Opinião|Compras da Petrobras – mais uma interferência?


A promoção de incentivos à indústria nacional fornecedora de equipamentos para o setor de petróleo ocupa lugar importante na história da empresa

Por José Mauro de Morais

O presidente da República tem reivindicado que a Petrobras deveria adotar uma política de compras de equipamentos e serviços oferecidos por empresas no Brasil, para “ajudar empresas brasileiras a crescer”. Na realidade, a legislação brasileira de petróleo já prevê esse tipo de política. Uma cláusula de conteúdo local nos contratos de exploração e produção de petróleo assinados entre as petroleiras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), adotada em 2017, determina a aquisição de bens e serviços com conteúdo nacional em porcentuais mínimos de 18% a 40% do valor total das aquisições. Como certamente a cláusula é de conhecimento do presidente da República, pode presumir-se que o que se deseja é o estabelecimento na legislação de porcentuais obrigatórios maiores de compras de bens de fabricação nacional. Assim, vale a pena relembrar a experiência brasileira com esse tipo de política, adotada de 1999 a 2016, que se mostrou, ao longo do tempo, de grande complexidade para as empresas petroleiras.

A promoção de incentivos à indústria nacional fornecedora de equipamentos para o setor de petróleo ocupa lugar importante na história da Petrobras. Durante o período em que detinha o monopólio na exploração de petróleo (1953-1995), ela promovia espontaneamente elevadas aquisições de bens e serviços de empresas com produção no Brasil.

Após a queda do monopólio e a abertura das explorações de petróleo a outras petroleiras, foram iniciados os leilões ou rodadas de licitações de áreas exploratórias, conduzidos pela ANP, em 1999. Passou a ser exigido um plano de compras locais, que constituía um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras dos leilões de áreas.

continua após a publicidade

Os primeiros leilões, entre 1999 e 2002, não exigiam porcentuais mínimos de conteúdo local, seguindo o exemplo de outros países com políticas de compras locais, como a Inglaterra e a Noruega. A partir de 2003 as exigências começaram a mudar. No contexto de uma visão nacionalista das políticas industriais por parte da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, passaram a ser exigidos altos porcentuais mínimos. Para vencer os leilões, as petroleiras ofereceram lances elevados, que chegaram a 80% de conteúdo local, porém sem possibilidade de serem cumpridos, em razão da inexistência de fabricação local de diversos equipamentos.

Em 2005, após verificar as distorções nas ofertas por parte das petroleiras, a ANP sugeriu ao Ministério de Minas e Energia (MME) sua eliminação como um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras. No entanto, o MME, em sentido contrário, aprofundou as exigências. As empresas passaram a ter que cumprir tabelas detalhadas de aquisições no mercado nacional de mais de 60 itens e subitens, cada um com seus porcentuais de conteúdo local. As obrigatoriedades de conteúdo local de equipamentos específicos chegaram a 80%.

A burocratização do sistema chegou a envolver 24 empresas certificadoras encarregadas da apuração dos níveis de conteúdo local das petroleiras, e mais de 200 técnicos credenciados pela ANP para a verificação dos porcentuais compromissados. Nos anos seguintes, as críticas às exigências de conteúdo local se acentuaram. O Tribunal de Contas da União concluiu que não foram realizados pelo governo federal estudos sobre a capacidade de segmentos industriais no Brasil de fornecer bens locais que pudessem atender às demandas das petroleiras. Um levantamento da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) verificou que, dos 1.200 equipamentos ou peças do projeto de construção de 28 plataformas de perfuração encomendadas pela Petrobras à empresa Sete Brasil, 900 não eram produzidos no Brasil. Ao final o projeto da Sete Brasil fracassou, envolvido em um grande esquema de corrupção, levando a Petrobras a adquirir somente 4 das 28 plataformas.

continua após a publicidade

Com as dificuldades de cumprimento das ofertas de conteúdo local, a ANP aplicou, até 2016, 127 multas às petroleiras. As multas recolhidas da petroleira britânica BG alcançaram R$ 192 milhões e da Petrobras, R$ 228,3 milhões. Em 2017 a política foi alterada, com a redução dos porcentuais exigidos de aquisições locais para 18% a 40% dos gastos totais nos campos de petróleo, além da retirada do conteúdo local como critério para a seleção das petroleiras vencedoras dos leilões.

