Opinião|Em meio à segunda guerra fria, estratégia verde é um caminho para o Brasil


País não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas

Por Mariya Brussevich

“Estamos vivendo a segunda guerra fria?” Essa foi a declaração de abertura da primeira subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, no Congresso Mundial da Associação Internacional de Economia, do qual participei, em Medellín, Colômbia, em dezembro do ano passado. Um dos maiores encontros de economistas do mundo teve como tema a fragmentação geopolítica e econômica, lançando luz sobre os crescentes desentendimentos globais, como a luta pelo poder entre EUA e China e suas ramificações.

O processo multifacetado de transição de poder dos EUA para a China foi em grande parte moldado pelo crescimento exponencial chinês nos anos 2000. A grande população chinesa, as políticas voltadas para exportação, a transição para uma economia de mercado e, principalmente, o foco em inovação tecnológica permitiram que a China se tornasse a segunda maior economia do mundo. À medida que a habilidade desse país crescia, sua influência geopolítica se expandia, buscando um papel mais assertivo em áreas como comércio, desenvolvimento de infraestrutura, investimento e diplomacia global. Os EUA, após décadas se beneficiando de importações de manufaturas baratas da China, despertaram para uma nova realidade na qual tal potência é uma poderosa rival tanto na arena tecnológica quanto na geopolítica.

A corrida pela supremacia tecnológica ocupa um papel central nas crescentes tensões entre China e EUA. Ambos os países focam em estabelecer supremacia em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações 5G. Além disso, a rápida integração dessas tecnologias em praticamente todas as esferas da economia levanta sérias preocupações em relação à segurança nacional. Os EUA tomaram medidas para reduzir sua dependência de tecnologias chinesas, incluindo o controle de exportações e políticas internas para expandir sua capacidade tecnológica. Nos últimos dois anos, o foco em esforços de contenção de risco e estratégias de desvinculação com a China se intensificaram. Essa mudança é evidenciada em suas rotas comerciais se diversificando para nações como Vietnã e México.

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A rivalidade tecnológica entre essas duas potências se entrelaça com a competição geopolítica e as diferenças ideológicas. As duas nações têm visões conflitantes sobre governança, direitos humanos e o papel da tecnologia na sociedade. Após a invasão da Rússia à Ucrânia, as tensões entre elas se acentuam e o mundo se divide cada vez mais em dois blocos distintos: o bloco ocidental, compreendendo os EUA, Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; e o oriental, abrangendo China, Rússia, Belarus, Mali, Nicarágua e Síria; ficando de fora um segmento de países não alinhados ou “terceiros” (uma classificação feita por Gunes Gokmen num artigo de 2017, publicado no Journal of Development Economics).

Entre os países não alinhados, permanece incerto se mesmo as nações que os EUA consideram “amigáveis” os seguirão inequivocamente. Países como o Brasil precisam ponderar seus laços diplomáticos com os EUA em relação à sua substancial dependência comercial da China. Historicamente, o Brasil tem sido bem-sucedido em manter uma atitude flexível em seus relacionamentos com Washington e Pequim, evitando uma aproximação excessiva com qualquer um dos dois poderes. No entanto, à medida que a segunda guerra fria se intensifica, manter esse equilíbrio torna-se mais difícil e a pressão para “escolher lados” aumenta – fato que se torna aparente em votações do Conselho da ONU sobre questões geopolíticas.

No entanto, o Brasil tem a oportunidade de se beneficiar com essa divisão mundial, se calibrar sua estratégia de forma otimizada. Não, o Brasil não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas, que é o problema das mudanças climáticas. É óbvio que as consequências das mudanças climáticas não respeitam fronteiras nacionais. No entanto, com base na recente experiência da COP-28, o mundo carece de uma liderança clara que impulsione o progresso e unifique esforços para alcançar o objetivo comum.

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O Brasil está perfeitamente posicionado para liderar a iniciativa da causa climática e facilitar os acordos necessários entre países em campos opostos e países não alinhados. Em primeiro lugar, em razão das características naturais, é estratégico desempenhar um papel crucial no processo global de transição verde. A prevenção do desmatamento, além de representar um triunfo diplomático para o Brasil, atrairia apoio financeiro substancial de atores globais como a União Europeia. Além disso, o Brasil poderia lucrar com seus grandes depósitos de minerais, extremamente relevantes para o clima.

Em segundo lugar, o Brasil pode liderar a criação de um chamado “corredor verde”, que englobaria um acordo multilateral para manter o fluxo de componentes críticos para a produção, por exemplo, de veículos elétricos e painéis solares. Em meio a esta turbulência geopolítica, deve ser prioridade estabelecer um fluxo ininterrupto de tecnologias e commodities essenciais necessárias para a transição para a energia limpa. Dessa forma, o Brasil ocuparia justamente o centro do palco da diplomacia global, promovendo a cooperação além de divisões geopolíticas.

Para concluir, enquanto o mundo enfrenta uma fragmentação geopolítica, o Brasil está numa encruzilhada. Isso exige do País uma estratégia cuidadosa que proteja seus interesses econômicos e advogue por esforços colaborativos globais, especialmente esforços que visem a garantir ações coordenadas na mitigação das mudanças climáticas. A busca por um “corredor verde” poderia servir como um farol de esperança em meio às crescentes tensões, oferecendo um caminho para a prosperidade global compartilhada além das limitações das rupturas políticas.

