São muitos brasileiros envolvidos no essencial debate sobre as mudanças climáticas. O interesse é patente, porém a compreensão de como enfrentar o problema é ainda distante. A próxima grande reunião multilateral para tratar da questão, a COP-30, a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), será realizada em Belém. Será uma oportunidade ao Brasil, sendo sede do encontro, o país da natureza, da Amazônia, do sequestro de carbono, dos biocombustíveis, da pequena participação dos combustíveis fósseis na matriz energética, de liderar a importante, se não a maior, questão que a humanidade hoje enfrenta. O debate, complexo, não penetrou na sociedade. É preciso acompanhar com atenção as oportunidades e os riscos que serão tratados no Pará em novembro deste ano.
Destaco a questão que vejo como simbólica no enfrentamento da redução das emissões de combustíveis fósseis: a exploração de petróleo na Margem Equatorial. O debate hoje é reduzido às divergências entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a empresa Petrobras sobre os riscos ao meio ambiente local, a fragilidade da fauna e da flora das margens costeiras. A questão tem amplitude muito superior.
O que a sociedade precisa decidir é se queremos ou não extrair mais petróleo das profundezas, mais carbono para queimar produzindo gases do efeito estufa, cuja redução é o principal objetivo da reunião em Belém. Mais petróleo que já sobra no Brasil, o quarto maior exportador, e que atualmente sobra no mundo, com queda constante de preços. Uma questão em que o governo está dividido, exigindo amplo debate. Chegar a Belém sem essa clara definição é entrar frágil na reunião. Perde a oportunidade de tratar com firmeza as emissões dos combustíveis fósseis, o foco da crise climática.
Lembro a divulgação, em novembro passado, em Baku, Azerbaijão, sobre a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil, apresentada pelo País como de grande ambição na redução das emissões para 2035. Os números apresentados, pois uma banda, determinam o compromisso de reduzir as emissões líquidas de gases-estufa no País de 59% a 67% até 2035. Poderia representar ambição. O problema é a qualidade dos números. Números frágeis representam ambição também frágil.
Foi apresentado como calculado pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através de um modelo de análise integrada capaz de traçar cenários de ações de mitigação no combate ao aquecimento global. Infelizmente um cálculo frágil, pois claramente o modelo não estava concluso. Não incorporava as transformações necessárias na economia, em particular as da agricultura, essenciais para oferecer a tranquilidade para que a meta fosse atingida com firmeza. Antecedendo a divulgação, nove entidades do setor agropecuário apresentaram com clareza em carta ao governo essa preocupação. As preocupações, de um relevante setor, não foram levadas em consideração. Ambição para alguns é sonho. Para o governo, ambição tem que representar estratégia clara de atuação no sentido de atingir seus objetivos.
Em 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu à COP-28. A ambição de Dubai foi um ajuste na NDC anteriormente apresentada. A emblemática e forte divulgação foi “o fim do desmatamento ilegal e legal até 2030”. Novamente uma ambição frágil. Passado um ano não apresentaram à sociedade como pretendem impedir as supressões vegetais previstas na legislação nacional. Terão que fazer isso antes de 2030, talvez 2027, 2026. Quanto antes, melhor.
O inaceitável é a leniência com o crime até 2030. Certamente pouca ambição. Qualquer país, para liderar, antes de tudo precisa ter ordem. Divulgam reiteradamente que reduziram o desmatamento em 50%. Não critico aqui o Ibama ou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Pode estar atuando dentro do possível, com suas limitações. É pouco para o Brasil. Aceitar o crime até 2030 é desperdiçar a essencial liderança.
Garimpo ilegal, corrompendo o poder público e a sociedade local, extração madeireira ilegal, que além do crime cria as condições para o abandono da área e a chegada do fogo. O crime se organizou, as facções criminosas ocupam extensas áreas do território nacional. A maior ameaça para a Amazônia não vem de fora. É o crime organizado aqui dentro que subtrai a soberania nacional.
A grilagem de terras públicas persiste. O desordenamento fundiário representa uma realidade que ainda não enfrentamos. A recente aprovação de legislação de crédito de carbono vai exigir não somente competente regulamentação, como também encontrar territórios regulares para o desafio da atração dos investimentos necessários para reflorestamento e regeneração ambiental. Cadastros territoriais diversos que se conflitam, nem sequer se comunicam e enfrentam disputa entre agentes dos poderes públicos.
Falta ambição ao Brasil.
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FOI PRESIDENTE DA SOCIEDADE RURAL BRASILEIRA E SECRETÁRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA