionais, vêm desestimulando novas UHEs e incentivando E&F. Então, devido à intermitência dessas, nós teremos que construir mais usinas termelétricas para garantir continuidade/potência, e seguir queimando combustíveis fósseis ou fissionando átomos – e a conta de luz será cada vez mais cara.

O Brasil possui vasta extensão territorial e nossas UHEs inundam cerca de 0,5% de nosso solo, proporção similar à área que a Suíça – que é do tamanho da Ilha do Marajó e 200 vezes menor que o Brasil – inunda com suas UHEs. Segundo a EPE, a China construiu 134 GW de novas UHEs nos últimos dez anos e nós construímos apenas 24 GW. E a China também tem grandes áreas a preservar, mas vem explorando seus recursos naturais e inundando novas áreas para reduzir sua dependência por combustíveis fósseis. E ainda a China, disparada campeã mundial na expansão de parques E&F, inclusive offshore, é também recordista planetária na construção de novas e gigantescas UHEs (cinco das dez maiores do mundo estão lá), objetivando desenvolvimento e bem-estar de seu povo, sem se importar com manifestações contrárias aos seus interesses nacionais.

Nossos governantes deveriam repensar o aproveitamento do imenso potencial restante em nossos rios construindo novas UHEs, para desfrutarmos dessa dádiva da natureza – respeitando a legislação, mitigando danos ambientais e recompensando regiamente os atingidos. Deveríamos também seguir o exemplo de países como Suíça, Áustria e Noruega (esta com quase 90% de sua matriz elétrica atendidos com UHEs), que exploraram até quase esgotar seus potenciais hídricos e estão entre os maiores IDHs e PIBs per capta do planeta Terra. Será que eles é que estão errados?

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ENGENHEIRO, É CONSULTOR EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA

Honoré de Balzac, escritor francês que viveu na primeira metade do século 19 e era o autor predileto de Karl Marx, foi cronista de costumes na época em que a burguesia emergia como força dominante na sociedade francesa. Seu coetâneo, o filósofo prussiano Friedrich Engels, afirmou ter aprendido mais sobre a França nas obras de Balzac do que “com todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais”. Após publicar algumas obras de pouco sucesso, ele lançou La Femme de Trente Ans, livro célebre por retratar a mulher depois dos 30 anos, origem da expressão “balzaquiana”. Nessa história, Julie se casa aos 16 anos e depois se vê trocada por Victor, seu marido, por amores mais jovens.

Assim como Julie, o nosso setor elétrico também tem suas “balzaquianas”: as usinas hidrelétricas (UHEs) com reservatório de regularização, quase todas construídas há mais de 30 anos. Elas já foram as preferidas e hoje são menosprezadas face à ascensão das jovens usinas eólicas e fotovoltaicas (E&F) – muito bem-vindas, mas intermitentes e até “caprichosas”. Elas entram e saem sem licença, se não tem vento umas param, se não tem Sol as outras também param. Aí então sobra para as UHEs “balzaquianas” garantirem a continuidade do serviço na hora da ponta, ao pôr do Sol, quando todos chegam em casa acionando luz, chuveiro elétrico, ar-condicionado, etc.

Ao contrário das jovens E&F, as UHEs são despacháveis (ligam e desligam sob comando) e têm preço do quilowatt-hora (kWh) inferior ao de todas as demais opções. E na hora da “festa” (hora de entrar no sistema) as E&F, que não pagam transporte para seus produtos, têm preferência, sobrando para as “balzaquianas” entrarem na “festa” só quando as jovens E&F já não dão conta. E agora surge a “bandeira vermelha 2″ impondo ônus de R$ 7,877 a cada 100 kWh. “Esse cenário de escassez de chuvas faz com que as termelétricas, com energia mais cara que UHEs, passem a operar mais”, disse a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Bons tempos aqueles das últimas décadas do século 20, quando as UHEs sustentavam nosso consumo, mesmo diante de secas severas. Mas a demanda vem crescendo e nós abandonamos planos para novas UHEs com reservatório. Resultado: em 2001 tivemos um “apagão”, seguido pela construção de mais usinas termelétricas. Ora, se tivéssemos construído mais UHEs com reservatório isso não teria ocorrido, pois a água armazenada nessas “baterias” seria suficiente para enfrentar períodos de seca e amortecer cheias inoportunas, eventos cada vez mais frequentes (vide casos recentes no Sul e na Amazônia).

Estudos da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) revelam que: a) nos anos 1990 nós chegamos a ter quase 97% de energia limpa no setor elétrico e caímos para 89% em 2022; b) entre 2006 e 2022 o crescimento das usinas termelétricas foi de 131%, enquanto as UHEs expandiram-se apenas 22%; e c) nesse mesmo período as emissões diretas de CO2 pela geração de energia elétrica cresceu 360% quando comparadas com 1970 a 1994. Nós retrocedemos em termos de emissão de CO2 proveniente da geração de eletricidade!? Conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidrelétrico inventariado do Brasil é algo em torno de 250 gigawatts (GW) e já aproveitamos 108 GW. Restam uns 140 GW em locais para novas UHEs, o terceiro maior potencial restante do planeta, atrás da China e da Rússia. Contudo, restrições ambientais, a maioria mitigáveis, aliadas a ações antagônicas de ONGs et caterva, muitas delas com intenções destoantes de nossos interesses nacionais, vêm desestimulando novas UHEs e incentivando E&F. Então, devido à intermitência dessas, nós teremos que construir mais usinas termelétricas para garantir continuidade/potência, e seguir queimando combustíveis fósseis ou fissionando átomos – e a conta de luz será cada vez mais cara.

O Brasil possui vasta extensão territorial e nossas UHEs inundam cerca de 0,5% de nosso solo, proporção similar à área que a Suíça – que é do tamanho da Ilha do Marajó e 200 vezes menor que o Brasil – inunda com suas UHEs. Segundo a EPE, a China construiu 134 GW de novas UHEs nos últimos dez anos e nós construímos apenas 24 GW. E a China também tem grandes áreas a preservar, mas vem explorando seus recursos naturais e inundando novas áreas para reduzir sua dependência por combustíveis fósseis. E ainda a China, disparada campeã mundial na expansão de parques E&F, inclusive offshore, é também recordista planetária na construção de novas e gigantescas UHEs (cinco das dez maiores do mundo estão lá), objetivando desenvolvimento e bem-estar de seu povo, sem se importar com manifestações contrárias aos seus interesses nacionais.

Nossos governantes deveriam repensar o aproveitamento do imenso potencial restante em nossos rios construindo novas UHEs, para desfrutarmos dessa dádiva da natureza – respeitando a legislação, mitigando danos ambientais e recompensando regiamente os atingidos. Deveríamos também seguir o exemplo de países como Suíça, Áustria e Noruega (esta com quase 90% de sua matriz elétrica atendidos com UHEs), que exploraram até quase esgotar seus potenciais hídricos e estão entre os maiores IDHs e PIBs per capta do planeta Terra. Será que eles é que estão errados?

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ENGENHEIRO, É CONSULTOR EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA

Opinião por Clovis Luciano Teixeira

Engenheiro, é consultor em projetos de infraestrutura

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