Opinião|Calote de dívidas de campanhas político-eleitorais: solução à vista?


O Tribunal Superior Eleitoral já entendeu a necessidade de relativizar a impenhorabilidade dos recursos provenientes do fundo partidário

Por Daniel Gustavo Magnane Sanfins e Gustavo Roberto Cavalcante

O modelo democrático adotado pelo Brasil prescreve que o poder emanado do povo seja exercido predominantemente de forma representativa, por intermédio de mandatários que, como condição de elegibilidade, devem obrigatoriamente ser filiados a uma agremiação partidária.

Um dos pilares da Constituição é o pluralismo político, existindo diversos partidos que, cada qual à sua maneira, militam em defesa do caminho que reputam ser o mais adequado para alcançar os objetivos fundamentais da República, competindo entre si pela adesão do eleitorado.

Para promover a campanha de seus filiados, os partidos em geral se valem da contratação de consultorias especializadas no planejamento estratégico da propaganda político-eleitoral. Essa expertise empregada na difusão de projetos e ideais tem significativo peso na balança eleitoral e é frequentemente fator determinante na escolha deste ou daquele candidato.

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Os recursos financeiros necessários para fazer frente a este e a outros tipos de contratos celebrados para o impulsionamento da campanha sempre foram provenientes da receita pública oriunda da distribuição do fundo partidário, bem como da receita privada decorrente de doações de empresas.

Neste contexto, se determinado partido político deixasse de honrar as obrigações contratualmente assumidas, suas receitas públicas ou privadas poderiam vir a ser penhoradas em benefício direto do credor e, reflexamente, do próprio pluripartidarismo.

É bastante claro que, se não fosse possível atingir o patrimônio do partido mau pagador, seriam inevitavelmente apequenados todos os demais partidos que, responsavelmente, restringem seus gastos com autopromoção ao limite de suas receitas, causando um descabido desequilíbrio concorrencial entre os partícipes da vida política.

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Com o advento da Lei n.º 11.694/2008, que teve por objetivo central afastar a responsabilidade dos diretórios partidários nacionais e estaduais por dívidas contraídas pelos diretórios municipais, foi também prevista, sem maiores justificações legislativas, a inclusão dos recursos recebidos do fundo partidário no rol de impenhorabilidades do Código de Processo Civil.

Tal inovação, embora muito conveniente aos interesses de determinados partidos, não gerou óbices intransponíveis às execuções de dívidas de campanha, diante do relevante orçamento advindo das doações empresariais, que permaneciam penhoráveis. Não havia, assim, motivos para grandes debates ou irresignações dos credores.

Eis que, em 17/9/2015, o sistema de financiamento dos partidos políticos foi profundamente alterado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.650, a partir do qual, para repelir influências antirrepublicanas do poder econômico na campanha eleitoral, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n.º 9.096/1995 que autorizavam a realização de doações por empresas.

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Em vista disso, sob a justificativa de que “as doações de empresas estão proibidas e não há nos eleitores uma cultura política que estimule a doação de pessoas físicas”, foi aprovada a Lei n.º 13.487/2017, que criou o chamado fundo eleitoral, constituído por dotações orçamentárias da União em ano de eleição.

Tendo o fundo eleitoral sido instituído para fazer as vezes das receitas que antes eram auferidas pelas doações empresariais, era de esperar que esta nova fonte também fosse passível de atingimento para a satisfação de dívidas de campanha, tal como ocorria com a verba do financiamento privado.

Todavia, a jurisprudência foi em sentido contrário e equiparou o fundo eleitoral ao fundo partidário para fins de impenhorabilidade, ponderando que “o patrimônio dos partidos políticos também é composto por bens privados (contribuições dos filiados e doações de pessoas físicas), motivo pelo qual não se verifica a frustração absoluta dos legítimos interesses da credora” (STJ, REsp n.º 1.800.265, DJe: 23/9/2021).

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Mas este atual estado de coisas é claramente insustentável, frustrando, sim, créditos legitimamente constituídos. A experiência de todos que advogam em execuções dessa natureza demonstra que o decreto de impenhorabilidade das receitas de ambos os fundos públicos (partidário e eleitoral) representa um verdadeiro calote institucionalizado, esvaziando quaisquer perspectivas de pagamento das dívidas de campanha.

De fato, os partidos contam com a possibilidade de angariar recursos de seus filiados e de doações de pessoas físicas, os quais poderiam ser objeto de penhora. Porém, como apontado até mesmo no projeto de lei que instituiu o fundo eleitoral, tais fontes de receita jamais fizeram parte da cultura brasileira e são representadas, quando existem, por quantias ínfimas.