A Petrobras detém todas as informações para avaliar a capacidade da indústria nacional em fornecer bens e serviços com preços competitivos e tecnologias exigidas nas explorações em ambientes complexos no mar, como em águas profundas e ultraprofundas no pré-sal. Nessas condições, a companhia deve deixar claro ao governo federal os pontos negativos que poderiam resultar da adoção de uma política de compras mais rígida: elevação de custos, atrasos nas entregas de equipamentos e desestímulos a investidores parceiros. Essas falhas ocorreram nas encomendas de plataformas de petróleo na década passada, com sérios prejuízos para a Petrobras e empresas associadas nas explorações de campos de petróleo na área geológica do pré-sal.

*

continua após a publicidade

AUTOR DE ‘PETRÓLEO EM ÁGUAS PROFUNDAS – UMA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO NO MAR’ (IPEA, 2023, SEGUNDA EDIÇÃO), FOI COORDENADOR NO IPEA, COM ESTUDOS E PESQUISAS EM ENERGIAS RENOVÁVEIS E PETRÓLEO (2013-2019)

O presidente da República tem reivindicado que a Petrobras deveria adotar uma política de compras de equipamentos e serviços oferecidos por empresas no Brasil, para “ajudar empresas brasileiras a crescer”. Na realidade, a legislação brasileira de petróleo já prevê esse tipo de política. Uma cláusula de conteúdo local nos contratos de exploração e produção de petróleo assinados entre as petroleiras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), adotada em 2017, determina a aquisição de bens e serviços com conteúdo nacional em porcentuais mínimos de 18% a 40% do valor total das aquisições. Como certamente a cláusula é de conhecimento do presidente da República, pode presumir-se que o que se deseja é o estabelecimento na legislação de porcentuais obrigatórios maiores de compras de bens de fabricação nacional. Assim, vale a pena relembrar a experiência brasileira com esse tipo de política, adotada de 1999 a 2016, que se mostrou, ao longo do tempo, de grande complexidade para as empresas petroleiras.

A promoção de incentivos à indústria nacional fornecedora de equipamentos para o setor de petróleo ocupa lugar importante na história da Petrobras. Durante o período em que detinha o monopólio na exploração de petróleo (1953-1995), ela promovia espontaneamente elevadas aquisições de bens e serviços de empresas com produção no Brasil.

Após a queda do monopólio e a abertura das explorações de petróleo a outras petroleiras, foram iniciados os leilões ou rodadas de licitações de áreas exploratórias, conduzidos pela ANP, em 1999. Passou a ser exigido um plano de compras locais, que constituía um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras dos leilões de áreas.

Os primeiros leilões, entre 1999 e 2002, não exigiam porcentuais mínimos de conteúdo local, seguindo o exemplo de outros países com políticas de compras locais, como a Inglaterra e a Noruega. A partir de 2003 as exigências começaram a mudar. No contexto de uma visão nacionalista das políticas industriais por parte da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, passaram a ser exigidos altos porcentuais mínimos. Para vencer os leilões, as petroleiras ofereceram lances elevados, que chegaram a 80% de conteúdo local, porém sem possibilidade de serem cumpridos, em razão da inexistência de fabricação local de diversos equipamentos.

Em 2005, após verificar as distorções nas ofertas por parte das petroleiras, a ANP sugeriu ao Ministério de Minas e Energia (MME) sua eliminação como um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras. No entanto, o MME, em sentido contrário, aprofundou as exigências. As empresas passaram a ter que cumprir tabelas detalhadas de aquisições no mercado nacional de mais de 60 itens e subitens, cada um com seus porcentuais de conteúdo local. As obrigatoriedades de conteúdo local de equipamentos específicos chegaram a 80%.

