O governo federal pretende lançar uma série de medidas para estimular a economia por meio de atividades sustentáveis. O plano, que vem sendo chamado de “pacote verde”, prevê desde incentivos para o mercado de crédito de carbono até a ampliação de produtos provenientes da natureza na cesta de exportações. A participação de produtos brasileiros oriundos da floresta e da sociobiodiversidade é de 0,17% nas exportações domésticas e há como chegar a pelo menos 1% ou 2% do total, de acordo com cálculos da Fazenda. O estímulo à bioeconomia, segundo o que foi apresentado até agora, será um dos seis eixos principais do pacote.
Com o lançamento previsto para este mês, o plano coloca a bioeconomia como uma alternativa oficial para manter a floresta em pé, especialmente na Amazônia. A decisão de posicionar essa pauta como parte de um projeto de país é crucial. A consolidação da bioeconomia exige uma agenda ampla e urgente, pois, ao mesmo tempo, deve acelerar as ações de comando e controle – para garantir combate às atividades ilegais, ordenamento e governança – e também potencializar o desenvolvimento econômico de baixo impacto na Amazônia.
Alguns números da Amazônia destacam o desafio posto. Além dos mais conhecidos números de desmatamento e atividades ilegais, a Amazônia Legal concentra 23 dos 100 municípios mais violentos do País, segundo estudo da iniciativa Amazônia 2030. Em meados da década de 2000, o número de homicídios para cada 100 mil habitantes ultrapassou a média do restante do Brasil – e essa diferença só tem se alargado. Em síntese, se fosse um país, a Amazônia Legal seria o quarto mais violento do mundo. A região ainda é marcada por elevadas taxas de pobreza e baixos indicadores de saúde, saneamento e educação, entre outros.
Diante deste cenário, além das ações contra a ilegalidade, o sucesso de uma agenda para o desenvolvimento sustentável da Amazônia depende da criação de alternativas ao dinheiro rápido gerado por atividades predatórias e ilegais, como o garimpo e o desmatamento ilegal. O desafio se mostra ainda mais urgente quando se projeta o perfil demográfico da Amazônia Legal. Segundo a Amazônia 2030, diferentemente do restante do Brasil, até meados de 2030 a região terá uma proporção maior de pessoas economicamente ativas (18 anos a 64 anos).
É neste contexto que a bioeconomia de base florestal se coloca e passa a receber mais atenção do setor público, a exemplo do que já ocorria entre outros atores, como a academia, a filantropia e parte do setor privado.
A proposta de uma economia pautada em soluções baseadas na natureza é a de um novo sistema produtivo, social, cultural e econômico, que, além de trazer benefícios ambientais, responde às necessidades de gerar renda e promover a qualidade de vida no território.
As atividades da bioeconomia possibilitam a geração de uma cadeia que não se esgota na simples extração das riquezas da floresta. Com o controle e ordenamento ambiental e territorial vem a segurança jurídica para que o setor privado fomente as atividades regionais por meio de investimentos, o que abre condições para estruturação de atividades econômicas legais e de longo prazo.
A diversidade da bioeconomia e a perenidade dos seus produtos promovem também a busca pelo conhecimento e por inovação, um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico-científico. Com isso, há o estímulo à formação de pessoas, à retenção de talentos e à promoção de um ciclo virtuoso de desenvolvimento baseado em inclusão, ciência e biotecnologia.
A pauta da bioeconomia promove o que temos chamado de agenda integradora para um desenvolvimento econômico e socioambiental. Cadeias sustentáveis têm a capacidade de conectar ciência, conhecimento, cultura e formas de produção locais com o mercado.
Para consolidar uma bioeconomia de produção, capaz de movimentar a economia da região, e alcançar uma diversidade de produtos, dependemos de uma visão mais abrangente do que é bioeconomia. A rede Uma Concertação Pela Amazônia trabalha com a seguinte subdivisão: produtos florestais, de commodities e da sociobiodiversidade. Entre os objetivos da iniciativa estão o desenho e a definição das premissas para que cada item dessas áreas possa ser classificado como um produto da bioeconomia, sendo aplicada adequadamente nas diversas “amazônias”.
O reposicionamento do tema bioeconomia na atuação do poder público gera a expectativa de que possam ser desatados alguns nós para que essa proposta deslanche. Do ponto de vista estrutural, é urgente tratar das condições necessárias de infraestrutura e logística adequadas à realidade local, formar e reter as futuras gerações e potencializar incentivos e mecanismos financeiros para a tradução do conhecimento em soluções para o escalonamento da bioeconomia.
O desafio não é simples, e apenas uma política pública bem consolidada, com uma agenda diversa e integrada, será capaz de garantir a implementação definitiva da bioeconomia na Amazônia.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, SECRETÁRIAS EXECUTIVAS DA INICIATIVA UMA CONCERTAÇÃO PELA AMAZÔNIA E CEO DA MANIOCA, INTEGRANTE DA CONCERTAÇÃO