A profusão de execuções frustradas revela a mais completa inocuidade de tentativas de penhora de ativos de origem privada, não se localizando praticamente nenhum recurso a esse título nas contas bancárias dos partidos inadimplentes, que permanecem numa cômoda inércia, sem imprimir quaisquer esforços para pagar pelo que devem.

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Atento a essas circunstâncias, o Tribunal Superior Eleitoral já entendeu a necessidade de relativizar a impenhorabilidade dos recursos provenientes do fundo partidário, autorizando o seu atingimento em execução promovida pela União contra uma determinada agremiação para o ressarcimento ao erário de verbas malversadas, observando que as irrisórias contribuições facultativas de pessoas físicas são incapazes de saldar as obrigações partidárias (TSE, REspe n.º 0602726-21.2018.6.05.0000, DJe: 21/3/2022).

Esse precedente, embora não aplicável diretamente às relações de direito privado processadas na justiça comum, deve inspirar novas reflexões a respeito do tema também nesses casos. É que em nenhuma hipótese se pode admitir o atual regime de exceção corporificado pela irresponsabilidade civil de determinados partidos políticos e pela anistia forçada imposta àqueles que prestam relevantes serviços de campanha.

Idealmente, a solução para a problemática deveria operar-se no âmbito do Poder Legislativo. No mundo real, é difícil imaginar que uma iniciativa nesse sentido desponte do mesmo órgão que arquitetou a impenhorabilidade do fundo partidário, ainda mais quando parte expressiva dos parlamentares é filiada a partidos agraciados pelo salvo-conduto ao inadimplemento.

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Neste cenário, cabe ao Poder Judiciário a proatividade interpretativa na apreciação dos litígios dessa natureza. Longe de qualquer ativismo, é concebível que, diante da profunda alteração no modelo de financiamento partidário existente ao tempo da edição da Lei n.º 11.694/2008, seja promovida uma primordial releitura do ordenamento jurídico para que se empreste efetividade às execuções de dívidas de campanha.

Veja-se: ao dispor que são impenhoráveis “os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei”, o Código de Processo Civil faz remissão à lei específica que rege os partidos políticos (Lei n.º 9.096/1995), que prevê que os recursos oriundos do fundo partidário poderão ser aplicados, justamente, “na propaganda doutrinária e política” e nas “campanhas eleitorais”.

Devendo a legislação ser examinada como um todo, e não em partes isoladas, é perfeitamente razoável que se conclua que a impenhorabilidade das receitas do fundo partidário não se estende a contratações relacionadas à propaganda político-eleitoral, podendo ser expropriadas para a satisfação de dívidas dessa natureza, justamente por se enquadrarem nas específicas hipóteses de destinação do fundo.

Embora ainda não seja amplamente difundida, a proposição aqui sugerida já teve a oportunidade de ser acolhida por decisões de alguns tribunais estaduais ao redor do País. Com o necessário e inadiável amadurecimento do debate, espera-se que a tese venha a ser prestigiada também pelo Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização desta relevante questão federal que impacta não só os legítimos interesses privados dos credores, como também o próprio pluralismo político.

*

SÃO ADVOGADOS

O modelo democrático adotado pelo Brasil prescreve que o poder emanado do povo seja exercido predominantemente de forma representativa, por intermédio de mandatários que, como condição de elegibilidade, devem obrigatoriamente ser filiados a uma agremiação partidária.

Um dos pilares da Constituição é o pluralismo político, existindo diversos partidos que, cada qual à sua maneira, militam em defesa do caminho que reputam ser o mais adequado para alcançar os objetivos fundamentais da República, competindo entre si pela adesão do eleitorado.

Para promover a campanha de seus filiados, os partidos em geral se valem da contratação de consultorias especializadas no planejamento estratégico da propaganda político-eleitoral. Essa expertise empregada na difusão de projetos e ideais tem significativo peso na balança eleitoral e é frequentemente fator determinante na escolha deste ou daquele candidato.

Os recursos financeiros necessários para fazer frente a este e a outros tipos de contratos celebrados para o impulsionamento da campanha sempre foram provenientes da receita pública oriunda da distribuição do fundo partidário, bem como da receita privada decorrente de doações de empresas.

Neste contexto, se determinado partido político deixasse de honrar as obrigações contratualmente assumidas, suas receitas públicas ou privadas poderiam vir a ser penhoradas em benefício direto do credor e, reflexamente, do próprio pluripartidarismo.

