Opinião|É hora de desacelerar


Cidades europeias têm seguido recomendação da OMS de limitar a 30 km/h a velocidade em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas

Por Paula Santos

O atropelamento do ator Kayky Brito, no Rio de Janeiro, comoveu o Brasil. Sensibilizado, o prefeito Eduardo Paes anunciou que vai solicitar a redução do limite de velocidade na orla e em outros pontos da cidade. O anúncio deixou muitos indignados. Mas Paes está certo. Desacelerar as cidades é uma das formas mais efetivas de salvar vidas no trânsito e tem pouco impacto nos tempos de viagem.

A velocidade é um dos principais fatores de risco no trânsito: contribui tanto para a chance de um sinistro ocorrer quanto para sua gravidade. Uma pessoa atropelada por um carro a 30 km/h tem 90% de chance de sobreviver; a 60 km/h, menos de 5%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 30 km/h em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas.

Muitas cidades têm seguido à risca a recomendação. Nos últimos anos, o limite de 30 km/h passou a vigorar em Bruxelas inteira – à exceção de algumas arteriais –, em grande parte de Paris, em vias importantes de Berlim, e por aí Europa afora. Além do aumento da segurança, as cidades percebem melhora significativa na qualidade do ar.

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A medida pode soar escandalosa para alguns e suscitar críticas de “aqui não é a Europa”. Mas as leis da Física não conhecem nacionalidade: as cidades brasileiras podem colher os benefícios de um trânsito menos acelerado.

Estima-se que ajustes pequenos, de 60 km/h para 50 km/h, reduzam em 1/3 os riscos de sinistros fatais. Quando São Paulo reduziu para 50 km/h a velocidade nas Marginais, em 2014 a média de sinistros caiu à metade e os casos com fatalidades caíram 35%. A redução de atropelamentos foi de 53%, e de fatalidades de pedestres, 48%.

Mitos da redução. Apesar dos benefícios evidentes, quando se fala em reduzir velocidades, o que se vê são reações instintivas a partir de crenças infundadas ou de uma ideia ilusória de infalibilidade. “Sou um ótimo motorista e a velocidade não afeta isso!” As leis da Física também não ligam para sua perícia na direção. A velocidades mais altas, qualquer motorista vai percorrer uma distância maior até reagir e, finalmente, parar o carro. A 50 km/h, são necessários 42 metros para frear completamente o carro. A 70 km/h, 62 metros.

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Há, também, a pressa inerente aos nossos tempos: “Vou perder mais tempo ainda no trânsito!” Acredite, o impacto é irrisório. Campinas fez um teste e constatou que a redução de 60 km/h para 50 km/h numa avenida importante gerou um aumento médio nos tempos de viagem de míseros 12 segundos a cada quilômetro percorrido. A velocidades mais baixas, o trânsito flui melhor, com menos interrupções.

A abordagem do sistema seguro, melhor prática reconhecida para promoção da segurança viária, considera que humanos cometem erros, imprudências, atos de desatenção. E que humanos são frágeis e vulneráveis a impactos. A responsabilidade por evitar que essa combinação de características inatas resulte em mortes é de todos, incluindo o poder público. Ao projetar, construir e fiscalizar as vias, governos têm nas mãos a possibilidade de salvar milhares de vidas e estabelecer um novo normal – afinal, não precisamos normalizar as quase 34 mil vidas perdidas no trânsito brasileiro só em 2021.

Todos são responsáveis. A sociedade, os órgãos de trânsito e as campanhas de conscientização tendem a responsabilizar principalmente os pedestres e condutores. “Atravesse na faixa”, “respeite o sinal vermelho”, “não corra”. Quem trabalha com segurança viária deve saber que educação e conscientização são importantes, mas não resolvem a violência no trânsito em lugar nenhum – e não trarão redução significativa no vergonhoso índice de vidas perdidas no trânsito brasileiro.

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O que tem um potencial tremendo, mas se vê pouco, são governos se comprometendo com fazer o que está ao seu alcance para evitar que falta de educação, de consciência ou de atenção resulte em sinistros e em vidas abreviadas ou comprometidas. A velocidade é o principal. É possível tornar o trânsito à prova de imprudências e à prova de mortes? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, acreditam que sim.

