Opinião|‘Cerrado, Coração das Águas’


Neste Dia Nacional do Cerrado, fica aqui o chamamento público para olharmos com atenção e cuidado para o bioma que é o protagonista no abastecimento hídrico do País

Por Yuri Salmona, Isabel Figueiredo, Ane Alencar e Bianca Nakamato

Manchetes sobre seca de rios, desmatamento e incêndios no Cerrado têm sido comuns, mas por vezes a conexão desses assuntos com a vida prática de cada um de nós fica a desejar. Entendemos que esses tópicos não devem ficar restritos a cientistas e tomadores de decisão, e sim compor o repertório de todas as pessoas, formando opiniões bem embasadas.

Quando falamos de água no Brasil, o imaginário coletivo pode remeter rapidamente à Amazônia, por ter o maior rio do mundo. E, apesar do vasto volume dos rios amazônicos, o Cerrado é o protagonista no abastecimento hídrico. O bioma provê quase metade da água doce do País e, em algumas regiões, é absolutamente fundamental para o provimento de água. Se você mora no Nordeste, no Vale do São Francisco ou no do Parnaíba, saiba que praticamente a totalidade da água que chega até você vem do Cerrado; o mesmo ocorre no Pantanal. Portanto, a degradação do Cerrado é como um peteleco numa fileira de dominós, que leva seca à Caatinga e ao Pantanal, entre outras regiões, como Tocantins e as Bacias do Paraná e Amazônica.

O desmatamento do Cerrado e a irrigação intensiva perturbam o ciclo hidrológico, diminuindo a água armazenada no solo e que é liberada nos rios nos períodos secos, além de outros impactos. Esse fenômeno se retroalimenta com os efeitos da crise climática, encurtando os períodos de chuva (entre 36 e 56 dias), aumentando a temperatura (+1ºC), aumentando as incertezas climáticas e, por consequência, as quebras de safras, com prejuízos bilionários.

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Trabalhos científicos já demonstraram uma perda média de mais de 15% da vazão dos rios, e as projeções para o futuro são de uma perda de 33% a 40%. Portanto, já estão afetadas e correm o risco de sofrer mais impacto ainda as oito regiões hidrográficas que o Cerrado abastece: a Bacia Amazônica (Rios Xingu, Madeira e Trombetas); a do Rio Tocantins-Araguaia (Rios Araguaia e Tocantins); a região Atlântico Nordeste Oriental (Rio Itapecuru); a Bacia do Parnaíba (Rios Parnaíba, Gurgueia e Uruçuí-Preto); a do São Francisco (Rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); a região hidrográfica do Atlântico Leste (Rios Pardo e Jequitinhonha); a Bacia do Paraná (Rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde e Pardo); e a do Paraguai (Rios Cuiabá, São Lourenço, Taquari e Aquidauana).

A despeito de sua importância, o Cerrado é o bioma mais rapidamente devastado: só em 2023, perdeu mais de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento, ultrapassando a Amazônia em área desmatada. Isso significa que, enquanto o desmatamento da Amazônia reduz, o do Cerrado segue aumentando, reflexo da desproteção do bioma e do avanço da agropecuária – vetor de 98% do desmatamento do bioma no ano passado, segundo o Relatório Anual do Desmatamento.

Cerca de 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de áreas declaradas como privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que, segundo a lei, podem ter autorização para desmatar até 80% da área do imóvel. A responsabilidade destes desmatamentos recai especialmente sobre os ombros das Secretarias de Meio Ambiente estaduais, que têm o papel de avaliar e autorizar ou não os desmatamentos, além de fiscalizar. E isso conversa diretamente com a política estadual, pois são os governadores que direcionam seus secretários. Em tempos de eleições, esse é um ponto a levar em consideração.

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E a contenção dos desmatamento nessas áreas é imprescindível. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os imóveis rurais com CAR concentraram 75% de todos os alertas de desmatamento detectados no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação nativa. O desmatamento no Cerrado é algo que impacta todas as pessoas no Brasil. Exemplo disso foram as desastrosas enchentes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O desmatamento do Cerrado intensificou o bolsão atmosférico de ar quente sobre o Centro-Sul, bloqueando o percurso dos rios voadores, que trazem ar úmido da Amazônia para o interior do País, e o espalhamento das frentes frias úmidas do Sul, estacionando as chuvas. Na natureza não há fronteiras, por isso a proteção do Cerrado interessa a todos.

