Opinião|Custo do fracasso escolar para os alunos e o País


Se a reprovação tende a ter mais efeitos negativos que positivos, por que se reprova tanto?

Por MARIA ALICE SETUBAL

Ao mesmo tempo que amarga as últimas colocações no ranking de aprendizagem da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando o assunto é reprovação o Brasil está nas primeiras posições. Enquanto a média mundial de retenções na educação básica, segundo a organização, é de 2,9%/ano, nosso índice chega a 8,2% no ensino fundamental e alcança alarmantes 11,5% no ensino médio, de acordo com o Censo Escolar de 2015.

Embora esses índices estejam em tendência de queda nos últimos anos, reprovar estudantes com aprendizagem abaixo do esperado ainda é uma resposta comum, e preocupante, do nosso sistema educacional. Mesmo em comparação com nossos vizinhos da América Latina e do Caribe, com quem compartilhamos uma história de desigualdades sociais e no acesso ao direito à educação, somos os recordistas em retenções. Em 2010, entre os 41 países que compõem a região, o Brasil tinha a maior taxa de repetência na educação básica, de acordo com o relatório do Compromisso Educação Para Todos, da Unesco. A julgar pelos resultados de avaliações externas, porém, a estratégia de levar os alunos a refazer os anos letivos tem sido insuficiente para garantir a evolução da aprendizagem.

O problema, de fato, não é de fácil solução. É preciso considerar que, se por um lado a aprovação dos alunos com rendimento abaixo do esperado – sem políticas específicas de intervenção e aceleração – não garante que o direito à aprendizagem se efetue, por outro a reprovação tende a conturbar ainda mais sua trajetória escolar. Nos casos mais graves, levados a refazer o ano escolar nas mesmas condições que levaram a reprová-los, os alunos acabam por abandonar a escola, o que também é uma problema grave no País. Só na faixa etária ideal do ensino médio, de 15 a 17 anos, temos 1,3 milhão de jovens que deixaram a escola sem concluir os estudos; destes, 52% não concluíram sequer o ensino fundamental. Os dados são de um estudo do Instituto Unibanco lançado em 2016.

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Outro impacto negativo da reprovação e da evasão, já muito estudado, são seus custos econômicos. Dados preliminares de uma pesquisa realizada por Fundação Brava, Insper, Instituto Ayrton Senna e Instituto Unibanco apontam que os custos anuais de termos jovens de 15 a 17 anos fora da escola são quase equivalentes ao valor investido atualmente pelo País em ensino médio. Somadas as perdas pessoais dessa população, que tem rendimento salarial menor, às perdas sociais, que abarcam queda de arrecadação e aumento de gastos com saúde e segurança pública, os prejuízos chegariam a R$ 49 bilhões/ano. Atualmente, o valor investido pelo País em ensino médio é de R$ 50 bilhões, segundo o Ministério da Educação.

Mas se há anos as pesquisas mostram que a reprovação tende a ter mais efeitos negativos que positivos, por que ainda reprovamos tanto no Brasil? Parte do problema está claramente relacionada à falta de investimentos para garantir condições adequadas de aprendizagem. Por outro lado, pesquisa recente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), realizada com uma amostra de 5.500 professores da educação básica, joga luz em outro aspecto da questão, este de cunho cultural, ou seja, relacionado ao conjunto de crenças sobre reprovação, justiça e avaliação que circulam em nossa sociedade e também influenciam nossos professores.

Um dos principais achados é que, embora 77,8% dos participantes não tenham posição clara sobre o tema, a adesão à crença na reprovação tende a ser acompanhada por forte adesão a uma concepção meritocrática de justiça educativa. Nesse conjunto de crenças, os fatores sociais que influenciam o aprendizado – amplamente demonstrados pela pesquisa científica – não são considerados como geradores de diferenças de desempenho escolar. Assim, o acesso ao conhecimento é visto unicamente como fruto do talento e, especialmente, apenas do esforço individual. Por isso, para os professores que aderem à visão meritocrática, a avaliação tende a ser uma forma de exercer poder disciplinar; consequentemente, a reprovação acaba por assumir uma natureza moral – é uma espécie de “castigo” – e, assim, quanto mais cedo ela ocorra, mais precocemente levaria o aluno a entender que se deve esforçar mais para aprender.