Para a efetiva redução da velocidade praticada nas vias, pode ser necessário mais do que placas indicando “30 km/h”. A via comunica ao condutor. Tente perceber na próxima vez que dirigir: larguras amplas, pavimentos planos e caminhos retos incentivam velocidades maiores, enquanto em vias com curvas acentuadas costumamos desacelerar. O estreitamento do espaço para trafegar, lombadas ou pavimentos que provocam pequenas trepidações são algumas das medidas de que gestores podem lançar mão para acalmar o tráfego, e já são comuns em áreas escolares de cidades brasileiras.

A segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS tem a ambição de reduzir à metade as mortes no trânsito até 2030. Como se caminha para essa utopia no horizonte? Desacelerando as cidades e dando passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população precisam escolher entre a pressa e a vida.

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GERENTE DE MOBILIDADE URBANA DO WRI BRASIL

O atropelamento do ator Kayky Brito, no Rio de Janeiro, comoveu o Brasil. Sensibilizado, o prefeito Eduardo Paes anunciou que vai solicitar a redução do limite de velocidade na orla e em outros pontos da cidade. O anúncio deixou muitos indignados. Mas Paes está certo. Desacelerar as cidades é uma das formas mais efetivas de salvar vidas no trânsito e tem pouco impacto nos tempos de viagem.

A velocidade é um dos principais fatores de risco no trânsito: contribui tanto para a chance de um sinistro ocorrer quanto para sua gravidade. Uma pessoa atropelada por um carro a 30 km/h tem 90% de chance de sobreviver; a 60 km/h, menos de 5%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 30 km/h em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas.

Muitas cidades têm seguido à risca a recomendação. Nos últimos anos, o limite de 30 km/h passou a vigorar em Bruxelas inteira – à exceção de algumas arteriais –, em grande parte de Paris, em vias importantes de Berlim, e por aí Europa afora. Além do aumento da segurança, as cidades percebem melhora significativa na qualidade do ar.

A medida pode soar escandalosa para alguns e suscitar críticas de “aqui não é a Europa”. Mas as leis da Física não conhecem nacionalidade: as cidades brasileiras podem colher os benefícios de um trânsito menos acelerado.

Estima-se que ajustes pequenos, de 60 km/h para 50 km/h, reduzam em 1/3 os riscos de sinistros fatais. Quando São Paulo reduziu para 50 km/h a velocidade nas Marginais, em 2014 a média de sinistros caiu à metade e os casos com fatalidades caíram 35%. A redução de atropelamentos foi de 53%, e de fatalidades de pedestres, 48%.

Mitos da redução. Apesar dos benefícios evidentes, quando se fala em reduzir velocidades, o que se vê são reações instintivas a partir de crenças infundadas ou de uma ideia ilusória de infalibilidade. “Sou um ótimo motorista e a velocidade não afeta isso!” As leis da Física também não ligam para sua perícia na direção. A velocidades mais altas, qualquer motorista vai percorrer uma distância maior até reagir e, finalmente, parar o carro. A 50 km/h, são necessários 42 metros para frear completamente o carro. A 70 km/h, 62 metros.

Há, também, a pressa inerente aos nossos tempos: “Vou perder mais tempo ainda no trânsito!” Acredite, o impacto é irrisório. Campinas fez um teste e constatou que a redução de 60 km/h para 50 km/h numa avenida importante gerou um aumento médio nos tempos de viagem de míseros 12 segundos a cada quilômetro percorrido. A velocidades mais baixas, o trânsito flui melhor, com menos interrupções.

A abordagem do sistema seguro, melhor prática reconhecida para promoção da segurança viária, considera que humanos cometem erros, imprudências, atos de desatenção. E que humanos são frágeis e vulneráveis a impactos. A responsabilidade por evitar que essa combinação de características inatas resulte em mortes é de todos, incluindo o poder público. Ao projetar, construir e fiscalizar as vias, governos têm nas mãos a possibilidade de salvar milhares de vidas e estabelecer um novo normal – afinal, não precisamos normalizar as quase 34 mil vidas perdidas no trânsito brasileiro só em 2021.