É bastante claro que, se não fosse possível atingir o patrimônio do partido mau pagador, seriam inevitavelmente apequenados todos os demais partidos que, responsavelmente, restringem seus gastos com autopromoção ao limite de suas receitas, causando um descabido desequilíbrio concorrencial entre os partícipes da vida política.

Com o advento da Lei n.º 11.694/2008, que teve por objetivo central afastar a responsabilidade dos diretórios partidários nacionais e estaduais por dívidas contraídas pelos diretórios municipais, foi também prevista, sem maiores justificações legislativas, a inclusão dos recursos recebidos do fundo partidário no rol de impenhorabilidades do Código de Processo Civil.

Tal inovação, embora muito conveniente aos interesses de determinados partidos, não gerou óbices intransponíveis às execuções de dívidas de campanha, diante do relevante orçamento advindo das doações empresariais, que permaneciam penhoráveis. Não havia, assim, motivos para grandes debates ou irresignações dos credores.

Eis que, em 17/9/2015, o sistema de financiamento dos partidos políticos foi profundamente alterado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.650, a partir do qual, para repelir influências antirrepublicanas do poder econômico na campanha eleitoral, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n.º 9.096/1995 que autorizavam a realização de doações por empresas.

Em vista disso, sob a justificativa de que “as doações de empresas estão proibidas e não há nos eleitores uma cultura política que estimule a doação de pessoas físicas”, foi aprovada a Lei n.º 13.487/2017, que criou o chamado fundo eleitoral, constituído por dotações orçamentárias da União em ano de eleição.

Tendo o fundo eleitoral sido instituído para fazer as vezes das receitas que antes eram auferidas pelas doações empresariais, era de esperar que esta nova fonte também fosse passível de atingimento para a satisfação de dívidas de campanha, tal como ocorria com a verba do financiamento privado.

Todavia, a jurisprudência foi em sentido contrário e equiparou o fundo eleitoral ao fundo partidário para fins de impenhorabilidade, ponderando que “o patrimônio dos partidos políticos também é composto por bens privados (contribuições dos filiados e doações de pessoas físicas), motivo pelo qual não se verifica a frustração absoluta dos legítimos interesses da credora” (STJ, REsp n.º 1.800.265, DJe: 23/9/2021).

Mas este atual estado de coisas é claramente insustentável, frustrando, sim, créditos legitimamente constituídos. A experiência de todos que advogam em execuções dessa natureza demonstra que o decreto de impenhorabilidade das receitas de ambos os fundos públicos (partidário e eleitoral) representa um verdadeiro calote institucionalizado, esvaziando quaisquer perspectivas de pagamento das dívidas de campanha.

De fato, os partidos contam com a possibilidade de angariar recursos de seus filiados e de doações de pessoas físicas, os quais poderiam ser objeto de penhora. Porém, como apontado até mesmo no projeto de lei que instituiu o fundo eleitoral, tais fontes de receita jamais fizeram parte da cultura brasileira e são representadas, quando existem, por quantias ínfimas.

A profusão de execuções frustradas revela a mais completa inocuidade de tentativas de penhora de ativos de origem privada, não se localizando praticamente nenhum recurso a esse título nas contas bancárias dos partidos inadimplentes, que permanecem numa cômoda inércia, sem imprimir quaisquer esforços para pagar pelo que devem.

Atento a essas circunstâncias, o Tribunal Superior Eleitoral já entendeu a necessidade de relativizar a impenhorabilidade dos recursos provenientes do fundo partidário, autorizando o seu atingimento em execução promovida pela União contra uma determinada agremiação para o ressarcimento ao erário de verbas malversadas, observando que as irrisórias contribuições facultativas de pessoas físicas são incapazes de saldar as obrigações partidárias (TSE, REspe n.º 0602726-21.2018.6.05.0000, DJe: 21/3/2022).

Esse precedente, embora não aplicável diretamente às relações de direito privado processadas na justiça comum, deve inspirar novas reflexões a respeito do tema também nesses casos. É que em nenhuma hipótese se pode admitir o atual regime de exceção corporificado pela irresponsabilidade civil de determinados partidos políticos e pela anistia forçada imposta àqueles que prestam relevantes serviços de campanha.

Idealmente, a solução para a problemática deveria operar-se no âmbito do Poder Legislativo. No mundo real, é difícil imaginar que uma iniciativa nesse sentido desponte do mesmo órgão que arquitetou a impenhorabilidade do fundo partidário, ainda mais quando parte expressiva dos parlamentares é filiada a partidos agraciados pelo salvo-conduto ao inadimplemento.

Neste cenário, cabe ao Poder Judiciário a proatividade interpretativa na apreciação dos litígios dessa natureza. Longe de qualquer ativismo, é concebível que, diante da profunda alteração no modelo de financiamento partidário existente ao tempo da edição da Lei n.º 11.694/2008, seja promovida uma primordial releitura do ordenamento jurídico para que se empreste efetividade às execuções de dívidas de campanha.

Veja-se: ao dispor que são impenhoráveis “os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei”, o Código de Processo Civil faz remissão à lei específica que rege os partidos políticos (Lei n.º 9.096/1995), que prevê que os recursos oriundos do fundo partidário poderão ser aplicados, justamente, “na propaganda doutrinária e política” e nas “campanhas eleitorais”.

Devendo a legislação ser examinada como um todo, e não em partes isoladas, é perfeitamente razoável que se conclua que a impenhorabilidade das receitas do fundo partidário não se estende a contratações relacionadas à propaganda político-eleitoral, podendo ser expropriadas para a satisfação de dívidas dessa natureza, justamente por se enquadrarem nas específicas hipóteses de destinação do fundo.

Embora ainda não seja amplamente difundida, a proposição aqui sugerida já teve a oportunidade de ser acolhida por decisões de alguns tribunais estaduais ao redor do País. Com o necessário e inadiável amadurecimento do debate, espera-se que a tese venha a ser prestigiada também pelo Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização desta relevante questão federal que impacta não só os legítimos interesses privados dos credores, como também o próprio pluralismo político.

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SÃO ADVOGADOS

O modelo democrático adotado pelo Brasil prescreve que o poder emanado do povo seja exercido predominantemente de forma representativa, por intermédio de mandatários que, como condição de elegibilidade, devem obrigatoriamente ser filiados a uma agremiação partidária.

Um dos pilares da Constituição é o pluralismo político, existindo diversos partidos que, cada qual à sua maneira, militam em defesa do caminho que reputam ser o mais adequado para alcançar os objetivos fundamentais da República, competindo entre si pela adesão do eleitorado.

Para promover a campanha de seus filiados, os partidos em geral se valem da contratação de consultorias especializadas no planejamento estratégico da propaganda político-eleitoral. Essa expertise empregada na difusão de projetos e ideais tem significativo peso na balança eleitoral e é frequentemente fator determinante na escolha deste ou daquele candidato.

Os recursos financeiros necessários para fazer frente a este e a outros tipos de contratos celebrados para o impulsionamento da campanha sempre foram provenientes da receita pública oriunda da distribuição do fundo partidário, bem como da receita privada decorrente de doações de empresas.

Neste contexto, se determinado partido político deixasse de honrar as obrigações contratualmente assumidas, suas receitas públicas ou privadas poderiam vir a ser penhoradas em benefício direto do credor e, reflexamente, do próprio pluripartidarismo.

É bastante claro que, se não fosse possível atingir o patrimônio do partido mau pagador, seriam inevitavelmente apequenados todos os demais partidos que, responsavelmente, restringem seus gastos com autopromoção ao limite de suas receitas, causando um descabido desequilíbrio concorrencial entre os partícipes da vida política.

Com o advento da Lei n.º 11.694/2008, que teve por objetivo central afastar a responsabilidade dos diretórios partidários nacionais e estaduais por dívidas contraídas pelos diretórios municipais, foi também prevista, sem maiores justificações legislativas, a inclusão dos recursos recebidos do fundo partidário no rol de impenhorabilidades do Código de Processo Civil.

Tal inovação, embora muito conveniente aos interesses de determinados partidos, não gerou óbices intransponíveis às execuções de dívidas de campanha, diante do relevante orçamento advindo das doações empresariais, que permaneciam penhoráveis. Não havia, assim, motivos para grandes debates ou irresignações dos credores.

Eis que, em 17/9/2015, o sistema de financiamento dos partidos políticos foi profundamente alterado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.650, a partir do qual, para repelir influências antirrepublicanas do poder econômico na campanha eleitoral, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n.º 9.096/1995 que autorizavam a realização de doações por empresas.

Em vista disso, sob a justificativa de que “as doações de empresas estão proibidas e não há nos eleitores uma cultura política que estimule a doação de pessoas físicas”, foi aprovada a Lei n.º 13.487/2017, que criou o chamado fundo eleitoral, constituído por dotações orçamentárias da União em ano de eleição.

