Opinião|Câmeras corporais: necessidade civilizatória


Diante de cenas recorrentes de violência policial em SP, a OAB-SP instituiu uma Comissão Especial de Segurança Pública

Por Alberto Zacharias Toron e Theo Dias

No dia 31 de março de 1997, no horário nobre do Jornal Nacional, a Globo exibiu cenas que chocaram o Brasil. Foi levada ao ar uma reportagem mostrando um grupo de policiais militares extorquindo dinheiro, humilhando, espancando e executando pessoas numa blitz na Favela Naval, em Diadema, na Grande São Paulo.

Naquele tempo não havia, disseminados como hoje, telefones celulares com câmeras fotográficas e com capacidade para filmar. O marco representado pela filmagem da agressão policial na Favela Naval atina com a documentação da ação de agentes estatais, o que possibilitou a punição destes.

Com a possibilidade de qualquer pessoa filmar uma ação policial, temos visto vídeos de policiais militares agredindo pessoas já dominadas. Gente, culpada ou inocente, não importa, já deitada sendo chutada, ou mesmo socada e estapeada, quando não alvejada na cabeça com tiros de revólver. Isso sem falar no uso de gás pimenta contra idoso na periferia. São fatos documentados por pessoas comuns “a serviço” do respeito a direitos fundamentais ou, sem meias palavras, contra a covardia e a truculência.

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Fatos assim, é bom que se diga, ocorrem também fora do Brasil, como, emblematicamente, se viu no caso de George Floyd, um homem negro que, em 2020, morreu sufocado quando um policial branco se ajoelhou sobre seu pescoço.

Diante de cenas recorrentes de violência policial em São Paulo e, muito especialmente, em decorrência do aumento da letalidade nas ações policiais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo resolveu instituir uma Comissão Especial de Segurança Pública para avaliar essas e outras questões, inclusive o aparente sucateamento da Polícia Civil, que vem perdendo espaço para a Polícia Militar (PM).

A comissão optou por começar seus trabalhos focada na questão do uso das câmeras corporais por policiais no patrulhamento das ruas. Seguimos de perto a ideia expressa pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que, no lançamento das novas diretrizes sobre a utilização de câmeras corporais (28/5/2024), afirmou haver um “salto civilizatório, no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais”.

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O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, captando outro lado da questão, foi muito feliz ao lembrar que “as câmeras corporais servem como eficaz e idôneo elemento de prova para viabilizar a condenação criminal, sendo útil ferramenta no combate à criminalidade” (Blog do Fausto Macedo, 5/6/2024). Também o antigo chefe do Ministério Público paulista, hoje secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, com anos de experiência no combate ao crime, foi enfático ao dizer que a adoção das câmeras corporais representa “um instrumento cuja eficácia está mais do que comprovada. Ao mesmo tempo em que impacta a letalidade policial, é fundamental para a proteção da vida dos policiais, melhorando também, de forma significativa, os resultados da sua atuação, com mais prisões e apreensões. O uso de câmeras ainda qualifica a prova, pois as imagens podem e devem ser usadas em juízo, facilitando, desta forma, a apuração da verdade real no processo criminal”. (Folha de S.Paulo, 5/6/2024).

Afora tudo, as câmeras corporais servem aos policiais para sua defesa contra falsas acusações, para o reconhecimento de boas práticas, para supervisão, treinamento e aprimoramento operacional.

Enfim, a adoção das câmeras corporais é medida essencial em um programa de profissionalização das polícias. Além de representar um relativo consenso entre diferentes atores do sistema de Justiça, é uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Mais recentemente, o modelo ganhou força também no Brasil e, até julho do ano passado, já era usado de forma permanente em oito Estados. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a letalidade policial em 2022 foi abaixo da média nacional em quatro dos sete Estados que usavam câmeras corporais, o que demonstra empiricamente a eficiência da medida.

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Em São Paulo, elas foram adotadas pela gestão João Doria em 2020 e os primeiros anos de implementação mostraram resultados na queda recorde do indicador de letalidade policial, que, no entanto, voltou a subir na gestão do atual governador. Em 2023, segundo matéria publicada no Estadão pelo jornalista Gonçalo Jr., as mortes cometidas por policiais militares e civis em serviço cresceram 39,6% no Estado. No primeiro trimestre deste ano, essas mortes mais do que dobraram, passando de 75 para 179 ocorrências na comparação com o mesmo período do ano passado.

Para falar sobre a implementação das novas câmeras corporais, a comissão da OAB recebeu em audiência pública representantes da Polícia Militar, comprometidos com a formação profissional dos PMs. O ponto alto da audiência foi a declaração de que “as câmeras fortalecem o exercício da atividade policial”, sem que isso signifique qualquer diminuição na efetividade das ações e na repressão à criminalidade.