Todos são responsáveis. A sociedade, os órgãos de trânsito e as campanhas de conscientização tendem a responsabilizar principalmente os pedestres e condutores. “Atravesse na faixa”, “respeite o sinal vermelho”, “não corra”. Quem trabalha com segurança viária deve saber que educação e conscientização são importantes, mas não resolvem a violência no trânsito em lugar nenhum – e não trarão redução significativa no vergonhoso índice de vidas perdidas no trânsito brasileiro.

O que tem um potencial tremendo, mas se vê pouco, são governos se comprometendo com fazer o que está ao seu alcance para evitar que falta de educação, de consciência ou de atenção resulte em sinistros e em vidas abreviadas ou comprometidas. A velocidade é o principal. É possível tornar o trânsito à prova de imprudências e à prova de mortes? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, acreditam que sim.

Para a efetiva redução da velocidade praticada nas vias, pode ser necessário mais do que placas indicando “30 km/h”. A via comunica ao condutor. Tente perceber na próxima vez que dirigir: larguras amplas, pavimentos planos e caminhos retos incentivam velocidades maiores, enquanto em vias com curvas acentuadas costumamos desacelerar. O estreitamento do espaço para trafegar, lombadas ou pavimentos que provocam pequenas trepidações são algumas das medidas de que gestores podem lançar mão para acalmar o tráfego, e já são comuns em áreas escolares de cidades brasileiras.

A segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS tem a ambição de reduzir à metade as mortes no trânsito até 2030. Como se caminha para essa utopia no horizonte? Desacelerando as cidades e dando passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população precisam escolher entre a pressa e a vida.

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O atropelamento do ator Kayky Brito, no Rio de Janeiro, comoveu o Brasil. Sensibilizado, o prefeito Eduardo Paes anunciou que vai solicitar a redução do limite de velocidade na orla e em outros pontos da cidade. O anúncio deixou muitos indignados. Mas Paes está certo. Desacelerar as cidades é uma das formas mais efetivas de salvar vidas no trânsito e tem pouco impacto nos tempos de viagem.

A velocidade é um dos principais fatores de risco no trânsito: contribui tanto para a chance de um sinistro ocorrer quanto para sua gravidade. Uma pessoa atropelada por um carro a 30 km/h tem 90% de chance de sobreviver; a 60 km/h, menos de 5%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 30 km/h em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas.

Muitas cidades têm seguido à risca a recomendação. Nos últimos anos, o limite de 30 km/h passou a vigorar em Bruxelas inteira – à exceção de algumas arteriais –, em grande parte de Paris, em vias importantes de Berlim, e por aí Europa afora. Além do aumento da segurança, as cidades percebem melhora significativa na qualidade do ar.

A medida pode soar escandalosa para alguns e suscitar críticas de “aqui não é a Europa”. Mas as leis da Física não conhecem nacionalidade: as cidades brasileiras podem colher os benefícios de um trânsito menos acelerado.

Estima-se que ajustes pequenos, de 60 km/h para 50 km/h, reduzam em 1/3 os riscos de sinistros fatais. Quando São Paulo reduziu para 50 km/h a velocidade nas Marginais, em 2014 a média de sinistros caiu à metade e os casos com fatalidades caíram 35%. A redução de atropelamentos foi de 53%, e de fatalidades de pedestres, 48%.

Mitos da redução. Apesar dos benefícios evidentes, quando se fala em reduzir velocidades, o que se vê são reações instintivas a partir de crenças infundadas ou de uma ideia ilusória de infalibilidade. “Sou um ótimo motorista e a velocidade não afeta isso!” As leis da Física também não ligam para sua perícia na direção. A velocidades mais altas, qualquer motorista vai percorrer uma distância maior até reagir e, finalmente, parar o carro. A 50 km/h, são necessários 42 metros para frear completamente o carro. A 70 km/h, 62 metros.