Tendo o fundo eleitoral sido instituído para fazer as vezes das receitas que antes eram auferidas pelas doações empresariais, era de esperar que esta nova fonte também fosse passível de atingimento para a satisfação de dívidas de campanha, tal como ocorria com a verba do financiamento privado.

Todavia, a jurisprudência foi em sentido contrário e equiparou o fundo eleitoral ao fundo partidário para fins de impenhorabilidade, ponderando que “o patrimônio dos partidos políticos também é composto por bens privados (contribuições dos filiados e doações de pessoas físicas), motivo pelo qual não se verifica a frustração absoluta dos legítimos interesses da credora” (STJ, REsp n.º 1.800.265, DJe: 23/9/2021).

Mas este atual estado de coisas é claramente insustentável, frustrando, sim, créditos legitimamente constituídos. A experiência de todos que advogam em execuções dessa natureza demonstra que o decreto de impenhorabilidade das receitas de ambos os fundos públicos (partidário e eleitoral) representa um verdadeiro calote institucionalizado, esvaziando quaisquer perspectivas de pagamento das dívidas de campanha.

De fato, os partidos contam com a possibilidade de angariar recursos de seus filiados e de doações de pessoas físicas, os quais poderiam ser objeto de penhora. Porém, como apontado até mesmo no projeto de lei que instituiu o fundo eleitoral, tais fontes de receita jamais fizeram parte da cultura brasileira e são representadas, quando existem, por quantias ínfimas.

A profusão de execuções frustradas revela a mais completa inocuidade de tentativas de penhora de ativos de origem privada, não se localizando praticamente nenhum recurso a esse título nas contas bancárias dos partidos inadimplentes, que permanecem numa cômoda inércia, sem imprimir quaisquer esforços para pagar pelo que devem.

Atento a essas circunstâncias, o Tribunal Superior Eleitoral já entendeu a necessidade de relativizar a impenhorabilidade dos recursos provenientes do fundo partidário, autorizando o seu atingimento em execução promovida pela União contra uma determinada agremiação para o ressarcimento ao erário de verbas malversadas, observando que as irrisórias contribuições facultativas de pessoas físicas são incapazes de saldar as obrigações partidárias (TSE, REspe n.º 0602726-21.2018.6.05.0000, DJe: 21/3/2022).

Esse precedente, embora não aplicável diretamente às relações de direito privado processadas na justiça comum, deve inspirar novas reflexões a respeito do tema também nesses casos. É que em nenhuma hipótese se pode admitir o atual regime de exceção corporificado pela irresponsabilidade civil de determinados partidos políticos e pela anistia forçada imposta àqueles que prestam relevantes serviços de campanha.

Idealmente, a solução para a problemática deveria operar-se no âmbito do Poder Legislativo. No mundo real, é difícil imaginar que uma iniciativa nesse sentido desponte do mesmo órgão que arquitetou a impenhorabilidade do fundo partidário, ainda mais quando parte expressiva dos parlamentares é filiada a partidos agraciados pelo salvo-conduto ao inadimplemento.

Neste cenário, cabe ao Poder Judiciário a proatividade interpretativa na apreciação dos litígios dessa natureza. Longe de qualquer ativismo, é concebível que, diante da profunda alteração no modelo de financiamento partidário existente ao tempo da edição da Lei n.º 11.694/2008, seja promovida uma primordial releitura do ordenamento jurídico para que se empreste efetividade às execuções de dívidas de campanha.

Veja-se: ao dispor que são impenhoráveis “os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei”, o Código de Processo Civil faz remissão à lei específica que rege os partidos políticos (Lei n.º 9.096/1995), que prevê que os recursos oriundos do fundo partidário poderão ser aplicados, justamente, “na propaganda doutrinária e política” e nas “campanhas eleitorais”.

Devendo a legislação ser examinada como um todo, e não em partes isoladas, é perfeitamente razoável que se conclua que a impenhorabilidade das receitas do fundo partidário não se estende a contratações relacionadas à propaganda político-eleitoral, podendo ser expropriadas para a satisfação de dívidas dessa natureza, justamente por se enquadrarem nas específicas hipóteses de destinação do fundo.

Embora ainda não seja amplamente difundida, a proposição aqui sugerida já teve a oportunidade de ser acolhida por decisões de alguns tribunais estaduais ao redor do País. Com o necessário e inadiável amadurecimento do debate, espera-se que a tese venha a ser prestigiada também pelo Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização desta relevante questão federal que impacta não só os legítimos interesses privados dos credores, como também o próprio pluralismo político.

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