Opinião|Combate à insegurança alimentar e à fome no País


Grupo de Trabalho da USP produziu relatório com 39 propostas, mas desafio precisa se tornar política de Estado duradoura

Por Sílvia Helena Galvão de Miranda e Marcelo Cândido da Silva

Entre setembro de 2021 e janeiro de 2023, 26 pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) se mobilizaram num Grupo de Trabalho (GT), criado pela reitoria, para discutir políticas públicas de combate à fome no Brasil. O resultado é um documento com 39 propostas, que não pretende apresentar uma solução simples para um problema tão complexo e que tampouco desconsidera as contribuições e os avanços já acumulados pelo esforço de gestores públicos, atores da sociedade civil e estudiosos do assunto.

A fome está presente no Brasil desde a sua mais grave e dolorosa forma, quando as pessoas não têm acesso sequer a uma refeição diária, até aqueles casos em que, embora se alimentem, estão mal nutridas. É a insegurança alimentar em seus diversos níveis, que gera problemas de saúde pública, da subnutrição à obesidade.

Desde a Constituição de 1988 houve uma considerável ampliação das políticas públicas e de ações da sociedade civil no combate à fome e à insegurança alimentar. Contudo, nos últimos anos assistimos aos efeitos danosos do desmonte de várias dessas políticas, e distingue-se hoje um duplo desafio: articular as políticas existentes nos diversos níveis da administração pública; e garantir a efetiva implementação e, em alguns casos, a reativação de instrumentos, por exemplo, aqueles previstos na Lei n.º 11.346/2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

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Nos estudos do GT, constatamos que parte da população ainda desconhece as políticas em vigor. Assim, além da ampliação e da atualização do Cadastro Único, para garantir acesso aos programas sociais de transferência de renda por todos aqueles que necessitam, é premente fortalecer as ações de educação alimentar e nutricional e criar e capacitar uma rede de gestores públicos municipais para a difusão de boas práticas na formulação, implementação e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional.

O sucesso das políticas de combate à fome e à insegurança alimentar depende também da qualidade da informação. A informação construída a partir da integração das mais diversas bases de dados permite não só uma visão de conjunto sobre o problema, mas o monitoramento das inúmeras ações da sociedade civil, visando à maior eficácia no combate à fome. Uma das propostas do relatório é a criação de plataformas online, no âmbito municipal, para a coordenação de organizações e iniciativas locais da sociedade civil, e a garantia da disponibilização e do acesso às informações sobre os resultados dessas iniciativas, de forma a fortalecer a transparência e os mecanismos de controle social.

Embora muito se fale sobre a indisponibilidade na oferta de alimentos como causa da fome, o caso brasileiro ilustra uma situação distinta. No Brasil, a fome deriva principalmente da falta de renda, seja pela ausência de oportunidades de empregos, de capacitação para os empregos existentes ou pelas limitações de acesso a recursos produtivos. Logo, cabe reforçar a necessidade de políticas de criação de empregos e a promoção do crescimento da economia.

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No âmbito rural, o porcentual da população em situação de insegurança alimentar grave é assustadoramente elevado: 18,6% dos domicílios rurais, conforme a Rede Penssan. A incapacidade de produzir o próprio alimento, pela falta de equipamentos, de insumos, de assistência técnica e, mesmo, do acesso à terra, é um dos aspectos marcantes dessa situação tão contraditória. Este quadro no campo é agravado por mudanças no padrão alimentar, com o distanciamento da população do consumo de espécies vegetais nativas e de alimentos frescos. Essas mudanças alimentares nem sempre implicam uma melhor nutrição, como mostra o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil, rural e urbano, seja pela sua conveniência ou pelo preço atrativo.

Os alimentos frescos, embora mais saudáveis, são geralmente mais caros e seu preparo demanda mais tempo. Em diversas escolas, nutricionistas têm conseguido incorporá-los à alimentação escolar, apesar das dificuldades de manter abastecimento regular e dos desafios de seu planejamento e execução, particularmente para compra de agricultores familiares.

As atividades do nosso GT não se extinguem com a apresentação do relatório. Em dezembro de 2022, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Combate à Fome. Este conta com diversas universidades e centros de pesquisa e conduzirá estudos sobre a insegurança alimentar e os desafios e estratégias para atendimento do direito humano à alimentação adequada. Como docentes da universidade pública e destinatários de recursos escassos num país profundamente desigual, temos consciência de nossas responsabilidades e esperamos, com nossas ações, continuar contribuindo para a solução deste grave problema. Todavia, para obter sucesso, o combate à fome precisa ser reconhecido como prioridade pela sociedade brasileira e se tornar uma política de Estado duradoura.