Há, também, a pressa inerente aos nossos tempos: “Vou perder mais tempo ainda no trânsito!” Acredite, o impacto é irrisório. Campinas fez um teste e constatou que a redução de 60 km/h para 50 km/h numa avenida importante gerou um aumento médio nos tempos de viagem de míseros 12 segundos a cada quilômetro percorrido. A velocidades mais baixas, o trânsito flui melhor, com menos interrupções.

A abordagem do sistema seguro, melhor prática reconhecida para promoção da segurança viária, considera que humanos cometem erros, imprudências, atos de desatenção. E que humanos são frágeis e vulneráveis a impactos. A responsabilidade por evitar que essa combinação de características inatas resulte em mortes é de todos, incluindo o poder público. Ao projetar, construir e fiscalizar as vias, governos têm nas mãos a possibilidade de salvar milhares de vidas e estabelecer um novo normal – afinal, não precisamos normalizar as quase 34 mil vidas perdidas no trânsito brasileiro só em 2021.

Todos são responsáveis. A sociedade, os órgãos de trânsito e as campanhas de conscientização tendem a responsabilizar principalmente os pedestres e condutores. “Atravesse na faixa”, “respeite o sinal vermelho”, “não corra”. Quem trabalha com segurança viária deve saber que educação e conscientização são importantes, mas não resolvem a violência no trânsito em lugar nenhum – e não trarão redução significativa no vergonhoso índice de vidas perdidas no trânsito brasileiro.

O que tem um potencial tremendo, mas se vê pouco, são governos se comprometendo com fazer o que está ao seu alcance para evitar que falta de educação, de consciência ou de atenção resulte em sinistros e em vidas abreviadas ou comprometidas. A velocidade é o principal. É possível tornar o trânsito à prova de imprudências e à prova de mortes? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, acreditam que sim.

Para a efetiva redução da velocidade praticada nas vias, pode ser necessário mais do que placas indicando “30 km/h”. A via comunica ao condutor. Tente perceber na próxima vez que dirigir: larguras amplas, pavimentos planos e caminhos retos incentivam velocidades maiores, enquanto em vias com curvas acentuadas costumamos desacelerar. O estreitamento do espaço para trafegar, lombadas ou pavimentos que provocam pequenas trepidações são algumas das medidas de que gestores podem lançar mão para acalmar o tráfego, e já são comuns em áreas escolares de cidades brasileiras.

A segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS tem a ambição de reduzir à metade as mortes no trânsito até 2030. Como se caminha para essa utopia no horizonte? Desacelerando as cidades e dando passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população precisam escolher entre a pressa e a vida.

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O atropelamento do ator Kayky Brito, no Rio de Janeiro, comoveu o Brasil. Sensibilizado, o prefeito Eduardo Paes anunciou que vai solicitar a redução do limite de velocidade na orla e em outros pontos da cidade. O anúncio deixou muitos indignados. Mas Paes está certo. Desacelerar as cidades é uma das formas mais efetivas de salvar vidas no trânsito e tem pouco impacto nos tempos de viagem.

A velocidade é um dos principais fatores de risco no trânsito: contribui tanto para a chance de um sinistro ocorrer quanto para sua gravidade. Uma pessoa atropelada por um carro a 30 km/h tem 90% de chance de sobreviver; a 60 km/h, menos de 5%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 30 km/h em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas.

Muitas cidades têm seguido à risca a recomendação. Nos últimos anos, o limite de 30 km/h passou a vigorar em Bruxelas inteira – à exceção de algumas arteriais –, em grande parte de Paris, em vias importantes de Berlim, e por aí Europa afora. Além do aumento da segurança, as cidades percebem melhora significativa na qualidade do ar.

A medida pode soar escandalosa para alguns e suscitar críticas de “aqui não é a Europa”. Mas as leis da Física não conhecem nacionalidade: as cidades brasileiras podem colher os benefícios de um trânsito menos acelerado.

Estima-se que ajustes pequenos, de 60 km/h para 50 km/h, reduzam em 1/3 os riscos de sinistros fatais. Quando São Paulo reduziu para 50 km/h a velocidade nas Marginais, em 2014 a média de sinistros caiu à metade e os casos com fatalidades caíram 35%. A redução de atropelamentos foi de 53%, e de fatalidades de pedestres, 48%.

