Opinião|Consulado atacado, embaixada violada


Os ataques ao consulado do Irã na Síria e a violação da embaixada do México no Equador revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais

Por Lucas Carlos Lima

Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.

É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.

O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.

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O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.

Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.

A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.

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No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.

Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.

Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.

É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.

O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.

O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.

Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.

A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.

No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.

Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.

Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.

É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.

O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.

O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.

Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.

A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.

No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.

Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.

Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.

É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.

O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.

O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.

Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.

A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.

No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.

Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.

Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Os ataques ao consulado do Irã na Síria, de suposta autoria de Israel, e a violação da embaixada do México no Equador são, à primeira vista, graves violações do Direito Internacional. Contudo, os problemas jurídicos que esses atos solevam são muito mais complexos do que podem prever a nossa vã ciência jurídica e desencadeiam reações políticas e jurídicas num ordenamento de arquitetura variável.

É um truísmo observar que para haver uma violação a uma regra internacional é necessário, antes de mais nada, que tal regra de comportamento exista e seja reconhecida pela comunidade internacional de Estados. Somente assim a violação do direito poderá ser invocada perante uma corte internacional como, por exemplo, a Corte Internacional de Justiça.

O direito relativo a embaixadas e consulados está codificado em duas convenções dos anos 1960, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sua convenção-irmã sobre Relações Consulares. Nelas estão previstas regras sobre inviolabilidade – ou seja, regras que impedem qualquer tipo de ação contra os edifícios que sediam missões diplomáticas de outros Estados. Há muito foi superada a noção de que uma embaixada ou um consulado é território de seu Estado de origem no estrangeiro. Não são. Trata-se de território do Estado receptor que oferece, em virtude daquelas convenções, uma série de garantias, proteções e inviolabilidades ao Estado que decide enviar sua legação com o objetivo de manter as boas relações com o outro país.

O caso relativo ao ataque da embaixada do Irã na Síria é extremamente simbólico e certamente invocará consequências do Estado persa. Contudo, aqui existem dois problemas jurídicos. O primeiro deles é que Israel, o suposto autor dos ataques, não é parte da Convenção de Viena e, portanto, não estaria submetido a uma obrigação de respeito. O segundo problema é que a convenção se baseia em obrigações bilaterais entre Estados emissores de missões diplomáticas e Estados receptores de missões diplomáticas. Se um consulado foi destruído em território sírio, a violação da convenção sobre o dever de proteção é potencialmente da Síria, e não de Israel. Obviamente, isso transforma a estratégia de bombardear embaixadas em territórios terceiros um ato que afasta o direito das Convenções de Viena – ainda que existam, contudo, outras normas incidentes sobre atos de violência.

Não se pode olvidar, contudo, que todo Estado que causa um dano tem o dever de reparar. Assim, ainda que as Convenções de Viena não tenham sido violadas, continua a existir a obrigação de não atacar qualquer representação de um Estado – pelo risco de atingir alvos não militares. Daí surge mais um problema: caso seja inequivocamente provado que o edifício em questão era utilizado para fins exclusivamente militares, ele pode ser um alvo legítimo no curso de um conflito armado. Contudo, para que se possa usar a força no Direito Internacional como forma de defesa, é necessário um ataque armado do Estado que se irá atacar. Já foi bem rechaçada no Direito Internacional a doutrina da legítima defesa preventiva.

A situação da embaixada do México no Equador é aparentemente menos complexa – e igualmente gravosa. O Estado equatoriano falhou em sua obrigação de respeitar a inviolabilidade da missão diplomática mexicana ao conduzir uma operação que capturou um indivíduo em seu interior – seja por qual razão for.

No entanto, uma segunda regra pode ter sido violada: a regra do asilo diplomático, historicamente desenvolvida e costumeiramente utilizada na América Latina. Valores comuns regionais encontram-se sob ataque com esses atos. O caso será, provavelmente, levado à Corte da Haia, que será convocada a aplicar o Direito Internacional da diplomacia sobre os fatos, como fez no passado no caso da violação da embaixada americana em Teerã – e justamente.

Os dois casos são temerários e, por isso, merecem ser observados em conjunto. Eles revelam duas tendências atrozes no atual estado das relações internacionais. A primeira é que as sacrossantas proteções a legações diplomáticas e consulares encontram-se em xeque quando as tensões políticas são altas. Não por acaso, as reações a ambos os casos foram quase unânimes: a comunidade internacional não deseja que embaixadas e consulados sejam alvo de violações e ataques porque, no fim das contas, elas performam as funções do próprio Estado em território estrangeiro. A segunda tendência é ainda mais temerária. Os Estados estão usando a força armada com uma frequência incomum e demonstram-se pouco preocupados com oferecer alguma justificativa – algo que Estados nunca se furtaram de fazer no Direito Internacional.

Desrespeitar embaixadas e consulados desencadeia um perigoso efeito cascata que enfraquece as regras protetivas desses órgãos dos Estados. São regras fundamentais do convívio internacional e da cooperação entre os Estados, que se sentiam seguros em enviar seus nacionais e representantes para proteger seus interesses nos quatro cantos do mundo. Se a tendência de ataques e violações continuar, essas regras restarão como uma bela partitura: belas, mas sem qualquer sonoridade se não forem executadas. O Conselho de Segurança da ONU não deveria se eximir de se pronunciar sobre tais violações.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL NA UFMG, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Opinião por Lucas Carlos Lima

Professor de Direito Internacional na UFMG, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG

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