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COORDENADORES DO GT DA USP DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À INSEGURANÇA ALIMENTAR E À FOME, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA TITULAR DA ESALQ-USP E PROFESSOR TITULAR DA FFLCH-USP

Entre setembro de 2021 e janeiro de 2023, 26 pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) se mobilizaram num Grupo de Trabalho (GT), criado pela reitoria, para discutir políticas públicas de combate à fome no Brasil. O resultado é um documento com 39 propostas, que não pretende apresentar uma solução simples para um problema tão complexo e que tampouco desconsidera as contribuições e os avanços já acumulados pelo esforço de gestores públicos, atores da sociedade civil e estudiosos do assunto.

A fome está presente no Brasil desde a sua mais grave e dolorosa forma, quando as pessoas não têm acesso sequer a uma refeição diária, até aqueles casos em que, embora se alimentem, estão mal nutridas. É a insegurança alimentar em seus diversos níveis, que gera problemas de saúde pública, da subnutrição à obesidade.

Desde a Constituição de 1988 houve uma considerável ampliação das políticas públicas e de ações da sociedade civil no combate à fome e à insegurança alimentar. Contudo, nos últimos anos assistimos aos efeitos danosos do desmonte de várias dessas políticas, e distingue-se hoje um duplo desafio: articular as políticas existentes nos diversos níveis da administração pública; e garantir a efetiva implementação e, em alguns casos, a reativação de instrumentos, por exemplo, aqueles previstos na Lei n.º 11.346/2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Nos estudos do GT, constatamos que parte da população ainda desconhece as políticas em vigor. Assim, além da ampliação e da atualização do Cadastro Único, para garantir acesso aos programas sociais de transferência de renda por todos aqueles que necessitam, é premente fortalecer as ações de educação alimentar e nutricional e criar e capacitar uma rede de gestores públicos municipais para a difusão de boas práticas na formulação, implementação e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional.

O sucesso das políticas de combate à fome e à insegurança alimentar depende também da qualidade da informação. A informação construída a partir da integração das mais diversas bases de dados permite não só uma visão de conjunto sobre o problema, mas o monitoramento das inúmeras ações da sociedade civil, visando à maior eficácia no combate à fome. Uma das propostas do relatório é a criação de plataformas online, no âmbito municipal, para a coordenação de organizações e iniciativas locais da sociedade civil, e a garantia da disponibilização e do acesso às informações sobre os resultados dessas iniciativas, de forma a fortalecer a transparência e os mecanismos de controle social.

Embora muito se fale sobre a indisponibilidade na oferta de alimentos como causa da fome, o caso brasileiro ilustra uma situação distinta. No Brasil, a fome deriva principalmente da falta de renda, seja pela ausência de oportunidades de empregos, de capacitação para os empregos existentes ou pelas limitações de acesso a recursos produtivos. Logo, cabe reforçar a necessidade de políticas de criação de empregos e a promoção do crescimento da economia.

No âmbito rural, o porcentual da população em situação de insegurança alimentar grave é assustadoramente elevado: 18,6% dos domicílios rurais, conforme a Rede Penssan. A incapacidade de produzir o próprio alimento, pela falta de equipamentos, de insumos, de assistência técnica e, mesmo, do acesso à terra, é um dos aspectos marcantes dessa situação tão contraditória. Este quadro no campo é agravado por mudanças no padrão alimentar, com o distanciamento da população do consumo de espécies vegetais nativas e de alimentos frescos. Essas mudanças alimentares nem sempre implicam uma melhor nutrição, como mostra o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil, rural e urbano, seja pela sua conveniência ou pelo preço atrativo.

Os alimentos frescos, embora mais saudáveis, são geralmente mais caros e seu preparo demanda mais tempo. Em diversas escolas, nutricionistas têm conseguido incorporá-los à alimentação escolar, apesar das dificuldades de manter abastecimento regular e dos desafios de seu planejamento e execução, particularmente para compra de agricultores familiares.

As atividades do nosso GT não se extinguem com a apresentação do relatório. Em dezembro de 2022, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Combate à Fome. Este conta com diversas universidades e centros de pesquisa e conduzirá estudos sobre a insegurança alimentar e os desafios e estratégias para atendimento do direito humano à alimentação adequada. Como docentes da universidade pública e destinatários de recursos escassos num país profundamente desigual, temos consciência de nossas responsabilidades e esperamos, com nossas ações, continuar contribuindo para a solução deste grave problema. Todavia, para obter sucesso, o combate à fome precisa ser reconhecido como prioridade pela sociedade brasileira e se tornar uma política de Estado duradoura.

