Opinião|Cenários para o futuro da Mata Atlântica


Há locais onde há uma tendência de perda da vegetação nativa, enquanto em outros vemos recuperação

Por Luís Fernando Guedes Pinto

As crises globais e as conferências do clima e da biodiversidade nos levam a refletir sobre o futuro da humanidade. Grandes expectativas cercam as negociações e decisões desses eventos que determinam o que faremos para superar as crises à nossa frente.

A Mata Atlântica, o bioma mais destruído ao longo da história do Brasil, vive um período decisivo: convive simultaneamente com a perda de florestas maduras, aquelas com maior acúmulo de biomassa e biodiversidade, e uma relevante regeneração de florestas jovens. Dados recentes do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica e o MapBiomas, indicam uma redução de 55% no desmatamento nos primeiros seis meses de 2024. Ainda assim, o impacto segue alarmante. A área destruída no semestre é equivalente a cerca de 20 mil campos de futebol.

Estamos perdendo mata principalmente nas regiões ainda onde há uma grande proporção de áreas nativas – como em Minas Gerais, Bahia, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, onde a expansão da agropecuária é o principal vetor. Numa proporção muito menor, mas também com enorme impacto, o desmatamento ocorre em pequenas áreas em torno das regiões urbanas, metropolitanas e de expansão do turismo no litoral.

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Entre 1985 e 2023, segundo o MapBiomas, a Mata Atlântica perdeu 3 milhões de hectares de vegetação nativa. Hoje restam apenas 24% da cobertura florestal original, remanescentes que estão em sua maior parte em áreas com menos de 50 hectares (97%) e em terras privadas (87%). Um estudo publicado na revista Science apontou que ao menos 44% das 5 mil árvores presentes na Mata Atlântica seguem em algum grau de ameaça de extinção. Cerca de um quarto das espécies que correm o risco de desaparecer no Brasil estão no bioma. Nesse cenário de fragmentação e ameaças, a proporção de áreas integralmente protegidas se mantém incipiente: é menor que 5%.

Porém, ao mesmo tempo, temos ganhado florestas jovens em regiões onde já houve um intenso desmatamento histórico e resta pouco da vegetação nativa do bioma – como São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. As matas estão voltando a surgir em áreas abandonadas. Desde 2006, com a publicação da Lei da Mata Atlântica, houve um incremento de 800 mil hectares na área florestal. Mas essas florestas jovens também estão fortemente ameaçadas. Nos últimos anos, sua supressão superou a das maduras.

A geografia do desmatamento e da regeneração não coincide. Há locais onde há uma tendência de perda da vegetação nativa, enquanto em outros vemos recuperação. Esse contexto paradoxal e contraditório apresenta diferentes trajetórias para o futuro da Mata Atlântica.

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O cenário de contínuo desmatamento de áreas maduras e jovens e a permanente pressão e degradação – como o fogo – sobre os remanescentes existentes deve conduzir à extinção do bioma em grande parte do seu território original, com a permanência de algumas poucas ilhas remanescentes. Isso resultaria numa enorme perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos oferecidos pela sua vegetação a uma grande parte da população brasileira e do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Também representaria prejuízo imensurável para o patrimônio natural e sociocultural do Brasil. Estaríamos jogando fora parte da nossa origem e do bioma que tem a árvore que deu o nome ao nosso país.

Por outro lado, o cenário do fim do desmatamento de florestas maduras e jovens, da permanência de uma vigorosa regeneração, da restauração ativa em áreas degradadas, com a conexão dos remanescentes existentes, somado à enorme resiliência histórica do bioma, pode tornar a Mata Atlântica um local particular do mundo de reversão de uma tendência de destruição da natureza. Essa trajetória garantiria não só a saúde do bioma como a conservação da biodiversidade, a provisão de serviços ecossistêmicos, a garantia do seu diverso componente histórico, social e cultural e a minimização de tragédias ambientais. Seria ainda uma grande contribuição para mitigar as crises globais do clima e da biodiversidade, assim como o combate às desigualdades.

O Brasil reúne todas as condições para alcançar esse segundo cenário. Devido ao grande acúmulo e à centralidade da ciência, tecnologia, liderança, capital, sociedade civil e sofisticada governança nesta parte do País, a Mata Atlântica é um local privilegiado no Brasil e no mundo para chegar ao desmatamento zero e a um processo vigoroso de restauração em grande escala e alta velocidade. Essa dinâmica tende a levar a um ganha-ganha coletivo para a sociedade e a economia.

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Para tanto, é fundamental a aplicação e o aprimoramento da Lei da Mata Atlântica, a real implementação do Código Florestal, processos rigorosos de licenciamento ambiental e o incentivo a uma economia florestal e agroflorestal. Os pagamentos por serviços ambientais e os mercados de carbono e biodiversidade também podem acelerar essas mudanças. Os mecanismos de mercado são importantes e alavancadores de transformações, mas não devem substituir o papel central do Estado de garantir a conservação e a restauração deste patrimônio nacional.

O cenário otimista para o futuro da Mata Atlântica é possível, necessário e urgente.