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Por outro lado, os professores que consideram os impactos da origem social, do capital cultural e de desigualdades de gênero e raça no processo de aprendizagem tendem a assumir uma visão corretiva de justiça e a ver a avaliação como um processo formativo. Os docentes mais próximos a essas crenças tendem a ser menos favoráveis à retenção, especialmente se estiverem bem informados sobre pesquisas científicas a respeito dos efeitos da reprovação.

Em suma, essa associação inadequada entre reprovação e melhoria do aprendizado se deve a uma cultura incorporada no cotidiano escolar e no imaginário social. Uma mudança efetiva dessa cultura dependerá de mais investimentos em formação inicial e continuada de professores e gestores e em condições pedagógicas, como a redução do número de alunos por turma, para que a comunidade escolar não só tenha acesso a evidências científicas sobre os malefícios da reprovação, como também tenha condições de dar apoio aos alunos com diferentes ritmos de aprendizagem.

O acesso a pesquisas e a informações qualificadas também é fundamental para que a sociedade como um todo possa olhar mais criticamente para os resultados de avaliações externas como o Pisa e a Prova Brasil, cobrar a ampliação e a melhoria na gestão dos investimentos na educação e entender que, numa sociedade como a nossa, a justiça não reside na igualdade de tratamento entre desiguais, mas na correção das disparidades. Somente assim será possível avançar na construção de uma escola mais inclusiva, em que nenhuma criança ou nenhum jovem fique para trás.

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* MARIA ALICE SETUBAL É SOCIÓLOGA, EDUCADORA E DOUTORA EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO, PRESIDE OS CONSELHOS DO CENPEC E DA FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL

Ao mesmo tempo que amarga as últimas colocações no ranking de aprendizagem da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando o assunto é reprovação o Brasil está nas primeiras posições. Enquanto a média mundial de retenções na educação básica, segundo a organização, é de 2,9%/ano, nosso índice chega a 8,2% no ensino fundamental e alcança alarmantes 11,5% no ensino médio, de acordo com o Censo Escolar de 2015.

Embora esses índices estejam em tendência de queda nos últimos anos, reprovar estudantes com aprendizagem abaixo do esperado ainda é uma resposta comum, e preocupante, do nosso sistema educacional. Mesmo em comparação com nossos vizinhos da América Latina e do Caribe, com quem compartilhamos uma história de desigualdades sociais e no acesso ao direito à educação, somos os recordistas em retenções. Em 2010, entre os 41 países que compõem a região, o Brasil tinha a maior taxa de repetência na educação básica, de acordo com o relatório do Compromisso Educação Para Todos, da Unesco. A julgar pelos resultados de avaliações externas, porém, a estratégia de levar os alunos a refazer os anos letivos tem sido insuficiente para garantir a evolução da aprendizagem.

O problema, de fato, não é de fácil solução. É preciso considerar que, se por um lado a aprovação dos alunos com rendimento abaixo do esperado – sem políticas específicas de intervenção e aceleração – não garante que o direito à aprendizagem se efetue, por outro a reprovação tende a conturbar ainda mais sua trajetória escolar. Nos casos mais graves, levados a refazer o ano escolar nas mesmas condições que levaram a reprová-los, os alunos acabam por abandonar a escola, o que também é uma problema grave no País. Só na faixa etária ideal do ensino médio, de 15 a 17 anos, temos 1,3 milhão de jovens que deixaram a escola sem concluir os estudos; destes, 52% não concluíram sequer o ensino fundamental. Os dados são de um estudo do Instituto Unibanco lançado em 2016.

Outro impacto negativo da reprovação e da evasão, já muito estudado, são seus custos econômicos. Dados preliminares de uma pesquisa realizada por Fundação Brava, Insper, Instituto Ayrton Senna e Instituto Unibanco apontam que os custos anuais de termos jovens de 15 a 17 anos fora da escola são quase equivalentes ao valor investido atualmente pelo País em ensino médio. Somadas as perdas pessoais dessa população, que tem rendimento salarial menor, às perdas sociais, que abarcam queda de arrecadação e aumento de gastos com saúde e segurança pública, os prejuízos chegariam a R$ 49 bilhões/ano. Atualmente, o valor investido pelo País em ensino médio é de R$ 50 bilhões, segundo o Ministério da Educação.

