Existem várias maneiras de explicar a política externa ao grande público. Uma delas é pelos comunicados e notas oficiais, atos internacionais firmados pelo País, sua participação em conferências diplomáticas. Não é a melhor, pois parte da ideia de que aquilo que o governo apresenta ao público abrange todas as implicações das ações externas para a vida nacional, quando as autoridades podem estar apenas interessadas em transmitir sua visão das questões, conferindo legitimidade ao que, de fato, são escolhas de quem ocupa o poder no momento.
Outra maneira seria recorrer às análises dos acadêmicos especialistas na área, uma tribo que proliferou no País desde nossa inserção mais ativa na globalização, a partir dos anos 1990, com a criação do Mercosul e outras iniciativas externas. Nem sempre, contudo, essa é a melhor abordagem das questões que integram a agenda externa do País. Os membros da tribo possuem uma quase inevitável tendência a enfeixar suas interpretações numa roupagem analítica eivada de conceitos pré-fabricados, segundo suas preferências e vieses: hegemonia, imperialismo, dominação política, dependência econômica, eixo de poder, unilateralismo do norte, marginalização do Sul Global e por aí vai.
A melhor maneira – e falo por experiência própria – é a de se informar por meio da imprensa de qualidade, vale dizer os grandes jornais e revistas de alcance nacional, que fazem a necessária distinção entre reportagens, matérias de análise ou de opinião, além dos editoriais tratando da política externa, combinando-os com a contextualização histórica e o exame aprofundado da geopolítica global e dos poderes nacionais contidos nas obras dos grandes estudiosos das relações internacionais. Desde quando comecei a me interessar por assuntos internacionais, informei-me não apenas nos livros de história, mas basicamente na leitura da mídia: o austero Estadão, a mais leve Folha de S.Paulo, a revista Visão, todos frequentemente trazendo matérias traduzidas da imprensa internacional: The Economist, Le Monde, New York Times, Washington Post, L’Express, Financial Times, etc. Foram esses os veículos que me informavam e foi neles que comecei a conhecer o pensamento de Raymond Aron, de George Kennan, de Stanley Hoffmann e muitos outros. Ao partir para a Europa, no início dos anos 1970, passei a ler todos eles nas bibliotecas universitárias, anos antes de me tornar diplomata; quando fiz o concurso, eu já estava, de certo modo, “formado”.
Ao retornar ao Brasil, sete anos depois, deparei-me com a Gazeta Mercantil, fundada como jornal diário em 1974 pelo empresário Herbert Levy a partir de um simples boletim de notícias pré-existente; ela veio modernizar o ambiente de notícias econômicas anteriormente dominado apenas pelo velho Jornal do Commercio. A jornalista Célia de Gouvêa Franco acaba de lançar Gazeta Mercantil: a Trajetória do Maior Jornal de Economia do País. A Gazeta de fato revolucionou a informação de qualidade sobre a economia brasileira e internacional.
Após ingressar no Itamaraty, em 1977, deparei-me, na Gazeta, desde o início dos anos 1980, com as matérias – reportagens e análises – de Maria Helena Tachinardi, a quem vim a conhecer pessoalmente alguns anos depois, já tendo lido suas abordagens sobre as agruras econômicas do último governo da ditadura e a sucessão de desafios externos no primeiro governo da redemocratização. A assinatura tornou-se inevitável, pois que o jornal substituía praticamente todos os outros, pelo seu foco nos assuntos relevantes para a vida econômica e diplomática do País, dispensando o colunismo de “fofocas políticas” de todos os demais.
Das centenas de matérias coletadas e contextualizadas por ela em Política Externa e Jornalismo (Contexto, 2024), livro instrutivo sobre a política externa brasileira ao longo de mais de três décadas, li muitas no original publicado, o que me permite confirmar que a obra é indispensável para uma reescrita, por historiadores, da diplomacia brasileira no período, uma vez que ela contém não apenas a posição oficial dos governos, em cada momento, mas também os depoimentos dos agentes econômicos, os de vários diplomatas (muitos em off, como é normal numa casa disciplinada como o Itamaraty), assim como o próprio ambiente internacional – agonia do socialismo e sua implosão, fim da guerra fria – no qual os temas estavam inseridos. Uma importante seção inicial trata dos princípios da política externa brasileira nessa transição da ditadura para a democracia, o que também confirma a notável continuidade dos padrões diplomáticos, até pelo menos o primeiro governo Lula. O tratamento dos temas propriamente diplomáticos apoiou-se nos cursos feitos por Maria Helena na Espanha, na França e nos Estados Unidos, o que lhe conferiu um insight acadêmico que poucos jornalistas da área podem exibir.
As posições da diplomacia brasileira estão claramente expostas, assim como os contenciosos externos nos quais nos envolvemos, com destaque para as negociações comerciais nos foros internacionais. Minha próxima história da política externa brasileira vai se beneficiar enormemente pelo imenso percurso por ela já feito em todas as vertentes e assuntos de nossa diplomacia, dos anos 1970 à atualidade. Esse livro faz parte da bibliografia!
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DIPLOMATA E PROFESSOR