Opinião|Efeito benéfico da pandemia de covid-19


Devemos aproveitar a tristeza e o desalento para criar uma nova realidade, mais justa

Por Silvano Raia

Completando hoje 90 anos e cansado de contar as mortes pela covid-19, resolvi pensar sobre a vida e sobre um futuro melhor.  Por paradoxal que pareça, acredito que, apesar dos milhares de mortes que tanto nos entristecem, a pandemia pode exercer também um efeito benéfico. Observando o panorama que se sucedeu ao longo do meu caminho lembro Stephen Hawking, que confere aos humanos a capacidade de alterar nossos modelos mentais para nos adaptar às mudanças que acontecem ao longo da vida.

Essa relação de causa e efeito vem ocorrendo desde nossos ancestrais. Ao evoluirmos de caçadores coletores para agricultores mudamos de hábitos, passando a sedentários, e assim constituímos sucessivamente a família, os povoados e as cidades. Outro exemplo se deu em meados do século passado com o advento da pílula anticoncepcional. Alterou nossa estrutura social, criando espaço para o empoderamento progressivo da mulher. No Brasil, em 2030 elas representarão 60% da população com formação superior, dominando principalmente as atividades que dependem de criatividade, como pesquisa cientifica, moda e design.

Agora, a globalização, o prolongamento da vida e o progresso científico-tecnológico estão causando outra mudança radical. O prolongamento da vida tornou-se possível graças a uma nova compreensão da biologia celular. O envelhecimento passou a ser considerado uma doença cuja evolução pode ser retardada e, segundo alguns, até evitada, conferindo-nos perpetuidade. Um brasileiro nascido em 1919 vivia em média 34 anos, enquanto os nascidos hoje podem, em média, chegar aos 76. No fim deste século a vida média será de 110 anos. O período de vida adicional, também causará de per si um importante rearranjo social. 

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Quanto ao progresso técnico-científico, os computadores de alta performance, a nova genética, os robôs e a inteligência artificial são os que mais têm modificado a nossa realidade subjetiva. A Google construiu um computador quântico que em 200 segundos realiza tarefas que os computadores atuais levariam 10 mil anos para fazer. Na genética, o desenvolvimento da técnica CRISPR-Cas9 é capaz de alterar facilmente o genoma de qualquer ser vivo. Com raios laser é possível interferir no primeiro dia da vida de um embrião humano introduzindo material genético de um terceiro progenitor anônimo. Pela primeira vez, um homem ou uma mulher portadores de defeitos genéticos poderão ter a certeza de gerar um filho normal. Estamos a caminho de controlar a vida. Segundo alguns, o impacto desse progresso genético é comparável ao causado pelo domínio da energia nuclear em meados do século passado.

Esses novos horizontes, ainda que promissores para cada um de nós individualmente, desenham perspectivas sombrias para a humanidade como um todo. Progressivamente, os robôs substituirão a mão de obra atual, criando multidões de inúteis cuja sobrevivência estará ameaçada. Caminha-se para um mundo onde pequenas elites dominarão massas de excluídos, por serem as únicas que terão acesso às benesses do progresso.

Para evitar esse risco devemos aproveitar a pandemia, que nos assusta diariamente com a morte e certamente mudará nossa realidade subjetiva e nossos modelos mentais, para criar uma nova sociedade, na qual possamos conviver de forma mais justa e humana com o progresso, que nos confunde e assusta.

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Para nós, brasileiros, a mudança se faz particularmente necessária. De um lado, dados do IBGE e do Oxfam, mostram que 6,5% da população vive em condições de miséria (menos de U$ 1 por dia) e que o patrimônio de apenas cinco empresários corresponde à renda de 100 milhões de menos favorecidos. De outro, apenas 1,27% do nosso PIB é destinado a pesquisa e desenvolvimento, enquanto em outros países, como a Coreia do Sul, é de 4,23%.

Nesse sentido, alguns fatos recentes são animadores. Um empresário brasileiro aderiu a The Giving Pledge, fundada por Bill Gates e Warren Buffett, que reúne bilionários que destinam em vida 60% de seu patrimônio para fins filantrópicos e inovação tecnológica. Outros, também brasileiros, como noticiou este jornal em 9/8, estão destinando parte de seus bens para o mesmo fim.

Entretanto, para remodelar nossa estrutura social devemos considerar alguns princípios gerais que a História também nos ensina. Não devemos moldar o futuro olhando apenas para o passado, uma vez que a mente humana se move mais por expectativas do que por conquistas já alcançadas. O importante não é saber onde estamos, mas para onde estamos indo. Bem dizia Sêneca, “não existe vento favorável para o marinheiro que não sabe para onde vai”.

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Assim, devemos aproveitar a tristeza e o desalento causados pela covid-19 para criar uma nova realidade mais justa, com menos sofrimento. Se ao mesmo tempo aumentarmos o incentivo à pesquisa e inovação, quem sabe oferecendo vantagens fiscais adicionais, seguramente abriremos novos horizontes para nós e nossos filhos. 