Outra ameaça atual ao Cerrado, que afeta todos nós, é o fogo produzido pela ação humana. Cerca de 44% do bioma já pegou fogo ao menos uma vez de 1985 a 2023. E os efeitos do fogo criminoso estão sendo sentidos em grande parte do País: a fumaça se soma ao ar seco, levando muitos aos hospitais. Estamos vivendo a maior seca desde o início dos registros, em 1950, logo após a histórica enchente no Sul. Esse é um exemplo didático da expressão “extremos climáticos”. Um chamado inequívoco para ação: para investimentos em adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; para aprimoramento de políticas públicas e legislações que conversem com a nova realidade, com o alto grau de variabilidade e incerteza climática e seus impactos na vida de todos. A manutenção do Cerrado vivo interessa a todos, mas poucos já entenderam isso.

A agricultura brasileira depende da água do Cerrado, já que 80% da área irrigada do País está no bioma; sua produtividade depende da previsibilidade climática, e hoje já temos ocorrências em que a chuva atrasou quase dois meses em média no bioma. A indústria e as pessoas nas cidades dependem da energia gerada no Cerrado – cerca de 90% dos brasileiros consomem energia produzida com as águas advindas do bioma. As milhares de comunidades tradicionais cerratenses têm seus modos de vida totalmente vinculados ao Cerrado de pé; elas têm muito a nos ensinar e nós dependemos dos saberes que elas guardam. Não é uma questão ambiental apenas, é uma questão estratégica, econômica e social.

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Neste dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, fica o chamamento público para olharmos com atenção e cuidado para este imprescindível bioma. Por isso, a campanha Cerrado, Coração das Águas é lançada hoje, numa realização conjunta do Instituto Cerrados com o Instituto Sociedade, População e Natureza, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, entre outros parceiros. O objetivo é fazer com que os brasileiros tenham a real dimensão do bioma Cerrado em sua vida.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO CERRADOS; COORDENADORA DO PROGRAMA CERRADO DO INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA; DIRETORA DE CIÊNCIA DO INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA; E ESPECIALISTA EM CONSERVAÇÃO DO WWF-BRASIL

Manchetes sobre seca de rios, desmatamento e incêndios no Cerrado têm sido comuns, mas por vezes a conexão desses assuntos com a vida prática de cada um de nós fica a desejar. Entendemos que esses tópicos não devem ficar restritos a cientistas e tomadores de decisão, e sim compor o repertório de todas as pessoas, formando opiniões bem embasadas.

Quando falamos de água no Brasil, o imaginário coletivo pode remeter rapidamente à Amazônia, por ter o maior rio do mundo. E, apesar do vasto volume dos rios amazônicos, o Cerrado é o protagonista no abastecimento hídrico. O bioma provê quase metade da água doce do País e, em algumas regiões, é absolutamente fundamental para o provimento de água. Se você mora no Nordeste, no Vale do São Francisco ou no do Parnaíba, saiba que praticamente a totalidade da água que chega até você vem do Cerrado; o mesmo ocorre no Pantanal. Portanto, a degradação do Cerrado é como um peteleco numa fileira de dominós, que leva seca à Caatinga e ao Pantanal, entre outras regiões, como Tocantins e as Bacias do Paraná e Amazônica.

O desmatamento do Cerrado e a irrigação intensiva perturbam o ciclo hidrológico, diminuindo a água armazenada no solo e que é liberada nos rios nos períodos secos, além de outros impactos. Esse fenômeno se retroalimenta com os efeitos da crise climática, encurtando os períodos de chuva (entre 36 e 56 dias), aumentando a temperatura (+1ºC), aumentando as incertezas climáticas e, por consequência, as quebras de safras, com prejuízos bilionários.