Mas se há anos as pesquisas mostram que a reprovação tende a ter mais efeitos negativos que positivos, por que ainda reprovamos tanto no Brasil? Parte do problema está claramente relacionada à falta de investimentos para garantir condições adequadas de aprendizagem. Por outro lado, pesquisa recente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), realizada com uma amostra de 5.500 professores da educação básica, joga luz em outro aspecto da questão, este de cunho cultural, ou seja, relacionado ao conjunto de crenças sobre reprovação, justiça e avaliação que circulam em nossa sociedade e também influenciam nossos professores.

Um dos principais achados é que, embora 77,8% dos participantes não tenham posição clara sobre o tema, a adesão à crença na reprovação tende a ser acompanhada por forte adesão a uma concepção meritocrática de justiça educativa. Nesse conjunto de crenças, os fatores sociais que influenciam o aprendizado – amplamente demonstrados pela pesquisa científica – não são considerados como geradores de diferenças de desempenho escolar. Assim, o acesso ao conhecimento é visto unicamente como fruto do talento e, especialmente, apenas do esforço individual. Por isso, para os professores que aderem à visão meritocrática, a avaliação tende a ser uma forma de exercer poder disciplinar; consequentemente, a reprovação acaba por assumir uma natureza moral – é uma espécie de “castigo” – e, assim, quanto mais cedo ela ocorra, mais precocemente levaria o aluno a entender que se deve esforçar mais para aprender.

Por outro lado, os professores que consideram os impactos da origem social, do capital cultural e de desigualdades de gênero e raça no processo de aprendizagem tendem a assumir uma visão corretiva de justiça e a ver a avaliação como um processo formativo. Os docentes mais próximos a essas crenças tendem a ser menos favoráveis à retenção, especialmente se estiverem bem informados sobre pesquisas científicas a respeito dos efeitos da reprovação.

Em suma, essa associação inadequada entre reprovação e melhoria do aprendizado se deve a uma cultura incorporada no cotidiano escolar e no imaginário social. Uma mudança efetiva dessa cultura dependerá de mais investimentos em formação inicial e continuada de professores e gestores e em condições pedagógicas, como a redução do número de alunos por turma, para que a comunidade escolar não só tenha acesso a evidências científicas sobre os malefícios da reprovação, como também tenha condições de dar apoio aos alunos com diferentes ritmos de aprendizagem.

O acesso a pesquisas e a informações qualificadas também é fundamental para que a sociedade como um todo possa olhar mais criticamente para os resultados de avaliações externas como o Pisa e a Prova Brasil, cobrar a ampliação e a melhoria na gestão dos investimentos na educação e entender que, numa sociedade como a nossa, a justiça não reside na igualdade de tratamento entre desiguais, mas na correção das disparidades. Somente assim será possível avançar na construção de uma escola mais inclusiva, em que nenhuma criança ou nenhum jovem fique para trás.

* MARIA ALICE SETUBAL É SOCIÓLOGA, EDUCADORA E DOUTORA EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO, PRESIDE OS CONSELHOS DO CENPEC E DA FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL

Ao mesmo tempo que amarga as últimas colocações no ranking de aprendizagem da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando o assunto é reprovação o Brasil está nas primeiras posições. Enquanto a média mundial de retenções na educação básica, segundo a organização, é de 2,9%/ano, nosso índice chega a 8,2% no ensino fundamental e alcança alarmantes 11,5% no ensino médio, de acordo com o Censo Escolar de 2015.

Embora esses índices estejam em tendência de queda nos últimos anos, reprovar estudantes com aprendizagem abaixo do esperado ainda é uma resposta comum, e preocupante, do nosso sistema educacional. Mesmo em comparação com nossos vizinhos da América Latina e do Caribe, com quem compartilhamos uma história de desigualdades sociais e no acesso ao direito à educação, somos os recordistas em retenções. Em 2010, entre os 41 países que compõem a região, o Brasil tinha a maior taxa de repetência na educação básica, de acordo com o relatório do Compromisso Educação Para Todos, da Unesco. A julgar pelos resultados de avaliações externas, porém, a estratégia de levar os alunos a refazer os anos letivos tem sido insuficiente para garantir a evolução da aprendizagem.

