Opinião|Dias de um futuro sombrio para a Ucrânia


Nenhuma opção para o desfecho do conflito é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos

Por Pedro Mendes Martins

Passado mais de um ano do início do conflito russo-ucraniano, as ações no campo de batalha se estagnaram. Com isso, vários atores internacionais já se manifestaram em favor de uma solução diplomática para o conflito, com destaque para os esforços de Brasil, China e até mesmo a Santa Sé, que recentemente enviou um representante a Kiev para discutir as possibilidades de negociações diplomáticas. Certamente o conflito irá acabar, seja porque um dos dois lados vai perder ou porque vai-se achar uma solução diplomática, seja ela definitiva ou a chamada coreanização (interrupção das hostilidades sem acordo de paz definitivo, em clara alusão à situação na Península Coreana). Em ambos os casos, o futuro da Ucrânia é, no mínimo, incerto e instável.

Provavelmente, o conflito vai acabar com uma solução diplomática definitiva ou não. Em ambos os casos, a figura política de Zelensky vai sofrer um imenso e, talvez, irreversível abalo por não conseguir expulsar a força invasora de seu próprio país e por perder uma parte significativa do território ucraniano, o que poderia ser percebido como uma derrota. Especialmente, os grupos ultranacionalistas, que atualmente fazem parte da máquina de guerra ucraniana, poderão usar esse abalo na imagem do mandatário ucraniano para aumentar sua projeção no cenário político. Mais grave, no entanto, é a possibilidade de que esses grupos usem a expertise adquirida em campo de batalha para agir contra um Estado ucraniano fragilizado após uma derrota no conflito militar, cenário que terá repercussões para todo o leste europeu.

No improvável cenário em que as forças ucranianas consigam derrotar as forças russas, os dias vindouros não serão tranquilos. Novamente, os nacionalistas ucranianos obterão projeção política por seu papel desempenhado na vitória, sendo um adversário de relevância e com alta popularidade diante de um político inexperiente de um partido de pouca tradição. Ademais, a Ucrânia precisará passar por um longo e custoso processo de adaptações e reformas domésticas para que tenha prospecto de aderir à União Europeia. Finalmente, mas não menos importante, o país terá de desembolsar, no mínimo, US$ 411 bilhões (segundo estimativas da Ucrânia, da ONU, do Banco Mundial e da Comissão Europeia) para sua reconstrução, montante que a Ucrânia não tem e que dificilmente os países do Ocidente irão desembolsar se os problemas econômicos que os afligem não estiverem mitigados quando este dia chegar.

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Para completar este quadro, o governo ucraniano terá de lidar com uma parcela da população ucraniana que apoiou as forças invasoras e com os milhares de russos que se transferiram para a Crimeia durante o período que vai da Euromaidan (2014) até o início das hostilidades. O grande desafio é reintegrar essas pessoas na sociedade ucraniana sem que elas sejam culpabilizadas pela invasão ou sejam perseguidas pelos grupos ultranacionalistas, sobretudo porque parte da narrativa russa para justificar a invasão é a de justamente proteger a comunidade russa que existe na Ucrânia.

Ambos os cenários seriam complicados, mas poderiam se agravar, uma vez que a situação doméstica do líder ucraniano era delicada antes mesmo de o conflito começar. Volodymyr Zelensky era um político inexperiente de um pequeno partido. Sem experiência ou quadros que o assessorem, o mandatário ucraniano viu sua popularidade chegar a módicos 11% de aprovação antes do conflito, por alguns motivos. Primeiro, ele demitiu o seu primeiro-ministro logo no início de seu mandato. Como resultado dessa manobra, o presidente pôde antecipar as eleições parlamentares e formar uma confortável maioria. Segundo, já no poder, Zelensky foi envolvido no escândalo de corrupção do chamado Pandora Papers, o que arranhou sua imagem de “candidato anticorrupção”, utilizada como mote para sua campanha. Terceiro, seu governo aprovou a controversa Lei Antioligarquia, que inviabiliza a participação dos chamados “oligarcas” na política e no processo de modernização da economia ucraniana. Na visão dos críticos, essa legislação poderia ser usada para perseguir adversários políticos, tal como o seu antecessor, Petro Poroshenko. Quarto, ele foi criticado, durante o período que antecedeu à invasão, por subestimar os avisos de que as forças russas poderiam invadir o país, o que, na visão de opositores, atrasou a prontidão das Forças Armadas ucranianas.