A burocratização do sistema chegou a envolver 24 empresas certificadoras encarregadas da apuração dos níveis de conteúdo local das petroleiras, e mais de 200 técnicos credenciados pela ANP para a verificação dos porcentuais compromissados. Nos anos seguintes, as críticas às exigências de conteúdo local se acentuaram. O Tribunal de Contas da União concluiu que não foram realizados pelo governo federal estudos sobre a capacidade de segmentos industriais no Brasil de fornecer bens locais que pudessem atender às demandas das petroleiras. Um levantamento da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) verificou que, dos 1.200 equipamentos ou peças do projeto de construção de 28 plataformas de perfuração encomendadas pela Petrobras à empresa Sete Brasil, 900 não eram produzidos no Brasil. Ao final o projeto da Sete Brasil fracassou, envolvido em um grande esquema de corrupção, levando a Petrobras a adquirir somente 4 das 28 plataformas.

Com as dificuldades de cumprimento das ofertas de conteúdo local, a ANP aplicou, até 2016, 127 multas às petroleiras. As multas recolhidas da petroleira britânica BG alcançaram R$ 192 milhões e da Petrobras, R$ 228,3 milhões. Em 2017 a política foi alterada, com a redução dos porcentuais exigidos de aquisições locais para 18% a 40% dos gastos totais nos campos de petróleo, além da retirada do conteúdo local como critério para a seleção das petroleiras vencedoras dos leilões.

A Petrobras detém todas as informações para avaliar a capacidade da indústria nacional em fornecer bens e serviços com preços competitivos e tecnologias exigidas nas explorações em ambientes complexos no mar, como em águas profundas e ultraprofundas no pré-sal. Nessas condições, a companhia deve deixar claro ao governo federal os pontos negativos que poderiam resultar da adoção de uma política de compras mais rígida: elevação de custos, atrasos nas entregas de equipamentos e desestímulos a investidores parceiros. Essas falhas ocorreram nas encomendas de plataformas de petróleo na década passada, com sérios prejuízos para a Petrobras e empresas associadas nas explorações de campos de petróleo na área geológica do pré-sal.

*

AUTOR DE ‘PETRÓLEO EM ÁGUAS PROFUNDAS – UMA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO NO MAR’ (IPEA, 2023, SEGUNDA EDIÇÃO), FOI COORDENADOR NO IPEA, COM ESTUDOS E PESQUISAS EM ENERGIAS RENOVÁVEIS E PETRÓLEO (2013-2019)

O presidente da República tem reivindicado que a Petrobras deveria adotar uma política de compras de equipamentos e serviços oferecidos por empresas no Brasil, para “ajudar empresas brasileiras a crescer”. Na realidade, a legislação brasileira de petróleo já prevê esse tipo de política. Uma cláusula de conteúdo local nos contratos de exploração e produção de petróleo assinados entre as petroleiras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), adotada em 2017, determina a aquisição de bens e serviços com conteúdo nacional em porcentuais mínimos de 18% a 40% do valor total das aquisições. Como certamente a cláusula é de conhecimento do presidente da República, pode presumir-se que o que se deseja é o estabelecimento na legislação de porcentuais obrigatórios maiores de compras de bens de fabricação nacional. Assim, vale a pena relembrar a experiência brasileira com esse tipo de política, adotada de 1999 a 2016, que se mostrou, ao longo do tempo, de grande complexidade para as empresas petroleiras.

A promoção de incentivos à indústria nacional fornecedora de equipamentos para o setor de petróleo ocupa lugar importante na história da Petrobras. Durante o período em que detinha o monopólio na exploração de petróleo (1953-1995), ela promovia espontaneamente elevadas aquisições de bens e serviços de empresas com produção no Brasil.

Após a queda do monopólio e a abertura das explorações de petróleo a outras petroleiras, foram iniciados os leilões ou rodadas de licitações de áreas exploratórias, conduzidos pela ANP, em 1999. Passou a ser exigido um plano de compras locais, que constituía um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras dos leilões de áreas.

Os primeiros leilões, entre 1999 e 2002, não exigiam porcentuais mínimos de conteúdo local, seguindo o exemplo de outros países com políticas de compras locais, como a Inglaterra e a Noruega. A partir de 2003 as exigências começaram a mudar. No contexto de uma visão nacionalista das políticas industriais por parte da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, passaram a ser exigidos altos porcentuais mínimos. Para vencer os leilões, as petroleiras ofereceram lances elevados, que chegaram a 80% de conteúdo local, porém sem possibilidade de serem cumpridos, em razão da inexistência de fabricação local de diversos equipamentos.