*

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ADVOGADOS CRIMINALISTAS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA OAB-SP E DOUTORES EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSIDADE SAARLAND, NA ALEMANHA

No dia 31 de março de 1997, no horário nobre do Jornal Nacional, a Globo exibiu cenas que chocaram o Brasil. Foi levada ao ar uma reportagem mostrando um grupo de policiais militares extorquindo dinheiro, humilhando, espancando e executando pessoas numa blitz na Favela Naval, em Diadema, na Grande São Paulo.

Naquele tempo não havia, disseminados como hoje, telefones celulares com câmeras fotográficas e com capacidade para filmar. O marco representado pela filmagem da agressão policial na Favela Naval atina com a documentação da ação de agentes estatais, o que possibilitou a punição destes.

Com a possibilidade de qualquer pessoa filmar uma ação policial, temos visto vídeos de policiais militares agredindo pessoas já dominadas. Gente, culpada ou inocente, não importa, já deitada sendo chutada, ou mesmo socada e estapeada, quando não alvejada na cabeça com tiros de revólver. Isso sem falar no uso de gás pimenta contra idoso na periferia. São fatos documentados por pessoas comuns “a serviço” do respeito a direitos fundamentais ou, sem meias palavras, contra a covardia e a truculência.

Fatos assim, é bom que se diga, ocorrem também fora do Brasil, como, emblematicamente, se viu no caso de George Floyd, um homem negro que, em 2020, morreu sufocado quando um policial branco se ajoelhou sobre seu pescoço.

Diante de cenas recorrentes de violência policial em São Paulo e, muito especialmente, em decorrência do aumento da letalidade nas ações policiais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo resolveu instituir uma Comissão Especial de Segurança Pública para avaliar essas e outras questões, inclusive o aparente sucateamento da Polícia Civil, que vem perdendo espaço para a Polícia Militar (PM).

A comissão optou por começar seus trabalhos focada na questão do uso das câmeras corporais por policiais no patrulhamento das ruas. Seguimos de perto a ideia expressa pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que, no lançamento das novas diretrizes sobre a utilização de câmeras corporais (28/5/2024), afirmou haver um “salto civilizatório, no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais”.

O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, captando outro lado da questão, foi muito feliz ao lembrar que “as câmeras corporais servem como eficaz e idôneo elemento de prova para viabilizar a condenação criminal, sendo útil ferramenta no combate à criminalidade” (Blog do Fausto Macedo, 5/6/2024). Também o antigo chefe do Ministério Público paulista, hoje secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, com anos de experiência no combate ao crime, foi enfático ao dizer que a adoção das câmeras corporais representa “um instrumento cuja eficácia está mais do que comprovada. Ao mesmo tempo em que impacta a letalidade policial, é fundamental para a proteção da vida dos policiais, melhorando também, de forma significativa, os resultados da sua atuação, com mais prisões e apreensões. O uso de câmeras ainda qualifica a prova, pois as imagens podem e devem ser usadas em juízo, facilitando, desta forma, a apuração da verdade real no processo criminal”. (Folha de S.Paulo, 5/6/2024).

Afora tudo, as câmeras corporais servem aos policiais para sua defesa contra falsas acusações, para o reconhecimento de boas práticas, para supervisão, treinamento e aprimoramento operacional.

Enfim, a adoção das câmeras corporais é medida essencial em um programa de profissionalização das polícias. Além de representar um relativo consenso entre diferentes atores do sistema de Justiça, é uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Mais recentemente, o modelo ganhou força também no Brasil e, até julho do ano passado, já era usado de forma permanente em oito Estados. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a letalidade policial em 2022 foi abaixo da média nacional em quatro dos sete Estados que usavam câmeras corporais, o que demonstra empiricamente a eficiência da medida.

Em São Paulo, elas foram adotadas pela gestão João Doria em 2020 e os primeiros anos de implementação mostraram resultados na queda recorde do indicador de letalidade policial, que, no entanto, voltou a subir na gestão do atual governador. Em 2023, segundo matéria publicada no Estadão pelo jornalista Gonçalo Jr., as mortes cometidas por policiais militares e civis em serviço cresceram 39,6% no Estado. No primeiro trimestre deste ano, essas mortes mais do que dobraram, passando de 75 para 179 ocorrências na comparação com o mesmo período do ano passado.

Para falar sobre a implementação das novas câmeras corporais, a comissão da OAB recebeu em audiência pública representantes da Polícia Militar, comprometidos com a formação profissional dos PMs. O ponto alto da audiência foi a declaração de que “as câmeras fortalecem o exercício da atividade policial”, sem que isso signifique qualquer diminuição na efetividade das ações e na repressão à criminalidade.

