Em 2014, a neurocientista norueguesa May-Britt Moser foi agraciada, em conjunto com Edvard Moser e John O’Keefe, com o Prêmio Nobel de Medicina, pela descoberta de células que funcionam como uma espécie de GPS cerebral, guardando pontos de localização. O trabalho, feito por meio do estudo de cérebro de roedores, abriu novo caminho para pesquisas sobre doenças como o Alzheimer.
Em 2012, Serge Haroche foi laureado junto com David Wineland com o Nobel de Física, “por métodos experimentais inovadores que permitem a medição e manipulação de sistemas quânticos individuais”, reforçando novos estudos em áreas como a computação quântica.
Já há três anos, em 2021, David MacMillan conquistou o Nobel de Química com Benjamin List pela descoberta de novos métodos de construção de moléculas. O trabalho teve forte repercussão na indústria farmacêutica, tornando a química mais verde.
São três exemplos de descobertas da ciência fundamental, vista muitas vezes em segundo plano, e que mostram como a ciência desempenha papel primordial na transformação da sociedade. Para que isso continue a ocorrer, no entanto, é preciso superar uma série de desafios.
O financiamento é um problema central, que atinge não apenas o Brasil, mas toda a América Latina. O País investe apenas 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D). É muito pouco – para comparação, em países como Estados Unidos e China esse valor chega a 3,5% e 2,6%, respectivamente. No entanto, em todos os países onde os investimentos em P&D ultrapassam 3%, mais de 60% desses recursos vêm das empresas. Precisamos urgentemente mudar o paradigma, promovendo os mecanismos para aumentar substancialmente a pesquisa em ambiente empresarial. Por seu lado, o governo tem de considerar a ciência como política de Estado. Precisamos chegar urgentemente a ao menos 2% do PIB, o que traria impacto na superação das dificuldades econômicas e sociais no País.
Além disso, a ciência, para atingir seu objetivo, precisa ser diversa em áreas, abordagens e em suas equipes. Infelizmente, ainda estamos longe disso, mas há um sensível progresso. As políticas de ações afirmativas aumentaram a inclusão de negros nas universidades, na graduação e na pós-graduação, e seu efeito, espera-se, será uma comunidade científica mais diversa. Mas é preciso ir além.
Outro tema relevante é a comunicação. A sociedade precisa entender o que a ciência está fazendo – o que só é possível com o apoio e investimento em educação. Da mesma forma, os cientistas têm de aprender a dialogar com a sociedade – comunicar seus métodos e resultados, mostrar seus dados e impactos.
Numa tentativa de buscar soluções para esses desafios, Moser, Haroche e MacMillan virão ao Rio de Janeiro e a São Paulo neste mês para dialogar com a comunidade científica, com estudantes – que representam o futuro da educação e da ciência – e com o meio empresarial – que está envolvido em transferir para a sociedade, via novos e melhores produtos e serviços, os benefícios do desenvolvimento científico. O lema do encontro, Construindo nosso futuro juntos com a ciência, dá uma dimensão da importância desses colóquios. Entre os temas que serão abordados estão a responsabilidade de cientistas, como tornar a prática de pesquisa mais inclusiva e comunicar melhor os resultados de estudos.
Não há soluções simples para questões complexas. Mas o diálogo sobre elas com a sociedade é fundamental. É disto que a ciência precisa: além de investimento e apoio à diversidade, estar aberta a falar com a população. Juntos, vamos construir um futuro melhor para todos.
*
SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E PROFESSORA EMÉRITA DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA DA UNIFESP; PRESIDENTE DA FAPESP E EX-REITOR DA USP; E EMPRESÁRIO, CONSELHEIRO DE EMPRESAS E DE ENTIDADES NA ÁREA DE CT&I E PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE DA FIESP