Mitos da redução. Apesar dos benefícios evidentes, quando se fala em reduzir velocidades, o que se vê são reações instintivas a partir de crenças infundadas ou de uma ideia ilusória de infalibilidade. “Sou um ótimo motorista e a velocidade não afeta isso!” As leis da Física também não ligam para sua perícia na direção. A velocidades mais altas, qualquer motorista vai percorrer uma distância maior até reagir e, finalmente, parar o carro. A 50 km/h, são necessários 42 metros para frear completamente o carro. A 70 km/h, 62 metros.

Há, também, a pressa inerente aos nossos tempos: “Vou perder mais tempo ainda no trânsito!” Acredite, o impacto é irrisório. Campinas fez um teste e constatou que a redução de 60 km/h para 50 km/h numa avenida importante gerou um aumento médio nos tempos de viagem de míseros 12 segundos a cada quilômetro percorrido. A velocidades mais baixas, o trânsito flui melhor, com menos interrupções.

A abordagem do sistema seguro, melhor prática reconhecida para promoção da segurança viária, considera que humanos cometem erros, imprudências, atos de desatenção. E que humanos são frágeis e vulneráveis a impactos. A responsabilidade por evitar que essa combinação de características inatas resulte em mortes é de todos, incluindo o poder público. Ao projetar, construir e fiscalizar as vias, governos têm nas mãos a possibilidade de salvar milhares de vidas e estabelecer um novo normal – afinal, não precisamos normalizar as quase 34 mil vidas perdidas no trânsito brasileiro só em 2021.

Todos são responsáveis. A sociedade, os órgãos de trânsito e as campanhas de conscientização tendem a responsabilizar principalmente os pedestres e condutores. “Atravesse na faixa”, “respeite o sinal vermelho”, “não corra”. Quem trabalha com segurança viária deve saber que educação e conscientização são importantes, mas não resolvem a violência no trânsito em lugar nenhum – e não trarão redução significativa no vergonhoso índice de vidas perdidas no trânsito brasileiro.

O que tem um potencial tremendo, mas se vê pouco, são governos se comprometendo com fazer o que está ao seu alcance para evitar que falta de educação, de consciência ou de atenção resulte em sinistros e em vidas abreviadas ou comprometidas. A velocidade é o principal. É possível tornar o trânsito à prova de imprudências e à prova de mortes? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, acreditam que sim.

Para a efetiva redução da velocidade praticada nas vias, pode ser necessário mais do que placas indicando “30 km/h”. A via comunica ao condutor. Tente perceber na próxima vez que dirigir: larguras amplas, pavimentos planos e caminhos retos incentivam velocidades maiores, enquanto em vias com curvas acentuadas costumamos desacelerar. O estreitamento do espaço para trafegar, lombadas ou pavimentos que provocam pequenas trepidações são algumas das medidas de que gestores podem lançar mão para acalmar o tráfego, e já são comuns em áreas escolares de cidades brasileiras.

A segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS tem a ambição de reduzir à metade as mortes no trânsito até 2030. Como se caminha para essa utopia no horizonte? Desacelerando as cidades e dando passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população precisam escolher entre a pressa e a vida.

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GERENTE DE MOBILIDADE URBANA DO WRI BRASIL

O atropelamento do ator Kayky Brito, no Rio de Janeiro, comoveu o Brasil. Sensibilizado, o prefeito Eduardo Paes anunciou que vai solicitar a redução do limite de velocidade na orla e em outros pontos da cidade. O anúncio deixou muitos indignados. Mas Paes está certo. Desacelerar as cidades é uma das formas mais efetivas de salvar vidas no trânsito e tem pouco impacto nos tempos de viagem.

A velocidade é um dos principais fatores de risco no trânsito: contribui tanto para a chance de um sinistro ocorrer quanto para sua gravidade. Uma pessoa atropelada por um carro a 30 km/h tem 90% de chance de sobreviver; a 60 km/h, menos de 5%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 30 km/h em vias com maior interação entre carros, pedestres e ciclistas.