Trabalhos científicos já demonstraram uma perda média de mais de 15% da vazão dos rios, e as projeções para o futuro são de uma perda de 33% a 40%. Portanto, já estão afetadas e correm o risco de sofrer mais impacto ainda as oito regiões hidrográficas que o Cerrado abastece: a Bacia Amazônica (Rios Xingu, Madeira e Trombetas); a do Rio Tocantins-Araguaia (Rios Araguaia e Tocantins); a região Atlântico Nordeste Oriental (Rio Itapecuru); a Bacia do Parnaíba (Rios Parnaíba, Gurgueia e Uruçuí-Preto); a do São Francisco (Rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); a região hidrográfica do Atlântico Leste (Rios Pardo e Jequitinhonha); a Bacia do Paraná (Rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde e Pardo); e a do Paraguai (Rios Cuiabá, São Lourenço, Taquari e Aquidauana).

A despeito de sua importância, o Cerrado é o bioma mais rapidamente devastado: só em 2023, perdeu mais de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento, ultrapassando a Amazônia em área desmatada. Isso significa que, enquanto o desmatamento da Amazônia reduz, o do Cerrado segue aumentando, reflexo da desproteção do bioma e do avanço da agropecuária – vetor de 98% do desmatamento do bioma no ano passado, segundo o Relatório Anual do Desmatamento.

Cerca de 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de áreas declaradas como privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que, segundo a lei, podem ter autorização para desmatar até 80% da área do imóvel. A responsabilidade destes desmatamentos recai especialmente sobre os ombros das Secretarias de Meio Ambiente estaduais, que têm o papel de avaliar e autorizar ou não os desmatamentos, além de fiscalizar. E isso conversa diretamente com a política estadual, pois são os governadores que direcionam seus secretários. Em tempos de eleições, esse é um ponto a levar em consideração.

E a contenção dos desmatamento nessas áreas é imprescindível. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os imóveis rurais com CAR concentraram 75% de todos os alertas de desmatamento detectados no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação nativa. O desmatamento no Cerrado é algo que impacta todas as pessoas no Brasil. Exemplo disso foram as desastrosas enchentes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O desmatamento do Cerrado intensificou o bolsão atmosférico de ar quente sobre o Centro-Sul, bloqueando o percurso dos rios voadores, que trazem ar úmido da Amazônia para o interior do País, e o espalhamento das frentes frias úmidas do Sul, estacionando as chuvas. Na natureza não há fronteiras, por isso a proteção do Cerrado interessa a todos.

Outra ameaça atual ao Cerrado, que afeta todos nós, é o fogo produzido pela ação humana. Cerca de 44% do bioma já pegou fogo ao menos uma vez de 1985 a 2023. E os efeitos do fogo criminoso estão sendo sentidos em grande parte do País: a fumaça se soma ao ar seco, levando muitos aos hospitais. Estamos vivendo a maior seca desde o início dos registros, em 1950, logo após a histórica enchente no Sul. Esse é um exemplo didático da expressão “extremos climáticos”. Um chamado inequívoco para ação: para investimentos em adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; para aprimoramento de políticas públicas e legislações que conversem com a nova realidade, com o alto grau de variabilidade e incerteza climática e seus impactos na vida de todos. A manutenção do Cerrado vivo interessa a todos, mas poucos já entenderam isso.

A agricultura brasileira depende da água do Cerrado, já que 80% da área irrigada do País está no bioma; sua produtividade depende da previsibilidade climática, e hoje já temos ocorrências em que a chuva atrasou quase dois meses em média no bioma. A indústria e as pessoas nas cidades dependem da energia gerada no Cerrado – cerca de 90% dos brasileiros consomem energia produzida com as águas advindas do bioma. As milhares de comunidades tradicionais cerratenses têm seus modos de vida totalmente vinculados ao Cerrado de pé; elas têm muito a nos ensinar e nós dependemos dos saberes que elas guardam. Não é uma questão ambiental apenas, é uma questão estratégica, econômica e social.

Neste dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, fica o chamamento público para olharmos com atenção e cuidado para este imprescindível bioma. Por isso, a campanha Cerrado, Coração das Águas é lançada hoje, numa realização conjunta do Instituto Cerrados com o Instituto Sociedade, População e Natureza, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, entre outros parceiros. O objetivo é fazer com que os brasileiros tenham a real dimensão do bioma Cerrado em sua vida.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO CERRADOS; COORDENADORA DO PROGRAMA CERRADO DO INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA; DIRETORA DE CIÊNCIA DO INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA; E ESPECIALISTA EM CONSERVAÇÃO DO WWF-BRASIL

Manchetes sobre seca de rios, desmatamento e incêndios no Cerrado têm sido comuns, mas por vezes a conexão desses assuntos com a vida prática de cada um de nós fica a desejar. Entendemos que esses tópicos não devem ficar restritos a cientistas e tomadores de decisão, e sim compor o repertório de todas as pessoas, formando opiniões bem embasadas.