O bom analista tem como uma de suas características projetar cenários possíveis de situações em andamento. Com os elementos analisados, é perceptível que nenhuma opção para o desfecho do conflito russo-ucraniano é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos. Em todos os cenários discutidos, a Ucrânia precisará arcar com desafios de grande peso num contexto interno menos do que favorável, mesmo diante da atual popularidade de Zelensky, acima de 80%. Dias sombrios estão à espreita para o futuro da Ucrânia.

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MESTRE EM CIÊNCIAS MILITARES PELA ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

Passado mais de um ano do início do conflito russo-ucraniano, as ações no campo de batalha se estagnaram. Com isso, vários atores internacionais já se manifestaram em favor de uma solução diplomática para o conflito, com destaque para os esforços de Brasil, China e até mesmo a Santa Sé, que recentemente enviou um representante a Kiev para discutir as possibilidades de negociações diplomáticas. Certamente o conflito irá acabar, seja porque um dos dois lados vai perder ou porque vai-se achar uma solução diplomática, seja ela definitiva ou a chamada coreanização (interrupção das hostilidades sem acordo de paz definitivo, em clara alusão à situação na Península Coreana). Em ambos os casos, o futuro da Ucrânia é, no mínimo, incerto e instável.

Provavelmente, o conflito vai acabar com uma solução diplomática definitiva ou não. Em ambos os casos, a figura política de Zelensky vai sofrer um imenso e, talvez, irreversível abalo por não conseguir expulsar a força invasora de seu próprio país e por perder uma parte significativa do território ucraniano, o que poderia ser percebido como uma derrota. Especialmente, os grupos ultranacionalistas, que atualmente fazem parte da máquina de guerra ucraniana, poderão usar esse abalo na imagem do mandatário ucraniano para aumentar sua projeção no cenário político. Mais grave, no entanto, é a possibilidade de que esses grupos usem a expertise adquirida em campo de batalha para agir contra um Estado ucraniano fragilizado após uma derrota no conflito militar, cenário que terá repercussões para todo o leste europeu.

No improvável cenário em que as forças ucranianas consigam derrotar as forças russas, os dias vindouros não serão tranquilos. Novamente, os nacionalistas ucranianos obterão projeção política por seu papel desempenhado na vitória, sendo um adversário de relevância e com alta popularidade diante de um político inexperiente de um partido de pouca tradição. Ademais, a Ucrânia precisará passar por um longo e custoso processo de adaptações e reformas domésticas para que tenha prospecto de aderir à União Europeia. Finalmente, mas não menos importante, o país terá de desembolsar, no mínimo, US$ 411 bilhões (segundo estimativas da Ucrânia, da ONU, do Banco Mundial e da Comissão Europeia) para sua reconstrução, montante que a Ucrânia não tem e que dificilmente os países do Ocidente irão desembolsar se os problemas econômicos que os afligem não estiverem mitigados quando este dia chegar.

Para completar este quadro, o governo ucraniano terá de lidar com uma parcela da população ucraniana que apoiou as forças invasoras e com os milhares de russos que se transferiram para a Crimeia durante o período que vai da Euromaidan (2014) até o início das hostilidades. O grande desafio é reintegrar essas pessoas na sociedade ucraniana sem que elas sejam culpabilizadas pela invasão ou sejam perseguidas pelos grupos ultranacionalistas, sobretudo porque parte da narrativa russa para justificar a invasão é a de justamente proteger a comunidade russa que existe na Ucrânia.

Ambos os cenários seriam complicados, mas poderiam se agravar, uma vez que a situação doméstica do líder ucraniano era delicada antes mesmo de o conflito começar. Volodymyr Zelensky era um político inexperiente de um pequeno partido. Sem experiência ou quadros que o assessorem, o mandatário ucraniano viu sua popularidade chegar a módicos 11% de aprovação antes do conflito, por alguns motivos. Primeiro, ele demitiu o seu primeiro-ministro logo no início de seu mandato. Como resultado dessa manobra, o presidente pôde antecipar as eleições parlamentares e formar uma confortável maioria. Segundo, já no poder, Zelensky foi envolvido no escândalo de corrupção do chamado Pandora Papers, o que arranhou sua imagem de “candidato anticorrupção”, utilizada como mote para sua campanha. Terceiro, seu governo aprovou a controversa Lei Antioligarquia, que inviabiliza a participação dos chamados “oligarcas” na política e no processo de modernização da economia ucraniana. Na visão dos críticos, essa legislação poderia ser usada para perseguir adversários políticos, tal como o seu antecessor, Petro Poroshenko. Quarto, ele foi criticado, durante o período que antecedeu à invasão, por subestimar os avisos de que as forças russas poderiam invadir o país, o que, na visão de opositores, atrasou a prontidão das Forças Armadas ucranianas.