O problema, de fato, não é de fácil solução. É preciso considerar que, se por um lado a aprovação dos alunos com rendimento abaixo do esperado – sem políticas específicas de intervenção e aceleração – não garante que o direito à aprendizagem se efetue, por outro a reprovação tende a conturbar ainda mais sua trajetória escolar. Nos casos mais graves, levados a refazer o ano escolar nas mesmas condições que levaram a reprová-los, os alunos acabam por abandonar a escola, o que também é uma problema grave no País. Só na faixa etária ideal do ensino médio, de 15 a 17 anos, temos 1,3 milhão de jovens que deixaram a escola sem concluir os estudos; destes, 52% não concluíram sequer o ensino fundamental. Os dados são de um estudo do Instituto Unibanco lançado em 2016.

Outro impacto negativo da reprovação e da evasão, já muito estudado, são seus custos econômicos. Dados preliminares de uma pesquisa realizada por Fundação Brava, Insper, Instituto Ayrton Senna e Instituto Unibanco apontam que os custos anuais de termos jovens de 15 a 17 anos fora da escola são quase equivalentes ao valor investido atualmente pelo País em ensino médio. Somadas as perdas pessoais dessa população, que tem rendimento salarial menor, às perdas sociais, que abarcam queda de arrecadação e aumento de gastos com saúde e segurança pública, os prejuízos chegariam a R$ 49 bilhões/ano. Atualmente, o valor investido pelo País em ensino médio é de R$ 50 bilhões, segundo o Ministério da Educação.

Mas se há anos as pesquisas mostram que a reprovação tende a ter mais efeitos negativos que positivos, por que ainda reprovamos tanto no Brasil? Parte do problema está claramente relacionada à falta de investimentos para garantir condições adequadas de aprendizagem. Por outro lado, pesquisa recente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), realizada com uma amostra de 5.500 professores da educação básica, joga luz em outro aspecto da questão, este de cunho cultural, ou seja, relacionado ao conjunto de crenças sobre reprovação, justiça e avaliação que circulam em nossa sociedade e também influenciam nossos professores.

Um dos principais achados é que, embora 77,8% dos participantes não tenham posição clara sobre o tema, a adesão à crença na reprovação tende a ser acompanhada por forte adesão a uma concepção meritocrática de justiça educativa. Nesse conjunto de crenças, os fatores sociais que influenciam o aprendizado – amplamente demonstrados pela pesquisa científica – não são considerados como geradores de diferenças de desempenho escolar. Assim, o acesso ao conhecimento é visto unicamente como fruto do talento e, especialmente, apenas do esforço individual. Por isso, para os professores que aderem à visão meritocrática, a avaliação tende a ser uma forma de exercer poder disciplinar; consequentemente, a reprovação acaba por assumir uma natureza moral – é uma espécie de “castigo” – e, assim, quanto mais cedo ela ocorra, mais precocemente levaria o aluno a entender que se deve esforçar mais para aprender.

Por outro lado, os professores que consideram os impactos da origem social, do capital cultural e de desigualdades de gênero e raça no processo de aprendizagem tendem a assumir uma visão corretiva de justiça e a ver a avaliação como um processo formativo. Os docentes mais próximos a essas crenças tendem a ser menos favoráveis à retenção, especialmente se estiverem bem informados sobre pesquisas científicas a respeito dos efeitos da reprovação.

Em suma, essa associação inadequada entre reprovação e melhoria do aprendizado se deve a uma cultura incorporada no cotidiano escolar e no imaginário social. Uma mudança efetiva dessa cultura dependerá de mais investimentos em formação inicial e continuada de professores e gestores e em condições pedagógicas, como a redução do número de alunos por turma, para que a comunidade escolar não só tenha acesso a evidências científicas sobre os malefícios da reprovação, como também tenha condições de dar apoio aos alunos com diferentes ritmos de aprendizagem.

O acesso a pesquisas e a informações qualificadas também é fundamental para que a sociedade como um todo possa olhar mais criticamente para os resultados de avaliações externas como o Pisa e a Prova Brasil, cobrar a ampliação e a melhoria na gestão dos investimentos na educação e entender que, numa sociedade como a nossa, a justiça não reside na igualdade de tratamento entre desiguais, mas na correção das disparidades. Somente assim será possível avançar na construção de uma escola mais inclusiva, em que nenhuma criança ou nenhum jovem fique para trás.

* MARIA ALICE SETUBAL É SOCIÓLOGA, EDUCADORA E DOUTORA EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO, PRESIDE OS CONSELHOS DO CENPEC E DA FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL

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