Opinião|Democracia aqui, e também acolá


A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno

Por Vários autores*

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o Judiciário e as Forças Armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Esse cenário geral já estava claro quando o presidente Lula da Silva recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de María Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava a garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a Lei da Ficha Limpa, que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. Organização dos Estados Americanos (OEA), Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

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A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a atitude não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil – nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava prejuízos mais imediatos.

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A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no Brics, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

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Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de “decência religiosa” dos aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma atitude injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

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*

ANDRÉ PORTELA, ELENA LANDAU, FERNANDO SCHULER, LEANDRO PIQUET, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, NATALIE UNTERSTELL E SANDRA RIOS SÃO CONSELHEIROS DO LIVRES

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o Judiciário e as Forças Armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Esse cenário geral já estava claro quando o presidente Lula da Silva recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de María Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava a garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a Lei da Ficha Limpa, que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. Organização dos Estados Americanos (OEA), Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a atitude não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil – nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava prejuízos mais imediatos.

A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no Brics, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de “decência religiosa” dos aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma atitude injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

*

ANDRÉ PORTELA, ELENA LANDAU, FERNANDO SCHULER, LEANDRO PIQUET, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, NATALIE UNTERSTELL E SANDRA RIOS SÃO CONSELHEIROS DO LIVRES

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o Judiciário e as Forças Armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Esse cenário geral já estava claro quando o presidente Lula da Silva recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de María Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava a garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a Lei da Ficha Limpa, que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. Organização dos Estados Americanos (OEA), Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a atitude não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil – nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava prejuízos mais imediatos.

A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no Brics, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de “decência religiosa” dos aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma atitude injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

*

ANDRÉ PORTELA, ELENA LANDAU, FERNANDO SCHULER, LEANDRO PIQUET, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, NATALIE UNTERSTELL E SANDRA RIOS SÃO CONSELHEIROS DO LIVRES

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o Judiciário e as Forças Armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Esse cenário geral já estava claro quando o presidente Lula da Silva recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de María Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava a garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a Lei da Ficha Limpa, que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. Organização dos Estados Americanos (OEA), Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a atitude não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil – nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava prejuízos mais imediatos.

A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no Brics, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de “decência religiosa” dos aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma atitude injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

*

ANDRÉ PORTELA, ELENA LANDAU, FERNANDO SCHULER, LEANDRO PIQUET, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, NATALIE UNTERSTELL E SANDRA RIOS SÃO CONSELHEIROS DO LIVRES

Não há dúvida de que a Venezuela vive sob uma ditadura: falta de liberdade de imprensa, perseguição e assassinato de opositores, além de uma crise econômica severa que gerou o maior fluxo migratório das Américas. Para manter seu poder, Nicolás Maduro alterou a Constituição, controlou o Judiciário e as Forças Armadas, destruiu a economia e sufocou a sociedade civil, expulsando até o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Esse cenário geral já estava claro quando o presidente Lula da Silva recebeu o ditador venezuelano com honras de chefe de Estado no Palácio do Planalto, em maio de 2023. Ou quando, em março deste ano, minimizou a situação de María Corina Machado, opositora barrada pelo regime, fazendo pouco caso do desrespeito ao Acordo de Barbados, que visava a garantir condições para a disputa. Na ocasião, ainda comparou a situação na Venezuela com a Lei da Ficha Limpa, que o impediu de concorrer em 2018, rebaixando as instituições brasileiras.

Ao enviar Celso Amorim para observar a eleição, Lula demonstrou conivência com o regime. O processo foi marcado por evidências claras de fraude. Organização dos Estados Americanos (OEA), Uruguai e Argentina, entre outros parceiros regionais, fizeram críticas duras. Assim como o governo de esquerda do Chile, liderado por Gabriel Boric, evidenciando que a defesa democrática pode estar acima de recortes ideológicos. O Brasil se apequenou.

A oposição venezuelana apresentou provas de fraude, corroboradas por observadores internacionais e pesquisadores independentes. Como resposta, a Justiça da Venezuela emitiu mandado de prisão contra o presidente eleito, Edmundo González, agora asilado na Espanha. E como se portou a nossa diplomacia? Não seguiu o mandamento constitucional, que aponta para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Assistimos, na verdade, à minimização das violações à liberdade na Venezuela. Infelizmente, a atitude não surpreende.

Desde o final da década anterior, nossa política externa tem se deixado conduzir por concepções de mundo que nos aproximam de ditaduras. Sob o manto de uma iniciativa “contra-hegemônica” em prol do “Sul Global”, há a adoção de uma visão rasa de pragmatismo, que dimensiona incorretamente o interesse nacional. Na companhia dos maiores violadores de direitos humanos do planeta, esse processo penhora as melhores credenciais diplomáticas do Brasil – nossa confiabilidade.

O atual governo parece não entender que nosso respeito na seara internacional era fruto da defesa de princípios, por gerações, mesmo quando esta implicava prejuízos mais imediatos.

A reiterada indiferença em relação aos crimes de guerra na agressão da Rússia à Ucrânia tem sido outro triste exemplo. Ao não marcar a diferença entre agressor e agredido, o atual governo acaba por reconhecer as duas partes como iguais no conflito, em frontal contradição com a Carta da ONU e a própria Constituição brasileira, que consagram o respeito à soberania e à não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Por absurdo, o presidente brasileiro chegou a sugerir a cessão do território ucraniano em troca da paz. Dessa forma, a ideia de “neutralidade” do Brasil nesse conflito é terrivelmente falsa, na medida em que nega material de socorro emergencial para um lado, e aumenta exponencialmente as importações de produtos do outro.

Há quem justifique o relativo silêncio do Brasil pelos descontos na compra de fertilizantes e óleo diesel, ou pela participação no Brics, “para discussão de problemas globais”. Será mesmo que o cidadão brasileiro aceitaria ser cúmplice das barbáries perpetradas pela agressão russa à Ucrânia em troca de uma ilusória projeção mundial?

Mesmo entre os que estão mais à esquerda do espectro político há dificuldades de justificar certos posicionamentos. Por exemplo, o que diria uma defensora da igualdade de gêneros sobre a aproximação do Brasil ao Irã – um país que persegue e mata mulheres por não seguirem à risca os códigos de “decência religiosa” dos aiatolás?

Na comunidade internacional, o governo brasileiro tem sido visto como indiferente ao conjunto básico de direitos e garantias individuais consolidados em diversos acordos subscritos e ratificados pelo Brasil. Há uma profunda incongruência da atual política externa com respeito a valores e princípios tradicionais de nossa diplomacia. Uma atitude injustificável no contexto de corrosão de regimes democráticos ao redor do mundo e aumento de impulsos autoritários em diferentes países.

Essa ambiguidade com a qual o governo federal tem tratado temas tão caros como direitos humanos poderá ter implicações domésticas. A relativização do valor da democracia no âmbito externo pode levar a uma degradação da confiança na democracia no âmbito interno. Por zelo às nossas liberdades, uma clara revisão de rumos é mais do que necessária.

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ANDRÉ PORTELA, ELENA LANDAU, FERNANDO SCHULER, LEANDRO PIQUET, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, NATALIE UNTERSTELL E SANDRA RIOS SÃO CONSELHEIROS DO LIVRES

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André Portela, Elena Landau, Fernando Schuler, Leandro Piquet, Paulo Roberto de Almeida, Natalie Unterstell e Sandra Rios são conselheiros do Livres

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