É possível que ao tentar alcançar esses objetivos enfrentemos dificuldades, incompreensões e resistências. Mas não devemos desanimar. A vida ou é uma aventura audaciosa, ou não é nada. 

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP

Completando hoje 90 anos e cansado de contar as mortes pela covid-19, resolvi pensar sobre a vida e sobre um futuro melhor.  Por paradoxal que pareça, acredito que, apesar dos milhares de mortes que tanto nos entristecem, a pandemia pode exercer também um efeito benéfico. Observando o panorama que se sucedeu ao longo do meu caminho lembro Stephen Hawking, que confere aos humanos a capacidade de alterar nossos modelos mentais para nos adaptar às mudanças que acontecem ao longo da vida.

Essa relação de causa e efeito vem ocorrendo desde nossos ancestrais. Ao evoluirmos de caçadores coletores para agricultores mudamos de hábitos, passando a sedentários, e assim constituímos sucessivamente a família, os povoados e as cidades. Outro exemplo se deu em meados do século passado com o advento da pílula anticoncepcional. Alterou nossa estrutura social, criando espaço para o empoderamento progressivo da mulher. No Brasil, em 2030 elas representarão 60% da população com formação superior, dominando principalmente as atividades que dependem de criatividade, como pesquisa cientifica, moda e design.

Agora, a globalização, o prolongamento da vida e o progresso científico-tecnológico estão causando outra mudança radical. O prolongamento da vida tornou-se possível graças a uma nova compreensão da biologia celular. O envelhecimento passou a ser considerado uma doença cuja evolução pode ser retardada e, segundo alguns, até evitada, conferindo-nos perpetuidade. Um brasileiro nascido em 1919 vivia em média 34 anos, enquanto os nascidos hoje podem, em média, chegar aos 76. No fim deste século a vida média será de 110 anos. O período de vida adicional, também causará de per si um importante rearranjo social. 

Quanto ao progresso técnico-científico, os computadores de alta performance, a nova genética, os robôs e a inteligência artificial são os que mais têm modificado a nossa realidade subjetiva. A Google construiu um computador quântico que em 200 segundos realiza tarefas que os computadores atuais levariam 10 mil anos para fazer. Na genética, o desenvolvimento da técnica CRISPR-Cas9 é capaz de alterar facilmente o genoma de qualquer ser vivo. Com raios laser é possível interferir no primeiro dia da vida de um embrião humano introduzindo material genético de um terceiro progenitor anônimo. Pela primeira vez, um homem ou uma mulher portadores de defeitos genéticos poderão ter a certeza de gerar um filho normal. Estamos a caminho de controlar a vida. Segundo alguns, o impacto desse progresso genético é comparável ao causado pelo domínio da energia nuclear em meados do século passado.

Esses novos horizontes, ainda que promissores para cada um de nós individualmente, desenham perspectivas sombrias para a humanidade como um todo. Progressivamente, os robôs substituirão a mão de obra atual, criando multidões de inúteis cuja sobrevivência estará ameaçada. Caminha-se para um mundo onde pequenas elites dominarão massas de excluídos, por serem as únicas que terão acesso às benesses do progresso.

Para evitar esse risco devemos aproveitar a pandemia, que nos assusta diariamente com a morte e certamente mudará nossa realidade subjetiva e nossos modelos mentais, para criar uma nova sociedade, na qual possamos conviver de forma mais justa e humana com o progresso, que nos confunde e assusta.

Para nós, brasileiros, a mudança se faz particularmente necessária. De um lado, dados do IBGE e do Oxfam, mostram que 6,5% da população vive em condições de miséria (menos de U$ 1 por dia) e que o patrimônio de apenas cinco empresários corresponde à renda de 100 milhões de menos favorecidos. De outro, apenas 1,27% do nosso PIB é destinado a pesquisa e desenvolvimento, enquanto em outros países, como a Coreia do Sul, é de 4,23%.

Nesse sentido, alguns fatos recentes são animadores. Um empresário brasileiro aderiu a The Giving Pledge, fundada por Bill Gates e Warren Buffett, que reúne bilionários que destinam em vida 60% de seu patrimônio para fins filantrópicos e inovação tecnológica. Outros, também brasileiros, como noticiou este jornal em 9/8, estão destinando parte de seus bens para o mesmo fim.

Entretanto, para remodelar nossa estrutura social devemos considerar alguns princípios gerais que a História também nos ensina. Não devemos moldar o futuro olhando apenas para o passado, uma vez que a mente humana se move mais por expectativas do que por conquistas já alcançadas. O importante não é saber onde estamos, mas para onde estamos indo. Bem dizia Sêneca, “não existe vento favorável para o marinheiro que não sabe para onde vai”.

Assim, devemos aproveitar a tristeza e o desalento causados pela covid-19 para criar uma nova realidade mais justa, com menos sofrimento. Se ao mesmo tempo aumentarmos o incentivo à pesquisa e inovação, quem sabe oferecendo vantagens fiscais adicionais, seguramente abriremos novos horizontes para nós e nossos filhos. 

É possível que ao tentar alcançar esses objetivos enfrentemos dificuldades, incompreensões e resistências. Mas não devemos desanimar. A vida ou é uma aventura audaciosa, ou não é nada. 