Em 2005, após verificar as distorções nas ofertas por parte das petroleiras, a ANP sugeriu ao Ministério de Minas e Energia (MME) sua eliminação como um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras. No entanto, o MME, em sentido contrário, aprofundou as exigências. As empresas passaram a ter que cumprir tabelas detalhadas de aquisições no mercado nacional de mais de 60 itens e subitens, cada um com seus porcentuais de conteúdo local. As obrigatoriedades de conteúdo local de equipamentos específicos chegaram a 80%.

A burocratização do sistema chegou a envolver 24 empresas certificadoras encarregadas da apuração dos níveis de conteúdo local das petroleiras, e mais de 200 técnicos credenciados pela ANP para a verificação dos porcentuais compromissados. Nos anos seguintes, as críticas às exigências de conteúdo local se acentuaram. O Tribunal de Contas da União concluiu que não foram realizados pelo governo federal estudos sobre a capacidade de segmentos industriais no Brasil de fornecer bens locais que pudessem atender às demandas das petroleiras. Um levantamento da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) verificou que, dos 1.200 equipamentos ou peças do projeto de construção de 28 plataformas de perfuração encomendadas pela Petrobras à empresa Sete Brasil, 900 não eram produzidos no Brasil. Ao final o projeto da Sete Brasil fracassou, envolvido em um grande esquema de corrupção, levando a Petrobras a adquirir somente 4 das 28 plataformas.

Com as dificuldades de cumprimento das ofertas de conteúdo local, a ANP aplicou, até 2016, 127 multas às petroleiras. As multas recolhidas da petroleira britânica BG alcançaram R$ 192 milhões e da Petrobras, R$ 228,3 milhões. Em 2017 a política foi alterada, com a redução dos porcentuais exigidos de aquisições locais para 18% a 40% dos gastos totais nos campos de petróleo, além da retirada do conteúdo local como critério para a seleção das petroleiras vencedoras dos leilões.

A Petrobras detém todas as informações para avaliar a capacidade da indústria nacional em fornecer bens e serviços com preços competitivos e tecnologias exigidas nas explorações em ambientes complexos no mar, como em águas profundas e ultraprofundas no pré-sal. Nessas condições, a companhia deve deixar claro ao governo federal os pontos negativos que poderiam resultar da adoção de uma política de compras mais rígida: elevação de custos, atrasos nas entregas de equipamentos e desestímulos a investidores parceiros. Essas falhas ocorreram nas encomendas de plataformas de petróleo na década passada, com sérios prejuízos para a Petrobras e empresas associadas nas explorações de campos de petróleo na área geológica do pré-sal.

*

AUTOR DE ‘PETRÓLEO EM ÁGUAS PROFUNDAS – UMA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO NO MAR’ (IPEA, 2023, SEGUNDA EDIÇÃO), FOI COORDENADOR NO IPEA, COM ESTUDOS E PESQUISAS EM ENERGIAS RENOVÁVEIS E PETRÓLEO (2013-2019)

O presidente da República tem reivindicado que a Petrobras deveria adotar uma política de compras de equipamentos e serviços oferecidos por empresas no Brasil, para “ajudar empresas brasileiras a crescer”. Na realidade, a legislação brasileira de petróleo já prevê esse tipo de política. Uma cláusula de conteúdo local nos contratos de exploração e produção de petróleo assinados entre as petroleiras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), adotada em 2017, determina a aquisição de bens e serviços com conteúdo nacional em porcentuais mínimos de 18% a 40% do valor total das aquisições. Como certamente a cláusula é de conhecimento do presidente da República, pode presumir-se que o que se deseja é o estabelecimento na legislação de porcentuais obrigatórios maiores de compras de bens de fabricação nacional. Assim, vale a pena relembrar a experiência brasileira com esse tipo de política, adotada de 1999 a 2016, que se mostrou, ao longo do tempo, de grande complexidade para as empresas petroleiras.

A promoção de incentivos à indústria nacional fornecedora de equipamentos para o setor de petróleo ocupa lugar importante na história da Petrobras. Durante o período em que detinha o monopólio na exploração de petróleo (1953-1995), ela promovia espontaneamente elevadas aquisições de bens e serviços de empresas com produção no Brasil.