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COORDENADORES DO GT DA USP DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À INSEGURANÇA ALIMENTAR E À FOME, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA TITULAR DA ESALQ-USP E PROFESSOR TITULAR DA FFLCH-USP

Entre setembro de 2021 e janeiro de 2023, 26 pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) se mobilizaram num Grupo de Trabalho (GT), criado pela reitoria, para discutir políticas públicas de combate à fome no Brasil. O resultado é um documento com 39 propostas, que não pretende apresentar uma solução simples para um problema tão complexo e que tampouco desconsidera as contribuições e os avanços já acumulados pelo esforço de gestores públicos, atores da sociedade civil e estudiosos do assunto.

A fome está presente no Brasil desde a sua mais grave e dolorosa forma, quando as pessoas não têm acesso sequer a uma refeição diária, até aqueles casos em que, embora se alimentem, estão mal nutridas. É a insegurança alimentar em seus diversos níveis, que gera problemas de saúde pública, da subnutrição à obesidade.

Desde a Constituição de 1988 houve uma considerável ampliação das políticas públicas e de ações da sociedade civil no combate à fome e à insegurança alimentar. Contudo, nos últimos anos assistimos aos efeitos danosos do desmonte de várias dessas políticas, e distingue-se hoje um duplo desafio: articular as políticas existentes nos diversos níveis da administração pública; e garantir a efetiva implementação e, em alguns casos, a reativação de instrumentos, por exemplo, aqueles previstos na Lei n.º 11.346/2006, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Nos estudos do GT, constatamos que parte da população ainda desconhece as políticas em vigor. Assim, além da ampliação e da atualização do Cadastro Único, para garantir acesso aos programas sociais de transferência de renda por todos aqueles que necessitam, é premente fortalecer as ações de educação alimentar e nutricional e criar e capacitar uma rede de gestores públicos municipais para a difusão de boas práticas na formulação, implementação e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional.

O sucesso das políticas de combate à fome e à insegurança alimentar depende também da qualidade da informação. A informação construída a partir da integração das mais diversas bases de dados permite não só uma visão de conjunto sobre o problema, mas o monitoramento das inúmeras ações da sociedade civil, visando à maior eficácia no combate à fome. Uma das propostas do relatório é a criação de plataformas online, no âmbito municipal, para a coordenação de organizações e iniciativas locais da sociedade civil, e a garantia da disponibilização e do acesso às informações sobre os resultados dessas iniciativas, de forma a fortalecer a transparência e os mecanismos de controle social.

Embora muito se fale sobre a indisponibilidade na oferta de alimentos como causa da fome, o caso brasileiro ilustra uma situação distinta. No Brasil, a fome deriva principalmente da falta de renda, seja pela ausência de oportunidades de empregos, de capacitação para os empregos existentes ou pelas limitações de acesso a recursos produtivos. Logo, cabe reforçar a necessidade de políticas de criação de empregos e a promoção do crescimento da economia.

No âmbito rural, o porcentual da população em situação de insegurança alimentar grave é assustadoramente elevado: 18,6% dos domicílios rurais, conforme a Rede Penssan. A incapacidade de produzir o próprio alimento, pela falta de equipamentos, de insumos, de assistência técnica e, mesmo, do acesso à terra, é um dos aspectos marcantes dessa situação tão contraditória. Este quadro no campo é agravado por mudanças no padrão alimentar, com o distanciamento da população do consumo de espécies vegetais nativas e de alimentos frescos. Essas mudanças alimentares nem sempre implicam uma melhor nutrição, como mostra o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil, rural e urbano, seja pela sua conveniência ou pelo preço atrativo.

Os alimentos frescos, embora mais saudáveis, são geralmente mais caros e seu preparo demanda mais tempo. Em diversas escolas, nutricionistas têm conseguido incorporá-los à alimentação escolar, apesar das dificuldades de manter abastecimento regular e dos desafios de seu planejamento e execução, particularmente para compra de agricultores familiares.

As atividades do nosso GT não se extinguem com a apresentação do relatório. Em dezembro de 2022, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Combate à Fome. Este conta com diversas universidades e centros de pesquisa e conduzirá estudos sobre a insegurança alimentar e os desafios e estratégias para atendimento do direito humano à alimentação adequada. Como docentes da universidade pública e destinatários de recursos escassos num país profundamente desigual, temos consciência de nossas responsabilidades e esperamos, com nossas ações, continuar contribuindo para a solução deste grave problema. Todavia, para obter sucesso, o combate à fome precisa ser reconhecido como prioridade pela sociedade brasileira e se tornar uma política de Estado duradoura.

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COORDENADORES DO GT DA USP DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À INSEGURANÇA ALIMENTAR E À FOME, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA TITULAR DA ESALQ-USP E PROFESSOR TITULAR DA FFLCH-USP

Opinião por Sílvia Helena Galvão de Miranda e Marcelo Cândido da Silva

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