O bom analista tem como uma de suas características projetar cenários possíveis de situações em andamento. Com os elementos analisados, é perceptível que nenhuma opção para o desfecho do conflito russo-ucraniano é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos. Em todos os cenários discutidos, a Ucrânia precisará arcar com desafios de grande peso num contexto interno menos do que favorável, mesmo diante da atual popularidade de Zelensky, acima de 80%. Dias sombrios estão à espreita para o futuro da Ucrânia.

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Passado mais de um ano do início do conflito russo-ucraniano, as ações no campo de batalha se estagnaram. Com isso, vários atores internacionais já se manifestaram em favor de uma solução diplomática para o conflito, com destaque para os esforços de Brasil, China e até mesmo a Santa Sé, que recentemente enviou um representante a Kiev para discutir as possibilidades de negociações diplomáticas. Certamente o conflito irá acabar, seja porque um dos dois lados vai perder ou porque vai-se achar uma solução diplomática, seja ela definitiva ou a chamada coreanização (interrupção das hostilidades sem acordo de paz definitivo, em clara alusão à situação na Península Coreana). Em ambos os casos, o futuro da Ucrânia é, no mínimo, incerto e instável.

Provavelmente, o conflito vai acabar com uma solução diplomática definitiva ou não. Em ambos os casos, a figura política de Zelensky vai sofrer um imenso e, talvez, irreversível abalo por não conseguir expulsar a força invasora de seu próprio país e por perder uma parte significativa do território ucraniano, o que poderia ser percebido como uma derrota. Especialmente, os grupos ultranacionalistas, que atualmente fazem parte da máquina de guerra ucraniana, poderão usar esse abalo na imagem do mandatário ucraniano para aumentar sua projeção no cenário político. Mais grave, no entanto, é a possibilidade de que esses grupos usem a expertise adquirida em campo de batalha para agir contra um Estado ucraniano fragilizado após uma derrota no conflito militar, cenário que terá repercussões para todo o leste europeu.

No improvável cenário em que as forças ucranianas consigam derrotar as forças russas, os dias vindouros não serão tranquilos. Novamente, os nacionalistas ucranianos obterão projeção política por seu papel desempenhado na vitória, sendo um adversário de relevância e com alta popularidade diante de um político inexperiente de um partido de pouca tradição. Ademais, a Ucrânia precisará passar por um longo e custoso processo de adaptações e reformas domésticas para que tenha prospecto de aderir à União Europeia. Finalmente, mas não menos importante, o país terá de desembolsar, no mínimo, US$ 411 bilhões (segundo estimativas da Ucrânia, da ONU, do Banco Mundial e da Comissão Europeia) para sua reconstrução, montante que a Ucrânia não tem e que dificilmente os países do Ocidente irão desembolsar se os problemas econômicos que os afligem não estiverem mitigados quando este dia chegar.

Para completar este quadro, o governo ucraniano terá de lidar com uma parcela da população ucraniana que apoiou as forças invasoras e com os milhares de russos que se transferiram para a Crimeia durante o período que vai da Euromaidan (2014) até o início das hostilidades. O grande desafio é reintegrar essas pessoas na sociedade ucraniana sem que elas sejam culpabilizadas pela invasão ou sejam perseguidas pelos grupos ultranacionalistas, sobretudo porque parte da narrativa russa para justificar a invasão é a de justamente proteger a comunidade russa que existe na Ucrânia.

Ambos os cenários seriam complicados, mas poderiam se agravar, uma vez que a situação doméstica do líder ucraniano era delicada antes mesmo de o conflito começar. Volodymyr Zelensky era um político inexperiente de um pequeno partido. Sem experiência ou quadros que o assessorem, o mandatário ucraniano viu sua popularidade chegar a módicos 11% de aprovação antes do conflito, por alguns motivos. Primeiro, ele demitiu o seu primeiro-ministro logo no início de seu mandato. Como resultado dessa manobra, o presidente pôde antecipar as eleições parlamentares e formar uma confortável maioria. Segundo, já no poder, Zelensky foi envolvido no escândalo de corrupção do chamado Pandora Papers, o que arranhou sua imagem de “candidato anticorrupção”, utilizada como mote para sua campanha. Terceiro, seu governo aprovou a controversa Lei Antioligarquia, que inviabiliza a participação dos chamados “oligarcas” na política e no processo de modernização da economia ucraniana. Na visão dos críticos, essa legislação poderia ser usada para perseguir adversários políticos, tal como o seu antecessor, Petro Poroshenko. Quarto, ele foi criticado, durante o período que antecedeu à invasão, por subestimar os avisos de que as forças russas poderiam invadir o país, o que, na visão de opositores, atrasou a prontidão das Forças Armadas ucranianas.

O bom analista tem como uma de suas características projetar cenários possíveis de situações em andamento. Com os elementos analisados, é perceptível que nenhuma opção para o desfecho do conflito russo-ucraniano é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos. Em todos os cenários discutidos, a Ucrânia precisará arcar com desafios de grande peso num contexto interno menos do que favorável, mesmo diante da atual popularidade de Zelensky, acima de 80%. Dias sombrios estão à espreita para o futuro da Ucrânia.

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Passado mais de um ano do início do conflito russo-ucraniano, as ações no campo de batalha se estagnaram. Com isso, vários atores internacionais já se manifestaram em favor de uma solução diplomática para o conflito, com destaque para os esforços de Brasil, China e até mesmo a Santa Sé, que recentemente enviou um representante a Kiev para discutir as possibilidades de negociações diplomáticas. Certamente o conflito irá acabar, seja porque um dos dois lados vai perder ou porque vai-se achar uma solução diplomática, seja ela definitiva ou a chamada coreanização (interrupção das hostilidades sem acordo de paz definitivo, em clara alusão à situação na Península Coreana). Em ambos os casos, o futuro da Ucrânia é, no mínimo, incerto e instável.

Provavelmente, o conflito vai acabar com uma solução diplomática definitiva ou não. Em ambos os casos, a figura política de Zelensky vai sofrer um imenso e, talvez, irreversível abalo por não conseguir expulsar a força invasora de seu próprio país e por perder uma parte significativa do território ucraniano, o que poderia ser percebido como uma derrota. Especialmente, os grupos ultranacionalistas, que atualmente fazem parte da máquina de guerra ucraniana, poderão usar esse abalo na imagem do mandatário ucraniano para aumentar sua projeção no cenário político. Mais grave, no entanto, é a possibilidade de que esses grupos usem a expertise adquirida em campo de batalha para agir contra um Estado ucraniano fragilizado após uma derrota no conflito militar, cenário que terá repercussões para todo o leste europeu.

No improvável cenário em que as forças ucranianas consigam derrotar as forças russas, os dias vindouros não serão tranquilos. Novamente, os nacionalistas ucranianos obterão projeção política por seu papel desempenhado na vitória, sendo um adversário de relevância e com alta popularidade diante de um político inexperiente de um partido de pouca tradição. Ademais, a Ucrânia precisará passar por um longo e custoso processo de adaptações e reformas domésticas para que tenha prospecto de aderir à União Europeia. Finalmente, mas não menos importante, o país terá de desembolsar, no mínimo, US$ 411 bilhões (segundo estimativas da Ucrânia, da ONU, do Banco Mundial e da Comissão Europeia) para sua reconstrução, montante que a Ucrânia não tem e que dificilmente os países do Ocidente irão desembolsar se os problemas econômicos que os afligem não estiverem mitigados quando este dia chegar.

Para completar este quadro, o governo ucraniano terá de lidar com uma parcela da população ucraniana que apoiou as forças invasoras e com os milhares de russos que se transferiram para a Crimeia durante o período que vai da Euromaidan (2014) até o início das hostilidades. O grande desafio é reintegrar essas pessoas na sociedade ucraniana sem que elas sejam culpabilizadas pela invasão ou sejam perseguidas pelos grupos ultranacionalistas, sobretudo porque parte da narrativa russa para justificar a invasão é a de justamente proteger a comunidade russa que existe na Ucrânia.

Ambos os cenários seriam complicados, mas poderiam se agravar, uma vez que a situação doméstica do líder ucraniano era delicada antes mesmo de o conflito começar. Volodymyr Zelensky era um político inexperiente de um pequeno partido. Sem experiência ou quadros que o assessorem, o mandatário ucraniano viu sua popularidade chegar a módicos 11% de aprovação antes do conflito, por alguns motivos. Primeiro, ele demitiu o seu primeiro-ministro logo no início de seu mandato. Como resultado dessa manobra, o presidente pôde antecipar as eleições parlamentares e formar uma confortável maioria. Segundo, já no poder, Zelensky foi envolvido no escândalo de corrupção do chamado Pandora Papers, o que arranhou sua imagem de “candidato anticorrupção”, utilizada como mote para sua campanha. Terceiro, seu governo aprovou a controversa Lei Antioligarquia, que inviabiliza a participação dos chamados “oligarcas” na política e no processo de modernização da economia ucraniana. Na visão dos críticos, essa legislação poderia ser usada para perseguir adversários políticos, tal como o seu antecessor, Petro Poroshenko. Quarto, ele foi criticado, durante o período que antecedeu à invasão, por subestimar os avisos de que as forças russas poderiam invadir o país, o que, na visão de opositores, atrasou a prontidão das Forças Armadas ucranianas.

O bom analista tem como uma de suas características projetar cenários possíveis de situações em andamento. Com os elementos analisados, é perceptível que nenhuma opção para o desfecho do conflito russo-ucraniano é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos. Em todos os cenários discutidos, a Ucrânia precisará arcar com desafios de grande peso num contexto interno menos do que favorável, mesmo diante da atual popularidade de Zelensky, acima de 80%. Dias sombrios estão à espreita para o futuro da Ucrânia.

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Passado mais de um ano do início do conflito russo-ucraniano, as ações no campo de batalha se estagnaram. Com isso, vários atores internacionais já se manifestaram em favor de uma solução diplomática para o conflito, com destaque para os esforços de Brasil, China e até mesmo a Santa Sé, que recentemente enviou um representante a Kiev para discutir as possibilidades de negociações diplomáticas. Certamente o conflito irá acabar, seja porque um dos dois lados vai perder ou porque vai-se achar uma solução diplomática, seja ela definitiva ou a chamada coreanização (interrupção das hostilidades sem acordo de paz definitivo, em clara alusão à situação na Península Coreana). Em ambos os casos, o futuro da Ucrânia é, no mínimo, incerto e instável.

Provavelmente, o conflito vai acabar com uma solução diplomática definitiva ou não. Em ambos os casos, a figura política de Zelensky vai sofrer um imenso e, talvez, irreversível abalo por não conseguir expulsar a força invasora de seu próprio país e por perder uma parte significativa do território ucraniano, o que poderia ser percebido como uma derrota. Especialmente, os grupos ultranacionalistas, que atualmente fazem parte da máquina de guerra ucraniana, poderão usar esse abalo na imagem do mandatário ucraniano para aumentar sua projeção no cenário político. Mais grave, no entanto, é a possibilidade de que esses grupos usem a expertise adquirida em campo de batalha para agir contra um Estado ucraniano fragilizado após uma derrota no conflito militar, cenário que terá repercussões para todo o leste europeu.

No improvável cenário em que as forças ucranianas consigam derrotar as forças russas, os dias vindouros não serão tranquilos. Novamente, os nacionalistas ucranianos obterão projeção política por seu papel desempenhado na vitória, sendo um adversário de relevância e com alta popularidade diante de um político inexperiente de um partido de pouca tradição. Ademais, a Ucrânia precisará passar por um longo e custoso processo de adaptações e reformas domésticas para que tenha prospecto de aderir à União Europeia. Finalmente, mas não menos importante, o país terá de desembolsar, no mínimo, US$ 411 bilhões (segundo estimativas da Ucrânia, da ONU, do Banco Mundial e da Comissão Europeia) para sua reconstrução, montante que a Ucrânia não tem e que dificilmente os países do Ocidente irão desembolsar se os problemas econômicos que os afligem não estiverem mitigados quando este dia chegar.

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O bom analista tem como uma de suas características projetar cenários possíveis de situações em andamento. Com os elementos analisados, é perceptível que nenhuma opção para o desfecho do conflito russo-ucraniano é isenta de custos políticos, econômicos e humanos de grande complexidade para o governo e a sociedade ucranianos. Em todos os cenários discutidos, a Ucrânia precisará arcar com desafios de grande peso num contexto interno menos do que favorável, mesmo diante da atual popularidade de Zelensky, acima de 80%. Dias sombrios estão à espreita para o futuro da Ucrânia.

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