*

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É DIRETOR-EXECUTIVO DA SOS MATA ATLÂNTICA

As crises globais e as conferências do clima e da biodiversidade nos levam a refletir sobre o futuro da humanidade. Grandes expectativas cercam as negociações e decisões desses eventos que determinam o que faremos para superar as crises à nossa frente.

A Mata Atlântica, o bioma mais destruído ao longo da história do Brasil, vive um período decisivo: convive simultaneamente com a perda de florestas maduras, aquelas com maior acúmulo de biomassa e biodiversidade, e uma relevante regeneração de florestas jovens. Dados recentes do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica e o MapBiomas, indicam uma redução de 55% no desmatamento nos primeiros seis meses de 2024. Ainda assim, o impacto segue alarmante. A área destruída no semestre é equivalente a cerca de 20 mil campos de futebol.

Estamos perdendo mata principalmente nas regiões ainda onde há uma grande proporção de áreas nativas – como em Minas Gerais, Bahia, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, onde a expansão da agropecuária é o principal vetor. Numa proporção muito menor, mas também com enorme impacto, o desmatamento ocorre em pequenas áreas em torno das regiões urbanas, metropolitanas e de expansão do turismo no litoral.

Entre 1985 e 2023, segundo o MapBiomas, a Mata Atlântica perdeu 3 milhões de hectares de vegetação nativa. Hoje restam apenas 24% da cobertura florestal original, remanescentes que estão em sua maior parte em áreas com menos de 50 hectares (97%) e em terras privadas (87%). Um estudo publicado na revista Science apontou que ao menos 44% das 5 mil árvores presentes na Mata Atlântica seguem em algum grau de ameaça de extinção. Cerca de um quarto das espécies que correm o risco de desaparecer no Brasil estão no bioma. Nesse cenário de fragmentação e ameaças, a proporção de áreas integralmente protegidas se mantém incipiente: é menor que 5%.

Porém, ao mesmo tempo, temos ganhado florestas jovens em regiões onde já houve um intenso desmatamento histórico e resta pouco da vegetação nativa do bioma – como São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. As matas estão voltando a surgir em áreas abandonadas. Desde 2006, com a publicação da Lei da Mata Atlântica, houve um incremento de 800 mil hectares na área florestal. Mas essas florestas jovens também estão fortemente ameaçadas. Nos últimos anos, sua supressão superou a das maduras.

A geografia do desmatamento e da regeneração não coincide. Há locais onde há uma tendência de perda da vegetação nativa, enquanto em outros vemos recuperação. Esse contexto paradoxal e contraditório apresenta diferentes trajetórias para o futuro da Mata Atlântica.

O cenário de contínuo desmatamento de áreas maduras e jovens e a permanente pressão e degradação – como o fogo – sobre os remanescentes existentes deve conduzir à extinção do bioma em grande parte do seu território original, com a permanência de algumas poucas ilhas remanescentes. Isso resultaria numa enorme perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos oferecidos pela sua vegetação a uma grande parte da população brasileira e do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Também representaria prejuízo imensurável para o patrimônio natural e sociocultural do Brasil. Estaríamos jogando fora parte da nossa origem e do bioma que tem a árvore que deu o nome ao nosso país.

Por outro lado, o cenário do fim do desmatamento de florestas maduras e jovens, da permanência de uma vigorosa regeneração, da restauração ativa em áreas degradadas, com a conexão dos remanescentes existentes, somado à enorme resiliência histórica do bioma, pode tornar a Mata Atlântica um local particular do mundo de reversão de uma tendência de destruição da natureza. Essa trajetória garantiria não só a saúde do bioma como a conservação da biodiversidade, a provisão de serviços ecossistêmicos, a garantia do seu diverso componente histórico, social e cultural e a minimização de tragédias ambientais. Seria ainda uma grande contribuição para mitigar as crises globais do clima e da biodiversidade, assim como o combate às desigualdades.

O Brasil reúne todas as condições para alcançar esse segundo cenário. Devido ao grande acúmulo e à centralidade da ciência, tecnologia, liderança, capital, sociedade civil e sofisticada governança nesta parte do País, a Mata Atlântica é um local privilegiado no Brasil e no mundo para chegar ao desmatamento zero e a um processo vigoroso de restauração em grande escala e alta velocidade. Essa dinâmica tende a levar a um ganha-ganha coletivo para a sociedade e a economia.

Para tanto, é fundamental a aplicação e o aprimoramento da Lei da Mata Atlântica, a real implementação do Código Florestal, processos rigorosos de licenciamento ambiental e o incentivo a uma economia florestal e agroflorestal. Os pagamentos por serviços ambientais e os mercados de carbono e biodiversidade também podem acelerar essas mudanças. Os mecanismos de mercado são importantes e alavancadores de transformações, mas não devem substituir o papel central do Estado de garantir a conservação e a restauração deste patrimônio nacional.

O cenário otimista para o futuro da Mata Atlântica é possível, necessário e urgente.