Quando falamos de água no Brasil, o imaginário coletivo pode remeter rapidamente à Amazônia, por ter o maior rio do mundo. E, apesar do vasto volume dos rios amazônicos, o Cerrado é o protagonista no abastecimento hídrico. O bioma provê quase metade da água doce do País e, em algumas regiões, é absolutamente fundamental para o provimento de água. Se você mora no Nordeste, no Vale do São Francisco ou no do Parnaíba, saiba que praticamente a totalidade da água que chega até você vem do Cerrado; o mesmo ocorre no Pantanal. Portanto, a degradação do Cerrado é como um peteleco numa fileira de dominós, que leva seca à Caatinga e ao Pantanal, entre outras regiões, como Tocantins e as Bacias do Paraná e Amazônica.

O desmatamento do Cerrado e a irrigação intensiva perturbam o ciclo hidrológico, diminuindo a água armazenada no solo e que é liberada nos rios nos períodos secos, além de outros impactos. Esse fenômeno se retroalimenta com os efeitos da crise climática, encurtando os períodos de chuva (entre 36 e 56 dias), aumentando a temperatura (+1ºC), aumentando as incertezas climáticas e, por consequência, as quebras de safras, com prejuízos bilionários.

Trabalhos científicos já demonstraram uma perda média de mais de 15% da vazão dos rios, e as projeções para o futuro são de uma perda de 33% a 40%. Portanto, já estão afetadas e correm o risco de sofrer mais impacto ainda as oito regiões hidrográficas que o Cerrado abastece: a Bacia Amazônica (Rios Xingu, Madeira e Trombetas); a do Rio Tocantins-Araguaia (Rios Araguaia e Tocantins); a região Atlântico Nordeste Oriental (Rio Itapecuru); a Bacia do Parnaíba (Rios Parnaíba, Gurgueia e Uruçuí-Preto); a do São Francisco (Rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); a região hidrográfica do Atlântico Leste (Rios Pardo e Jequitinhonha); a Bacia do Paraná (Rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde e Pardo); e a do Paraguai (Rios Cuiabá, São Lourenço, Taquari e Aquidauana).

A despeito de sua importância, o Cerrado é o bioma mais rapidamente devastado: só em 2023, perdeu mais de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento, ultrapassando a Amazônia em área desmatada. Isso significa que, enquanto o desmatamento da Amazônia reduz, o do Cerrado segue aumentando, reflexo da desproteção do bioma e do avanço da agropecuária – vetor de 98% do desmatamento do bioma no ano passado, segundo o Relatório Anual do Desmatamento.

Cerca de 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de áreas declaradas como privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que, segundo a lei, podem ter autorização para desmatar até 80% da área do imóvel. A responsabilidade destes desmatamentos recai especialmente sobre os ombros das Secretarias de Meio Ambiente estaduais, que têm o papel de avaliar e autorizar ou não os desmatamentos, além de fiscalizar. E isso conversa diretamente com a política estadual, pois são os governadores que direcionam seus secretários. Em tempos de eleições, esse é um ponto a levar em consideração.

E a contenção dos desmatamento nessas áreas é imprescindível. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os imóveis rurais com CAR concentraram 75% de todos os alertas de desmatamento detectados no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação nativa. O desmatamento no Cerrado é algo que impacta todas as pessoas no Brasil. Exemplo disso foram as desastrosas enchentes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O desmatamento do Cerrado intensificou o bolsão atmosférico de ar quente sobre o Centro-Sul, bloqueando o percurso dos rios voadores, que trazem ar úmido da Amazônia para o interior do País, e o espalhamento das frentes frias úmidas do Sul, estacionando as chuvas. Na natureza não há fronteiras, por isso a proteção do Cerrado interessa a todos.