Após a queda do monopólio e a abertura das explorações de petróleo a outras petroleiras, foram iniciados os leilões ou rodadas de licitações de áreas exploratórias, conduzidos pela ANP, em 1999. Passou a ser exigido um plano de compras locais, que constituía um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras dos leilões de áreas.

Os primeiros leilões, entre 1999 e 2002, não exigiam porcentuais mínimos de conteúdo local, seguindo o exemplo de outros países com políticas de compras locais, como a Inglaterra e a Noruega. A partir de 2003 as exigências começaram a mudar. No contexto de uma visão nacionalista das políticas industriais por parte da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, passaram a ser exigidos altos porcentuais mínimos. Para vencer os leilões, as petroleiras ofereceram lances elevados, que chegaram a 80% de conteúdo local, porém sem possibilidade de serem cumpridos, em razão da inexistência de fabricação local de diversos equipamentos.

Em 2005, após verificar as distorções nas ofertas por parte das petroleiras, a ANP sugeriu ao Ministério de Minas e Energia (MME) sua eliminação como um dos critérios para a seleção das empresas vencedoras. No entanto, o MME, em sentido contrário, aprofundou as exigências. As empresas passaram a ter que cumprir tabelas detalhadas de aquisições no mercado nacional de mais de 60 itens e subitens, cada um com seus porcentuais de conteúdo local. As obrigatoriedades de conteúdo local de equipamentos específicos chegaram a 80%.

A burocratização do sistema chegou a envolver 24 empresas certificadoras encarregadas da apuração dos níveis de conteúdo local das petroleiras, e mais de 200 técnicos credenciados pela ANP para a verificação dos porcentuais compromissados. Nos anos seguintes, as críticas às exigências de conteúdo local se acentuaram. O Tribunal de Contas da União concluiu que não foram realizados pelo governo federal estudos sobre a capacidade de segmentos industriais no Brasil de fornecer bens locais que pudessem atender às demandas das petroleiras. Um levantamento da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) verificou que, dos 1.200 equipamentos ou peças do projeto de construção de 28 plataformas de perfuração encomendadas pela Petrobras à empresa Sete Brasil, 900 não eram produzidos no Brasil. Ao final o projeto da Sete Brasil fracassou, envolvido em um grande esquema de corrupção, levando a Petrobras a adquirir somente 4 das 28 plataformas.

Com as dificuldades de cumprimento das ofertas de conteúdo local, a ANP aplicou, até 2016, 127 multas às petroleiras. As multas recolhidas da petroleira britânica BG alcançaram R$ 192 milhões e da Petrobras, R$ 228,3 milhões. Em 2017 a política foi alterada, com a redução dos porcentuais exigidos de aquisições locais para 18% a 40% dos gastos totais nos campos de petróleo, além da retirada do conteúdo local como critério para a seleção das petroleiras vencedoras dos leilões.

A Petrobras detém todas as informações para avaliar a capacidade da indústria nacional em fornecer bens e serviços com preços competitivos e tecnologias exigidas nas explorações em ambientes complexos no mar, como em águas profundas e ultraprofundas no pré-sal. Nessas condições, a companhia deve deixar claro ao governo federal os pontos negativos que poderiam resultar da adoção de uma política de compras mais rígida: elevação de custos, atrasos nas entregas de equipamentos e desestímulos a investidores parceiros. Essas falhas ocorreram nas encomendas de plataformas de petróleo na década passada, com sérios prejuízos para a Petrobras e empresas associadas nas explorações de campos de petróleo na área geológica do pré-sal.

*

AUTOR DE ‘PETRÓLEO EM ÁGUAS PROFUNDAS – UMA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO NO MAR’ (IPEA, 2023, SEGUNDA EDIÇÃO), FOI COORDENADOR NO IPEA, COM ESTUDOS E PESQUISAS EM ENERGIAS RENOVÁVEIS E PETRÓLEO (2013-2019)

Opinião por José Mauro de Morais

Autor de ‘Petróleo em Águas Profundas – Uma História da Evolução Tecnológica da Petrobras na Exploração e Produção no Mar’ (Ipea, 2023, segunda edição), foi coordenador no Ipea, com estudos e pesquisas em energias renováveis e petróleo (2013-2019)

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.