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP

Completando hoje 90 anos e cansado de contar as mortes pela covid-19, resolvi pensar sobre a vida e sobre um futuro melhor.  Por paradoxal que pareça, acredito que, apesar dos milhares de mortes que tanto nos entristecem, a pandemia pode exercer também um efeito benéfico. Observando o panorama que se sucedeu ao longo do meu caminho lembro Stephen Hawking, que confere aos humanos a capacidade de alterar nossos modelos mentais para nos adaptar às mudanças que acontecem ao longo da vida.

Essa relação de causa e efeito vem ocorrendo desde nossos ancestrais. Ao evoluirmos de caçadores coletores para agricultores mudamos de hábitos, passando a sedentários, e assim constituímos sucessivamente a família, os povoados e as cidades. Outro exemplo se deu em meados do século passado com o advento da pílula anticoncepcional. Alterou nossa estrutura social, criando espaço para o empoderamento progressivo da mulher. No Brasil, em 2030 elas representarão 60% da população com formação superior, dominando principalmente as atividades que dependem de criatividade, como pesquisa cientifica, moda e design.

Agora, a globalização, o prolongamento da vida e o progresso científico-tecnológico estão causando outra mudança radical. O prolongamento da vida tornou-se possível graças a uma nova compreensão da biologia celular. O envelhecimento passou a ser considerado uma doença cuja evolução pode ser retardada e, segundo alguns, até evitada, conferindo-nos perpetuidade. Um brasileiro nascido em 1919 vivia em média 34 anos, enquanto os nascidos hoje podem, em média, chegar aos 76. No fim deste século a vida média será de 110 anos. O período de vida adicional, também causará de per si um importante rearranjo social. 

Quanto ao progresso técnico-científico, os computadores de alta performance, a nova genética, os robôs e a inteligência artificial são os que mais têm modificado a nossa realidade subjetiva. A Google construiu um computador quântico que em 200 segundos realiza tarefas que os computadores atuais levariam 10 mil anos para fazer. Na genética, o desenvolvimento da técnica CRISPR-Cas9 é capaz de alterar facilmente o genoma de qualquer ser vivo. Com raios laser é possível interferir no primeiro dia da vida de um embrião humano introduzindo material genético de um terceiro progenitor anônimo. Pela primeira vez, um homem ou uma mulher portadores de defeitos genéticos poderão ter a certeza de gerar um filho normal. Estamos a caminho de controlar a vida. Segundo alguns, o impacto desse progresso genético é comparável ao causado pelo domínio da energia nuclear em meados do século passado.

Esses novos horizontes, ainda que promissores para cada um de nós individualmente, desenham perspectivas sombrias para a humanidade como um todo. Progressivamente, os robôs substituirão a mão de obra atual, criando multidões de inúteis cuja sobrevivência estará ameaçada. Caminha-se para um mundo onde pequenas elites dominarão massas de excluídos, por serem as únicas que terão acesso às benesses do progresso.

Para evitar esse risco devemos aproveitar a pandemia, que nos assusta diariamente com a morte e certamente mudará nossa realidade subjetiva e nossos modelos mentais, para criar uma nova sociedade, na qual possamos conviver de forma mais justa e humana com o progresso, que nos confunde e assusta.

Para nós, brasileiros, a mudança se faz particularmente necessária. De um lado, dados do IBGE e do Oxfam, mostram que 6,5% da população vive em condições de miséria (menos de U$ 1 por dia) e que o patrimônio de apenas cinco empresários corresponde à renda de 100 milhões de menos favorecidos. De outro, apenas 1,27% do nosso PIB é destinado a pesquisa e desenvolvimento, enquanto em outros países, como a Coreia do Sul, é de 4,23%.

Nesse sentido, alguns fatos recentes são animadores. Um empresário brasileiro aderiu a The Giving Pledge, fundada por Bill Gates e Warren Buffett, que reúne bilionários que destinam em vida 60% de seu patrimônio para fins filantrópicos e inovação tecnológica. Outros, também brasileiros, como noticiou este jornal em 9/8, estão destinando parte de seus bens para o mesmo fim.

Entretanto, para remodelar nossa estrutura social devemos considerar alguns princípios gerais que a História também nos ensina. Não devemos moldar o futuro olhando apenas para o passado, uma vez que a mente humana se move mais por expectativas do que por conquistas já alcançadas. O importante não é saber onde estamos, mas para onde estamos indo. Bem dizia Sêneca, “não existe vento favorável para o marinheiro que não sabe para onde vai”.

Assim, devemos aproveitar a tristeza e o desalento causados pela covid-19 para criar uma nova realidade mais justa, com menos sofrimento. Se ao mesmo tempo aumentarmos o incentivo à pesquisa e inovação, quem sabe oferecendo vantagens fiscais adicionais, seguramente abriremos novos horizontes para nós e nossos filhos. 

É possível que ao tentar alcançar esses objetivos enfrentemos dificuldades, incompreensões e resistências. Mas não devemos desanimar. A vida ou é uma aventura audaciosa, ou não é nada. 

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP

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