Outra ameaça atual ao Cerrado, que afeta todos nós, é o fogo produzido pela ação humana. Cerca de 44% do bioma já pegou fogo ao menos uma vez de 1985 a 2023. E os efeitos do fogo criminoso estão sendo sentidos em grande parte do País: a fumaça se soma ao ar seco, levando muitos aos hospitais. Estamos vivendo a maior seca desde o início dos registros, em 1950, logo após a histórica enchente no Sul. Esse é um exemplo didático da expressão “extremos climáticos”. Um chamado inequívoco para ação: para investimentos em adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; para aprimoramento de políticas públicas e legislações que conversem com a nova realidade, com o alto grau de variabilidade e incerteza climática e seus impactos na vida de todos. A manutenção do Cerrado vivo interessa a todos, mas poucos já entenderam isso.

A agricultura brasileira depende da água do Cerrado, já que 80% da área irrigada do País está no bioma; sua produtividade depende da previsibilidade climática, e hoje já temos ocorrências em que a chuva atrasou quase dois meses em média no bioma. A indústria e as pessoas nas cidades dependem da energia gerada no Cerrado – cerca de 90% dos brasileiros consomem energia produzida com as águas advindas do bioma. As milhares de comunidades tradicionais cerratenses têm seus modos de vida totalmente vinculados ao Cerrado de pé; elas têm muito a nos ensinar e nós dependemos dos saberes que elas guardam. Não é uma questão ambiental apenas, é uma questão estratégica, econômica e social.

Neste dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, fica o chamamento público para olharmos com atenção e cuidado para este imprescindível bioma. Por isso, a campanha Cerrado, Coração das Águas é lançada hoje, numa realização conjunta do Instituto Cerrados com o Instituto Sociedade, População e Natureza, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, entre outros parceiros. O objetivo é fazer com que os brasileiros tenham a real dimensão do bioma Cerrado em sua vida.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO CERRADOS; COORDENADORA DO PROGRAMA CERRADO DO INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA; DIRETORA DE CIÊNCIA DO INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA; E ESPECIALISTA EM CONSERVAÇÃO DO WWF-BRASIL

Manchetes sobre seca de rios, desmatamento e incêndios no Cerrado têm sido comuns, mas por vezes a conexão desses assuntos com a vida prática de cada um de nós fica a desejar. Entendemos que esses tópicos não devem ficar restritos a cientistas e tomadores de decisão, e sim compor o repertório de todas as pessoas, formando opiniões bem embasadas.

Quando falamos de água no Brasil, o imaginário coletivo pode remeter rapidamente à Amazônia, por ter o maior rio do mundo. E, apesar do vasto volume dos rios amazônicos, o Cerrado é o protagonista no abastecimento hídrico. O bioma provê quase metade da água doce do País e, em algumas regiões, é absolutamente fundamental para o provimento de água. Se você mora no Nordeste, no Vale do São Francisco ou no do Parnaíba, saiba que praticamente a totalidade da água que chega até você vem do Cerrado; o mesmo ocorre no Pantanal. Portanto, a degradação do Cerrado é como um peteleco numa fileira de dominós, que leva seca à Caatinga e ao Pantanal, entre outras regiões, como Tocantins e as Bacias do Paraná e Amazônica.

O desmatamento do Cerrado e a irrigação intensiva perturbam o ciclo hidrológico, diminuindo a água armazenada no solo e que é liberada nos rios nos períodos secos, além de outros impactos. Esse fenômeno se retroalimenta com os efeitos da crise climática, encurtando os períodos de chuva (entre 36 e 56 dias), aumentando a temperatura (+1ºC), aumentando as incertezas climáticas e, por consequência, as quebras de safras, com prejuízos bilionários.

Trabalhos científicos já demonstraram uma perda média de mais de 15% da vazão dos rios, e as projeções para o futuro são de uma perda de 33% a 40%. Portanto, já estão afetadas e correm o risco de sofrer mais impacto ainda as oito regiões hidrográficas que o Cerrado abastece: a Bacia Amazônica (Rios Xingu, Madeira e Trombetas); a do Rio Tocantins-Araguaia (Rios Araguaia e Tocantins); a região Atlântico Nordeste Oriental (Rio Itapecuru); a Bacia do Parnaíba (Rios Parnaíba, Gurgueia e Uruçuí-Preto); a do São Francisco (Rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); a região hidrográfica do Atlântico Leste (Rios Pardo e Jequitinhonha); a Bacia do Paraná (Rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde e Pardo); e a do Paraguai (Rios Cuiabá, São Lourenço, Taquari e Aquidauana).