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ADVOGADOS CRIMINALISTAS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA OAB-SP E DOUTORES EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSIDADE SAARLAND, NA ALEMANHA

No dia 31 de março de 1997, no horário nobre do Jornal Nacional, a Globo exibiu cenas que chocaram o Brasil. Foi levada ao ar uma reportagem mostrando um grupo de policiais militares extorquindo dinheiro, humilhando, espancando e executando pessoas numa blitz na Favela Naval, em Diadema, na Grande São Paulo.

Naquele tempo não havia, disseminados como hoje, telefones celulares com câmeras fotográficas e com capacidade para filmar. O marco representado pela filmagem da agressão policial na Favela Naval atina com a documentação da ação de agentes estatais, o que possibilitou a punição destes.

Com a possibilidade de qualquer pessoa filmar uma ação policial, temos visto vídeos de policiais militares agredindo pessoas já dominadas. Gente, culpada ou inocente, não importa, já deitada sendo chutada, ou mesmo socada e estapeada, quando não alvejada na cabeça com tiros de revólver. Isso sem falar no uso de gás pimenta contra idoso na periferia. São fatos documentados por pessoas comuns “a serviço” do respeito a direitos fundamentais ou, sem meias palavras, contra a covardia e a truculência.

Fatos assim, é bom que se diga, ocorrem também fora do Brasil, como, emblematicamente, se viu no caso de George Floyd, um homem negro que, em 2020, morreu sufocado quando um policial branco se ajoelhou sobre seu pescoço.

Diante de cenas recorrentes de violência policial em São Paulo e, muito especialmente, em decorrência do aumento da letalidade nas ações policiais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo resolveu instituir uma Comissão Especial de Segurança Pública para avaliar essas e outras questões, inclusive o aparente sucateamento da Polícia Civil, que vem perdendo espaço para a Polícia Militar (PM).

A comissão optou por começar seus trabalhos focada na questão do uso das câmeras corporais por policiais no patrulhamento das ruas. Seguimos de perto a ideia expressa pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que, no lançamento das novas diretrizes sobre a utilização de câmeras corporais (28/5/2024), afirmou haver um “salto civilizatório, no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais”.

O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, captando outro lado da questão, foi muito feliz ao lembrar que “as câmeras corporais servem como eficaz e idôneo elemento de prova para viabilizar a condenação criminal, sendo útil ferramenta no combate à criminalidade” (Blog do Fausto Macedo, 5/6/2024). Também o antigo chefe do Ministério Público paulista, hoje secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, com anos de experiência no combate ao crime, foi enfático ao dizer que a adoção das câmeras corporais representa “um instrumento cuja eficácia está mais do que comprovada. Ao mesmo tempo em que impacta a letalidade policial, é fundamental para a proteção da vida dos policiais, melhorando também, de forma significativa, os resultados da sua atuação, com mais prisões e apreensões. O uso de câmeras ainda qualifica a prova, pois as imagens podem e devem ser usadas em juízo, facilitando, desta forma, a apuração da verdade real no processo criminal”. (Folha de S.Paulo, 5/6/2024).

Afora tudo, as câmeras corporais servem aos policiais para sua defesa contra falsas acusações, para o reconhecimento de boas práticas, para supervisão, treinamento e aprimoramento operacional.

Enfim, a adoção das câmeras corporais é medida essencial em um programa de profissionalização das polícias. Além de representar um relativo consenso entre diferentes atores do sistema de Justiça, é uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Mais recentemente, o modelo ganhou força também no Brasil e, até julho do ano passado, já era usado de forma permanente em oito Estados. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a letalidade policial em 2022 foi abaixo da média nacional em quatro dos sete Estados que usavam câmeras corporais, o que demonstra empiricamente a eficiência da medida.

Em São Paulo, elas foram adotadas pela gestão João Doria em 2020 e os primeiros anos de implementação mostraram resultados na queda recorde do indicador de letalidade policial, que, no entanto, voltou a subir na gestão do atual governador. Em 2023, segundo matéria publicada no Estadão pelo jornalista Gonçalo Jr., as mortes cometidas por policiais militares e civis em serviço cresceram 39,6% no Estado. No primeiro trimestre deste ano, essas mortes mais do que dobraram, passando de 75 para 179 ocorrências na comparação com o mesmo período do ano passado.

Para falar sobre a implementação das novas câmeras corporais, a comissão da OAB recebeu em audiência pública representantes da Polícia Militar, comprometidos com a formação profissional dos PMs. O ponto alto da audiência foi a declaração de que “as câmeras fortalecem o exercício da atividade policial”, sem que isso signifique qualquer diminuição na efetividade das ações e na repressão à criminalidade.

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ADVOGADOS CRIMINALISTAS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA OAB-SP E DOUTORES EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSIDADE SAARLAND, NA ALEMANHA

Opinião por Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-SP, é doutor em Direito pela USP

Theo Dias

Advogado criminalista, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-SP, é doutor em Direito pela Universidade Saarland, na Alemanha

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