Muitas cidades têm seguido à risca a recomendação. Nos últimos anos, o limite de 30 km/h passou a vigorar em Bruxelas inteira – à exceção de algumas arteriais –, em grande parte de Paris, em vias importantes de Berlim, e por aí Europa afora. Além do aumento da segurança, as cidades percebem melhora significativa na qualidade do ar.

A medida pode soar escandalosa para alguns e suscitar críticas de “aqui não é a Europa”. Mas as leis da Física não conhecem nacionalidade: as cidades brasileiras podem colher os benefícios de um trânsito menos acelerado.

Estima-se que ajustes pequenos, de 60 km/h para 50 km/h, reduzam em 1/3 os riscos de sinistros fatais. Quando São Paulo reduziu para 50 km/h a velocidade nas Marginais, em 2014 a média de sinistros caiu à metade e os casos com fatalidades caíram 35%. A redução de atropelamentos foi de 53%, e de fatalidades de pedestres, 48%.

Mitos da redução. Apesar dos benefícios evidentes, quando se fala em reduzir velocidades, o que se vê são reações instintivas a partir de crenças infundadas ou de uma ideia ilusória de infalibilidade. “Sou um ótimo motorista e a velocidade não afeta isso!” As leis da Física também não ligam para sua perícia na direção. A velocidades mais altas, qualquer motorista vai percorrer uma distância maior até reagir e, finalmente, parar o carro. A 50 km/h, são necessários 42 metros para frear completamente o carro. A 70 km/h, 62 metros.

Há, também, a pressa inerente aos nossos tempos: “Vou perder mais tempo ainda no trânsito!” Acredite, o impacto é irrisório. Campinas fez um teste e constatou que a redução de 60 km/h para 50 km/h numa avenida importante gerou um aumento médio nos tempos de viagem de míseros 12 segundos a cada quilômetro percorrido. A velocidades mais baixas, o trânsito flui melhor, com menos interrupções.

A abordagem do sistema seguro, melhor prática reconhecida para promoção da segurança viária, considera que humanos cometem erros, imprudências, atos de desatenção. E que humanos são frágeis e vulneráveis a impactos. A responsabilidade por evitar que essa combinação de características inatas resulte em mortes é de todos, incluindo o poder público. Ao projetar, construir e fiscalizar as vias, governos têm nas mãos a possibilidade de salvar milhares de vidas e estabelecer um novo normal – afinal, não precisamos normalizar as quase 34 mil vidas perdidas no trânsito brasileiro só em 2021.

Todos são responsáveis. A sociedade, os órgãos de trânsito e as campanhas de conscientização tendem a responsabilizar principalmente os pedestres e condutores. “Atravesse na faixa”, “respeite o sinal vermelho”, “não corra”. Quem trabalha com segurança viária deve saber que educação e conscientização são importantes, mas não resolvem a violência no trânsito em lugar nenhum – e não trarão redução significativa no vergonhoso índice de vidas perdidas no trânsito brasileiro.

O que tem um potencial tremendo, mas se vê pouco, são governos se comprometendo com fazer o que está ao seu alcance para evitar que falta de educação, de consciência ou de atenção resulte em sinistros e em vidas abreviadas ou comprometidas. A velocidade é o principal. É possível tornar o trânsito à prova de imprudências e à prova de mortes? Muitos especialistas, entre os quais me incluo, acreditam que sim.

Para a efetiva redução da velocidade praticada nas vias, pode ser necessário mais do que placas indicando “30 km/h”. A via comunica ao condutor. Tente perceber na próxima vez que dirigir: larguras amplas, pavimentos planos e caminhos retos incentivam velocidades maiores, enquanto em vias com curvas acentuadas costumamos desacelerar. O estreitamento do espaço para trafegar, lombadas ou pavimentos que provocam pequenas trepidações são algumas das medidas de que gestores podem lançar mão para acalmar o tráfego, e já são comuns em áreas escolares de cidades brasileiras.

A segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da OMS tem a ambição de reduzir à metade as mortes no trânsito até 2030. Como se caminha para essa utopia no horizonte? Desacelerando as cidades e dando passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população precisam escolher entre a pressa e a vida.

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Opinião por Paula Santos

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