Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.
É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.
O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.
O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.
Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.
A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.
No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.
Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.
Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.
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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG