Opinião|É confisco, sim!


Não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal

Por Fabio Brun Goldschmidt

O governo aprovou, na Lei n.º 14.973/2024, a possibilidade de “incorporar ao Tesouro Nacional” valores não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos. O tema ferveu na mídia, e o Executivo se apressou em dizer que “não se trata de confisco”.

Na condição de alguém que estuda o tema do confisco há mais de 20 anos, quando publiquei a obra denominada O Princípio do Não Confisco no Direito Tributário, inclusive utilizada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar julgamentos sobre o tema, tomo a liberdade de esclarecer: é confisco, sim. Objetivamente, confiscar é o ato de apreender bens em prol do Fisco, exatamente o que se está fazendo aqui.

O governo deu 30 dias para o confiscado se manifestar, ou ainda seis meses para contestar o confisco na Justiça, o que não altera a natureza do ato, que consiste em tomar para si patrimônio alheio, sem compensação e de forma definitiva.

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Sustenta ainda que tal prática está prevista em lei desde 1954, “esquecendo” que, nesse meio-tempo, sobreveio a Constituição de 1988, que repudia veementemente o confisco e garante de forma inabolível o direito de propriedade, inadmitindo, inclusive, qualquer iniciativa “tendente” a ferir esse direito fundamental.

Pela Carta, a tomada da propriedade alheia pelo Estado somente pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) em caráter de pena pela prática de um delito ou (ii) mediante justa e prévia indenização, via desapropriação. Fora dessas hipóteses, o cidadão somente pode ser chamado a contribuir para o custeio do erário mediante a instituição de tributo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Inexiste espaço constitucional para perda da titularidade de ativos financeiros por “transcurso do tempo”.

A existência de depósitos em que o interessado não tenha manifestado interesse ou sem movimentação não autoriza o seu confisco em favor da União. A legislação brasileira já disciplina exaustivamente o regime de aquisição de coisas vagas, jacentes ou de ausentes, que a Lei n.º 14.973/2024 chama de “recursos esquecidos”. Para coisas vagas, aquelas em que se ignora o seu titular, a lei determina que essas sejam entregues ao seu dono e, caso não localizado, seja o bem alienado em hasta pública e o resultado, convertido em favor do município (artigos 1.233 a 1.237 do Código Civil). A herança deixada por quem não possui herdeiros e os bens de pessoa declarada ausente também devem, pela lei, ser destinados ao município ou ao Distrito Federal (artigos 22 a 25 e 1.819 a 1.823 do Código Civil).

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É inevitável o paralelo com o confisco da poupança praticado pelo governo Collor, do qual os brasileiros (e o mercado) jamais se recuperarão. Lamento dizer, contudo, que a situação lá era bem melhor, já que a medida utilizada, juridicamente, era um empréstimo compulsório, ou seja, uma iniciativa que já nascia com a afirmação de que o dinheiro era do particular, aliada ao compromisso legal de devolver os valores. Mesmo Fernando Collor jamais pretendeu se apropriar de forma definitiva dos ativos. E o brasileiro achava que nunca mais experienciaria o confisco de seus depósitos, já que a Emenda Constitucional n.º 32/2001 passou a proibi-lo. No entanto, a proibição aludia apenas ao uso de “medida provisória” com tal objetivo, e o governo agora, “espertamente”, tenta emplacar o seu confisco por meio de lei ordinária.

Aqui, infelizmente, a única comparação possível é com a prática adotada por bancos suíços após a 2.ª Guerra Mundial, quando tomaram a liberdade de “incorporar” ao seu patrimônio o dinheiro das famílias judias (e de suas empresas) exterminadas no Holocausto. Afinal, não havia ninguém para reclamar do ato de confisco. Mesmo assim, vale dizer que a demanda proposta pelo World Jewish Congress para reaver o dinheiro (ou ser indenizado) foi vitoriosa e resultou no pagamento de bilhões de dólares em indenização.

No caso atual, o governo nem sequer tentou se utilizar da figura de um empréstimo compulsório, até mesmo porque a Constituição de 1988 somente autoriza a utilização de tal expediente para atender a despesas com calamidade pública, guerra ou investimento urgente de relevante interesse nacional, não podendo ser instituído para sanar dificuldades financeiras decorrentes da má gestão do caixa pelo Executivo.

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Fica bastante óbvio que não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal. A questão é simples: o governo está se apropriando de bens que não são seus, sem indenização e de forma definitiva para tapar buraco em sua contabilidade criativa. E, apesar de deter os meios para tanto, preferiu não envidar esforços adicionais para identificar os possíveis beneficiários das importâncias. Diz-se que os valores chegam a R$ 30,4 milhões para uma única pessoa jurídica; e R$ 11,2 milhões para uma única pessoa física; e totalizam R$ 8,6 bilhões. Mas quem se importa? Melhor dar esse assunto por “enterrado”.

*

ADVOGADO E ESCRITOR

O governo aprovou, na Lei n.º 14.973/2024, a possibilidade de “incorporar ao Tesouro Nacional” valores não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos. O tema ferveu na mídia, e o Executivo se apressou em dizer que “não se trata de confisco”.

Na condição de alguém que estuda o tema do confisco há mais de 20 anos, quando publiquei a obra denominada O Princípio do Não Confisco no Direito Tributário, inclusive utilizada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar julgamentos sobre o tema, tomo a liberdade de esclarecer: é confisco, sim. Objetivamente, confiscar é o ato de apreender bens em prol do Fisco, exatamente o que se está fazendo aqui.

O governo deu 30 dias para o confiscado se manifestar, ou ainda seis meses para contestar o confisco na Justiça, o que não altera a natureza do ato, que consiste em tomar para si patrimônio alheio, sem compensação e de forma definitiva.

Sustenta ainda que tal prática está prevista em lei desde 1954, “esquecendo” que, nesse meio-tempo, sobreveio a Constituição de 1988, que repudia veementemente o confisco e garante de forma inabolível o direito de propriedade, inadmitindo, inclusive, qualquer iniciativa “tendente” a ferir esse direito fundamental.

Pela Carta, a tomada da propriedade alheia pelo Estado somente pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) em caráter de pena pela prática de um delito ou (ii) mediante justa e prévia indenização, via desapropriação. Fora dessas hipóteses, o cidadão somente pode ser chamado a contribuir para o custeio do erário mediante a instituição de tributo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Inexiste espaço constitucional para perda da titularidade de ativos financeiros por “transcurso do tempo”.

A existência de depósitos em que o interessado não tenha manifestado interesse ou sem movimentação não autoriza o seu confisco em favor da União. A legislação brasileira já disciplina exaustivamente o regime de aquisição de coisas vagas, jacentes ou de ausentes, que a Lei n.º 14.973/2024 chama de “recursos esquecidos”. Para coisas vagas, aquelas em que se ignora o seu titular, a lei determina que essas sejam entregues ao seu dono e, caso não localizado, seja o bem alienado em hasta pública e o resultado, convertido em favor do município (artigos 1.233 a 1.237 do Código Civil). A herança deixada por quem não possui herdeiros e os bens de pessoa declarada ausente também devem, pela lei, ser destinados ao município ou ao Distrito Federal (artigos 22 a 25 e 1.819 a 1.823 do Código Civil).

É inevitável o paralelo com o confisco da poupança praticado pelo governo Collor, do qual os brasileiros (e o mercado) jamais se recuperarão. Lamento dizer, contudo, que a situação lá era bem melhor, já que a medida utilizada, juridicamente, era um empréstimo compulsório, ou seja, uma iniciativa que já nascia com a afirmação de que o dinheiro era do particular, aliada ao compromisso legal de devolver os valores. Mesmo Fernando Collor jamais pretendeu se apropriar de forma definitiva dos ativos. E o brasileiro achava que nunca mais experienciaria o confisco de seus depósitos, já que a Emenda Constitucional n.º 32/2001 passou a proibi-lo. No entanto, a proibição aludia apenas ao uso de “medida provisória” com tal objetivo, e o governo agora, “espertamente”, tenta emplacar o seu confisco por meio de lei ordinária.

Aqui, infelizmente, a única comparação possível é com a prática adotada por bancos suíços após a 2.ª Guerra Mundial, quando tomaram a liberdade de “incorporar” ao seu patrimônio o dinheiro das famílias judias (e de suas empresas) exterminadas no Holocausto. Afinal, não havia ninguém para reclamar do ato de confisco. Mesmo assim, vale dizer que a demanda proposta pelo World Jewish Congress para reaver o dinheiro (ou ser indenizado) foi vitoriosa e resultou no pagamento de bilhões de dólares em indenização.

No caso atual, o governo nem sequer tentou se utilizar da figura de um empréstimo compulsório, até mesmo porque a Constituição de 1988 somente autoriza a utilização de tal expediente para atender a despesas com calamidade pública, guerra ou investimento urgente de relevante interesse nacional, não podendo ser instituído para sanar dificuldades financeiras decorrentes da má gestão do caixa pelo Executivo.

Fica bastante óbvio que não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal. A questão é simples: o governo está se apropriando de bens que não são seus, sem indenização e de forma definitiva para tapar buraco em sua contabilidade criativa. E, apesar de deter os meios para tanto, preferiu não envidar esforços adicionais para identificar os possíveis beneficiários das importâncias. Diz-se que os valores chegam a R$ 30,4 milhões para uma única pessoa jurídica; e R$ 11,2 milhões para uma única pessoa física; e totalizam R$ 8,6 bilhões. Mas quem se importa? Melhor dar esse assunto por “enterrado”.

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ADVOGADO E ESCRITOR

O governo aprovou, na Lei n.º 14.973/2024, a possibilidade de “incorporar ao Tesouro Nacional” valores não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos. O tema ferveu na mídia, e o Executivo se apressou em dizer que “não se trata de confisco”.

Na condição de alguém que estuda o tema do confisco há mais de 20 anos, quando publiquei a obra denominada O Princípio do Não Confisco no Direito Tributário, inclusive utilizada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar julgamentos sobre o tema, tomo a liberdade de esclarecer: é confisco, sim. Objetivamente, confiscar é o ato de apreender bens em prol do Fisco, exatamente o que se está fazendo aqui.

O governo deu 30 dias para o confiscado se manifestar, ou ainda seis meses para contestar o confisco na Justiça, o que não altera a natureza do ato, que consiste em tomar para si patrimônio alheio, sem compensação e de forma definitiva.

Sustenta ainda que tal prática está prevista em lei desde 1954, “esquecendo” que, nesse meio-tempo, sobreveio a Constituição de 1988, que repudia veementemente o confisco e garante de forma inabolível o direito de propriedade, inadmitindo, inclusive, qualquer iniciativa “tendente” a ferir esse direito fundamental.

Pela Carta, a tomada da propriedade alheia pelo Estado somente pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) em caráter de pena pela prática de um delito ou (ii) mediante justa e prévia indenização, via desapropriação. Fora dessas hipóteses, o cidadão somente pode ser chamado a contribuir para o custeio do erário mediante a instituição de tributo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Inexiste espaço constitucional para perda da titularidade de ativos financeiros por “transcurso do tempo”.

A existência de depósitos em que o interessado não tenha manifestado interesse ou sem movimentação não autoriza o seu confisco em favor da União. A legislação brasileira já disciplina exaustivamente o regime de aquisição de coisas vagas, jacentes ou de ausentes, que a Lei n.º 14.973/2024 chama de “recursos esquecidos”. Para coisas vagas, aquelas em que se ignora o seu titular, a lei determina que essas sejam entregues ao seu dono e, caso não localizado, seja o bem alienado em hasta pública e o resultado, convertido em favor do município (artigos 1.233 a 1.237 do Código Civil). A herança deixada por quem não possui herdeiros e os bens de pessoa declarada ausente também devem, pela lei, ser destinados ao município ou ao Distrito Federal (artigos 22 a 25 e 1.819 a 1.823 do Código Civil).

É inevitável o paralelo com o confisco da poupança praticado pelo governo Collor, do qual os brasileiros (e o mercado) jamais se recuperarão. Lamento dizer, contudo, que a situação lá era bem melhor, já que a medida utilizada, juridicamente, era um empréstimo compulsório, ou seja, uma iniciativa que já nascia com a afirmação de que o dinheiro era do particular, aliada ao compromisso legal de devolver os valores. Mesmo Fernando Collor jamais pretendeu se apropriar de forma definitiva dos ativos. E o brasileiro achava que nunca mais experienciaria o confisco de seus depósitos, já que a Emenda Constitucional n.º 32/2001 passou a proibi-lo. No entanto, a proibição aludia apenas ao uso de “medida provisória” com tal objetivo, e o governo agora, “espertamente”, tenta emplacar o seu confisco por meio de lei ordinária.

Aqui, infelizmente, a única comparação possível é com a prática adotada por bancos suíços após a 2.ª Guerra Mundial, quando tomaram a liberdade de “incorporar” ao seu patrimônio o dinheiro das famílias judias (e de suas empresas) exterminadas no Holocausto. Afinal, não havia ninguém para reclamar do ato de confisco. Mesmo assim, vale dizer que a demanda proposta pelo World Jewish Congress para reaver o dinheiro (ou ser indenizado) foi vitoriosa e resultou no pagamento de bilhões de dólares em indenização.

No caso atual, o governo nem sequer tentou se utilizar da figura de um empréstimo compulsório, até mesmo porque a Constituição de 1988 somente autoriza a utilização de tal expediente para atender a despesas com calamidade pública, guerra ou investimento urgente de relevante interesse nacional, não podendo ser instituído para sanar dificuldades financeiras decorrentes da má gestão do caixa pelo Executivo.

Fica bastante óbvio que não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal. A questão é simples: o governo está se apropriando de bens que não são seus, sem indenização e de forma definitiva para tapar buraco em sua contabilidade criativa. E, apesar de deter os meios para tanto, preferiu não envidar esforços adicionais para identificar os possíveis beneficiários das importâncias. Diz-se que os valores chegam a R$ 30,4 milhões para uma única pessoa jurídica; e R$ 11,2 milhões para uma única pessoa física; e totalizam R$ 8,6 bilhões. Mas quem se importa? Melhor dar esse assunto por “enterrado”.

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ADVOGADO E ESCRITOR

O governo aprovou, na Lei n.º 14.973/2024, a possibilidade de “incorporar ao Tesouro Nacional” valores não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos. O tema ferveu na mídia, e o Executivo se apressou em dizer que “não se trata de confisco”.

Na condição de alguém que estuda o tema do confisco há mais de 20 anos, quando publiquei a obra denominada O Princípio do Não Confisco no Direito Tributário, inclusive utilizada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar julgamentos sobre o tema, tomo a liberdade de esclarecer: é confisco, sim. Objetivamente, confiscar é o ato de apreender bens em prol do Fisco, exatamente o que se está fazendo aqui.

O governo deu 30 dias para o confiscado se manifestar, ou ainda seis meses para contestar o confisco na Justiça, o que não altera a natureza do ato, que consiste em tomar para si patrimônio alheio, sem compensação e de forma definitiva.

Sustenta ainda que tal prática está prevista em lei desde 1954, “esquecendo” que, nesse meio-tempo, sobreveio a Constituição de 1988, que repudia veementemente o confisco e garante de forma inabolível o direito de propriedade, inadmitindo, inclusive, qualquer iniciativa “tendente” a ferir esse direito fundamental.

Pela Carta, a tomada da propriedade alheia pelo Estado somente pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) em caráter de pena pela prática de um delito ou (ii) mediante justa e prévia indenização, via desapropriação. Fora dessas hipóteses, o cidadão somente pode ser chamado a contribuir para o custeio do erário mediante a instituição de tributo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Inexiste espaço constitucional para perda da titularidade de ativos financeiros por “transcurso do tempo”.

A existência de depósitos em que o interessado não tenha manifestado interesse ou sem movimentação não autoriza o seu confisco em favor da União. A legislação brasileira já disciplina exaustivamente o regime de aquisição de coisas vagas, jacentes ou de ausentes, que a Lei n.º 14.973/2024 chama de “recursos esquecidos”. Para coisas vagas, aquelas em que se ignora o seu titular, a lei determina que essas sejam entregues ao seu dono e, caso não localizado, seja o bem alienado em hasta pública e o resultado, convertido em favor do município (artigos 1.233 a 1.237 do Código Civil). A herança deixada por quem não possui herdeiros e os bens de pessoa declarada ausente também devem, pela lei, ser destinados ao município ou ao Distrito Federal (artigos 22 a 25 e 1.819 a 1.823 do Código Civil).

É inevitável o paralelo com o confisco da poupança praticado pelo governo Collor, do qual os brasileiros (e o mercado) jamais se recuperarão. Lamento dizer, contudo, que a situação lá era bem melhor, já que a medida utilizada, juridicamente, era um empréstimo compulsório, ou seja, uma iniciativa que já nascia com a afirmação de que o dinheiro era do particular, aliada ao compromisso legal de devolver os valores. Mesmo Fernando Collor jamais pretendeu se apropriar de forma definitiva dos ativos. E o brasileiro achava que nunca mais experienciaria o confisco de seus depósitos, já que a Emenda Constitucional n.º 32/2001 passou a proibi-lo. No entanto, a proibição aludia apenas ao uso de “medida provisória” com tal objetivo, e o governo agora, “espertamente”, tenta emplacar o seu confisco por meio de lei ordinária.

Aqui, infelizmente, a única comparação possível é com a prática adotada por bancos suíços após a 2.ª Guerra Mundial, quando tomaram a liberdade de “incorporar” ao seu patrimônio o dinheiro das famílias judias (e de suas empresas) exterminadas no Holocausto. Afinal, não havia ninguém para reclamar do ato de confisco. Mesmo assim, vale dizer que a demanda proposta pelo World Jewish Congress para reaver o dinheiro (ou ser indenizado) foi vitoriosa e resultou no pagamento de bilhões de dólares em indenização.

No caso atual, o governo nem sequer tentou se utilizar da figura de um empréstimo compulsório, até mesmo porque a Constituição de 1988 somente autoriza a utilização de tal expediente para atender a despesas com calamidade pública, guerra ou investimento urgente de relevante interesse nacional, não podendo ser instituído para sanar dificuldades financeiras decorrentes da má gestão do caixa pelo Executivo.

Fica bastante óbvio que não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal. A questão é simples: o governo está se apropriando de bens que não são seus, sem indenização e de forma definitiva para tapar buraco em sua contabilidade criativa. E, apesar de deter os meios para tanto, preferiu não envidar esforços adicionais para identificar os possíveis beneficiários das importâncias. Diz-se que os valores chegam a R$ 30,4 milhões para uma única pessoa jurídica; e R$ 11,2 milhões para uma única pessoa física; e totalizam R$ 8,6 bilhões. Mas quem se importa? Melhor dar esse assunto por “enterrado”.

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ADVOGADO E ESCRITOR

O governo aprovou, na Lei n.º 14.973/2024, a possibilidade de “incorporar ao Tesouro Nacional” valores não movimentados por pessoas físicas e jurídicas em instituições financeiras nos últimos 25 anos. O tema ferveu na mídia, e o Executivo se apressou em dizer que “não se trata de confisco”.

Na condição de alguém que estuda o tema do confisco há mais de 20 anos, quando publiquei a obra denominada O Princípio do Não Confisco no Direito Tributário, inclusive utilizada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar julgamentos sobre o tema, tomo a liberdade de esclarecer: é confisco, sim. Objetivamente, confiscar é o ato de apreender bens em prol do Fisco, exatamente o que se está fazendo aqui.

O governo deu 30 dias para o confiscado se manifestar, ou ainda seis meses para contestar o confisco na Justiça, o que não altera a natureza do ato, que consiste em tomar para si patrimônio alheio, sem compensação e de forma definitiva.

Sustenta ainda que tal prática está prevista em lei desde 1954, “esquecendo” que, nesse meio-tempo, sobreveio a Constituição de 1988, que repudia veementemente o confisco e garante de forma inabolível o direito de propriedade, inadmitindo, inclusive, qualquer iniciativa “tendente” a ferir esse direito fundamental.

Pela Carta, a tomada da propriedade alheia pelo Estado somente pode ocorrer nas seguintes hipóteses: (i) em caráter de pena pela prática de um delito ou (ii) mediante justa e prévia indenização, via desapropriação. Fora dessas hipóteses, o cidadão somente pode ser chamado a contribuir para o custeio do erário mediante a instituição de tributo, dentro dos limites impostos pela Constituição. Inexiste espaço constitucional para perda da titularidade de ativos financeiros por “transcurso do tempo”.

A existência de depósitos em que o interessado não tenha manifestado interesse ou sem movimentação não autoriza o seu confisco em favor da União. A legislação brasileira já disciplina exaustivamente o regime de aquisição de coisas vagas, jacentes ou de ausentes, que a Lei n.º 14.973/2024 chama de “recursos esquecidos”. Para coisas vagas, aquelas em que se ignora o seu titular, a lei determina que essas sejam entregues ao seu dono e, caso não localizado, seja o bem alienado em hasta pública e o resultado, convertido em favor do município (artigos 1.233 a 1.237 do Código Civil). A herança deixada por quem não possui herdeiros e os bens de pessoa declarada ausente também devem, pela lei, ser destinados ao município ou ao Distrito Federal (artigos 22 a 25 e 1.819 a 1.823 do Código Civil).

É inevitável o paralelo com o confisco da poupança praticado pelo governo Collor, do qual os brasileiros (e o mercado) jamais se recuperarão. Lamento dizer, contudo, que a situação lá era bem melhor, já que a medida utilizada, juridicamente, era um empréstimo compulsório, ou seja, uma iniciativa que já nascia com a afirmação de que o dinheiro era do particular, aliada ao compromisso legal de devolver os valores. Mesmo Fernando Collor jamais pretendeu se apropriar de forma definitiva dos ativos. E o brasileiro achava que nunca mais experienciaria o confisco de seus depósitos, já que a Emenda Constitucional n.º 32/2001 passou a proibi-lo. No entanto, a proibição aludia apenas ao uso de “medida provisória” com tal objetivo, e o governo agora, “espertamente”, tenta emplacar o seu confisco por meio de lei ordinária.

Aqui, infelizmente, a única comparação possível é com a prática adotada por bancos suíços após a 2.ª Guerra Mundial, quando tomaram a liberdade de “incorporar” ao seu patrimônio o dinheiro das famílias judias (e de suas empresas) exterminadas no Holocausto. Afinal, não havia ninguém para reclamar do ato de confisco. Mesmo assim, vale dizer que a demanda proposta pelo World Jewish Congress para reaver o dinheiro (ou ser indenizado) foi vitoriosa e resultou no pagamento de bilhões de dólares em indenização.

No caso atual, o governo nem sequer tentou se utilizar da figura de um empréstimo compulsório, até mesmo porque a Constituição de 1988 somente autoriza a utilização de tal expediente para atender a despesas com calamidade pública, guerra ou investimento urgente de relevante interesse nacional, não podendo ser instituído para sanar dificuldades financeiras decorrentes da má gestão do caixa pelo Executivo.

Fica bastante óbvio que não há onde encaixar, na Constituição, a prática confiscatória adotada pelo governo federal, que viola o pacto federativo ao tomar para si recursos que são dos municípios e do Distrito Federal. A questão é simples: o governo está se apropriando de bens que não são seus, sem indenização e de forma definitiva para tapar buraco em sua contabilidade criativa. E, apesar de deter os meios para tanto, preferiu não envidar esforços adicionais para identificar os possíveis beneficiários das importâncias. Diz-se que os valores chegam a R$ 30,4 milhões para uma única pessoa jurídica; e R$ 11,2 milhões para uma única pessoa física; e totalizam R$ 8,6 bilhões. Mas quem se importa? Melhor dar esse assunto por “enterrado”.

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Opinião por Fabio Brun Goldschmidt

Advogado e escritor

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