A despeito de sua importância, o Cerrado é o bioma mais rapidamente devastado: só em 2023, perdeu mais de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento, ultrapassando a Amazônia em área desmatada. Isso significa que, enquanto o desmatamento da Amazônia reduz, o do Cerrado segue aumentando, reflexo da desproteção do bioma e do avanço da agropecuária – vetor de 98% do desmatamento do bioma no ano passado, segundo o Relatório Anual do Desmatamento.

Cerca de 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de áreas declaradas como privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que, segundo a lei, podem ter autorização para desmatar até 80% da área do imóvel. A responsabilidade destes desmatamentos recai especialmente sobre os ombros das Secretarias de Meio Ambiente estaduais, que têm o papel de avaliar e autorizar ou não os desmatamentos, além de fiscalizar. E isso conversa diretamente com a política estadual, pois são os governadores que direcionam seus secretários. Em tempos de eleições, esse é um ponto a levar em consideração.

E a contenção dos desmatamento nessas áreas é imprescindível. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os imóveis rurais com CAR concentraram 75% de todos os alertas de desmatamento detectados no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação nativa. O desmatamento no Cerrado é algo que impacta todas as pessoas no Brasil. Exemplo disso foram as desastrosas enchentes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O desmatamento do Cerrado intensificou o bolsão atmosférico de ar quente sobre o Centro-Sul, bloqueando o percurso dos rios voadores, que trazem ar úmido da Amazônia para o interior do País, e o espalhamento das frentes frias úmidas do Sul, estacionando as chuvas. Na natureza não há fronteiras, por isso a proteção do Cerrado interessa a todos.

Outra ameaça atual ao Cerrado, que afeta todos nós, é o fogo produzido pela ação humana. Cerca de 44% do bioma já pegou fogo ao menos uma vez de 1985 a 2023. E os efeitos do fogo criminoso estão sendo sentidos em grande parte do País: a fumaça se soma ao ar seco, levando muitos aos hospitais. Estamos vivendo a maior seca desde o início dos registros, em 1950, logo após a histórica enchente no Sul. Esse é um exemplo didático da expressão “extremos climáticos”. Um chamado inequívoco para ação: para investimentos em adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; para aprimoramento de políticas públicas e legislações que conversem com a nova realidade, com o alto grau de variabilidade e incerteza climática e seus impactos na vida de todos. A manutenção do Cerrado vivo interessa a todos, mas poucos já entenderam isso.

A agricultura brasileira depende da água do Cerrado, já que 80% da área irrigada do País está no bioma; sua produtividade depende da previsibilidade climática, e hoje já temos ocorrências em que a chuva atrasou quase dois meses em média no bioma. A indústria e as pessoas nas cidades dependem da energia gerada no Cerrado – cerca de 90% dos brasileiros consomem energia produzida com as águas advindas do bioma. As milhares de comunidades tradicionais cerratenses têm seus modos de vida totalmente vinculados ao Cerrado de pé; elas têm muito a nos ensinar e nós dependemos dos saberes que elas guardam. Não é uma questão ambiental apenas, é uma questão estratégica, econômica e social.

Neste dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, fica o chamamento público para olharmos com atenção e cuidado para este imprescindível bioma. Por isso, a campanha Cerrado, Coração das Águas é lançada hoje, numa realização conjunta do Instituto Cerrados com o Instituto Sociedade, População e Natureza, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, entre outros parceiros. O objetivo é fazer com que os brasileiros tenham a real dimensão do bioma Cerrado em sua vida.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO CERRADOS; COORDENADORA DO PROGRAMA CERRADO DO INSTITUTO SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA; DIRETORA DE CIÊNCIA DO INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA; E ESPECIALISTA EM CONSERVAÇÃO DO WWF-BRASIL

Opinião por Yuri Salmona

Diretor-executivo do Instituto Cerrados (IC).

Isabel Figueiredo

Coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)

Ane Alencar

Diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Bianca Nakamato

Especialista em Conservação do WWF-Brasil.

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