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É DIRETOR-EXECUTIVO DA SOS MATA ATLÂNTICA

As crises globais e as conferências do clima e da biodiversidade nos levam a refletir sobre o futuro da humanidade. Grandes expectativas cercam as negociações e decisões desses eventos que determinam o que faremos para superar as crises à nossa frente.

A Mata Atlântica, o bioma mais destruído ao longo da história do Brasil, vive um período decisivo: convive simultaneamente com a perda de florestas maduras, aquelas com maior acúmulo de biomassa e biodiversidade, e uma relevante regeneração de florestas jovens. Dados recentes do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica e o MapBiomas, indicam uma redução de 55% no desmatamento nos primeiros seis meses de 2024. Ainda assim, o impacto segue alarmante. A área destruída no semestre é equivalente a cerca de 20 mil campos de futebol.

Estamos perdendo mata principalmente nas regiões ainda onde há uma grande proporção de áreas nativas – como em Minas Gerais, Bahia, Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, onde a expansão da agropecuária é o principal vetor. Numa proporção muito menor, mas também com enorme impacto, o desmatamento ocorre em pequenas áreas em torno das regiões urbanas, metropolitanas e de expansão do turismo no litoral.

Entre 1985 e 2023, segundo o MapBiomas, a Mata Atlântica perdeu 3 milhões de hectares de vegetação nativa. Hoje restam apenas 24% da cobertura florestal original, remanescentes que estão em sua maior parte em áreas com menos de 50 hectares (97%) e em terras privadas (87%). Um estudo publicado na revista Science apontou que ao menos 44% das 5 mil árvores presentes na Mata Atlântica seguem em algum grau de ameaça de extinção. Cerca de um quarto das espécies que correm o risco de desaparecer no Brasil estão no bioma. Nesse cenário de fragmentação e ameaças, a proporção de áreas integralmente protegidas se mantém incipiente: é menor que 5%.

Porém, ao mesmo tempo, temos ganhado florestas jovens em regiões onde já houve um intenso desmatamento histórico e resta pouco da vegetação nativa do bioma – como São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. As matas estão voltando a surgir em áreas abandonadas. Desde 2006, com a publicação da Lei da Mata Atlântica, houve um incremento de 800 mil hectares na área florestal. Mas essas florestas jovens também estão fortemente ameaçadas. Nos últimos anos, sua supressão superou a das maduras.

A geografia do desmatamento e da regeneração não coincide. Há locais onde há uma tendência de perda da vegetação nativa, enquanto em outros vemos recuperação. Esse contexto paradoxal e contraditório apresenta diferentes trajetórias para o futuro da Mata Atlântica.

O cenário de contínuo desmatamento de áreas maduras e jovens e a permanente pressão e degradação – como o fogo – sobre os remanescentes existentes deve conduzir à extinção do bioma em grande parte do seu território original, com a permanência de algumas poucas ilhas remanescentes. Isso resultaria numa enorme perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos oferecidos pela sua vegetação a uma grande parte da população brasileira e do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Também representaria prejuízo imensurável para o patrimônio natural e sociocultural do Brasil. Estaríamos jogando fora parte da nossa origem e do bioma que tem a árvore que deu o nome ao nosso país.

Por outro lado, o cenário do fim do desmatamento de florestas maduras e jovens, da permanência de uma vigorosa regeneração, da restauração ativa em áreas degradadas, com a conexão dos remanescentes existentes, somado à enorme resiliência histórica do bioma, pode tornar a Mata Atlântica um local particular do mundo de reversão de uma tendência de destruição da natureza. Essa trajetória garantiria não só a saúde do bioma como a conservação da biodiversidade, a provisão de serviços ecossistêmicos, a garantia do seu diverso componente histórico, social e cultural e a minimização de tragédias ambientais. Seria ainda uma grande contribuição para mitigar as crises globais do clima e da biodiversidade, assim como o combate às desigualdades.

O Brasil reúne todas as condições para alcançar esse segundo cenário. Devido ao grande acúmulo e à centralidade da ciência, tecnologia, liderança, capital, sociedade civil e sofisticada governança nesta parte do País, a Mata Atlântica é um local privilegiado no Brasil e no mundo para chegar ao desmatamento zero e a um processo vigoroso de restauração em grande escala e alta velocidade. Essa dinâmica tende a levar a um ganha-ganha coletivo para a sociedade e a economia.

Para tanto, é fundamental a aplicação e o aprimoramento da Lei da Mata Atlântica, a real implementação do Código Florestal, processos rigorosos de licenciamento ambiental e o incentivo a uma economia florestal e agroflorestal. Os pagamentos por serviços ambientais e os mercados de carbono e biodiversidade também podem acelerar essas mudanças. Os mecanismos de mercado são importantes e alavancadores de transformações, mas não devem substituir o papel central do Estado de garantir a conservação e a restauração deste patrimônio nacional.

O cenário otimista para o futuro da Mata Atlântica é possível, necessário e urgente.

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É DIRETOR-EXECUTIVO DA SOS MATA ATLÂNTICA

Opinião por Luís Fernando Guedes Pinto

É diretor-executivo da SOS Mata Atlântica

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