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PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE PURDUE, É PROFESSORA DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ECONOMIA DO IBMEC-RJ

“Estamos vivendo a segunda guerra fria?” Essa foi a declaração de abertura da primeira subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, no Congresso Mundial da Associação Internacional de Economia, do qual participei, em Medellín, Colômbia, em dezembro do ano passado. Um dos maiores encontros de economistas do mundo teve como tema a fragmentação geopolítica e econômica, lançando luz sobre os crescentes desentendimentos globais, como a luta pelo poder entre EUA e China e suas ramificações.

O processo multifacetado de transição de poder dos EUA para a China foi em grande parte moldado pelo crescimento exponencial chinês nos anos 2000. A grande população chinesa, as políticas voltadas para exportação, a transição para uma economia de mercado e, principalmente, o foco em inovação tecnológica permitiram que a China se tornasse a segunda maior economia do mundo. À medida que a habilidade desse país crescia, sua influência geopolítica se expandia, buscando um papel mais assertivo em áreas como comércio, desenvolvimento de infraestrutura, investimento e diplomacia global. Os EUA, após décadas se beneficiando de importações de manufaturas baratas da China, despertaram para uma nova realidade na qual tal potência é uma poderosa rival tanto na arena tecnológica quanto na geopolítica.

A corrida pela supremacia tecnológica ocupa um papel central nas crescentes tensões entre China e EUA. Ambos os países focam em estabelecer supremacia em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações 5G. Além disso, a rápida integração dessas tecnologias em praticamente todas as esferas da economia levanta sérias preocupações em relação à segurança nacional. Os EUA tomaram medidas para reduzir sua dependência de tecnologias chinesas, incluindo o controle de exportações e políticas internas para expandir sua capacidade tecnológica. Nos últimos dois anos, o foco em esforços de contenção de risco e estratégias de desvinculação com a China se intensificaram. Essa mudança é evidenciada em suas rotas comerciais se diversificando para nações como Vietnã e México.

A rivalidade tecnológica entre essas duas potências se entrelaça com a competição geopolítica e as diferenças ideológicas. As duas nações têm visões conflitantes sobre governança, direitos humanos e o papel da tecnologia na sociedade. Após a invasão da Rússia à Ucrânia, as tensões entre elas se acentuam e o mundo se divide cada vez mais em dois blocos distintos: o bloco ocidental, compreendendo os EUA, Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; e o oriental, abrangendo China, Rússia, Belarus, Mali, Nicarágua e Síria; ficando de fora um segmento de países não alinhados ou “terceiros” (uma classificação feita por Gunes Gokmen num artigo de 2017, publicado no Journal of Development Economics).

Entre os países não alinhados, permanece incerto se mesmo as nações que os EUA consideram “amigáveis” os seguirão inequivocamente. Países como o Brasil precisam ponderar seus laços diplomáticos com os EUA em relação à sua substancial dependência comercial da China. Historicamente, o Brasil tem sido bem-sucedido em manter uma atitude flexível em seus relacionamentos com Washington e Pequim, evitando uma aproximação excessiva com qualquer um dos dois poderes. No entanto, à medida que a segunda guerra fria se intensifica, manter esse equilíbrio torna-se mais difícil e a pressão para “escolher lados” aumenta – fato que se torna aparente em votações do Conselho da ONU sobre questões geopolíticas.

No entanto, o Brasil tem a oportunidade de se beneficiar com essa divisão mundial, se calibrar sua estratégia de forma otimizada. Não, o Brasil não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas, que é o problema das mudanças climáticas. É óbvio que as consequências das mudanças climáticas não respeitam fronteiras nacionais. No entanto, com base na recente experiência da COP-28, o mundo carece de uma liderança clara que impulsione o progresso e unifique esforços para alcançar o objetivo comum.

O Brasil está perfeitamente posicionado para liderar a iniciativa da causa climática e facilitar os acordos necessários entre países em campos opostos e países não alinhados. Em primeiro lugar, em razão das características naturais, é estratégico desempenhar um papel crucial no processo global de transição verde. A prevenção do desmatamento, além de representar um triunfo diplomático para o Brasil, atrairia apoio financeiro substancial de atores globais como a União Europeia. Além disso, o Brasil poderia lucrar com seus grandes depósitos de minerais, extremamente relevantes para o clima.

Em segundo lugar, o Brasil pode liderar a criação de um chamado “corredor verde”, que englobaria um acordo multilateral para manter o fluxo de componentes críticos para a produção, por exemplo, de veículos elétricos e painéis solares. Em meio a esta turbulência geopolítica, deve ser prioridade estabelecer um fluxo ininterrupto de tecnologias e commodities essenciais necessárias para a transição para a energia limpa. Dessa forma, o Brasil ocuparia justamente o centro do palco da diplomacia global, promovendo a cooperação além de divisões geopolíticas.

Para concluir, enquanto o mundo enfrenta uma fragmentação geopolítica, o Brasil está numa encruzilhada. Isso exige do País uma estratégia cuidadosa que proteja seus interesses econômicos e advogue por esforços colaborativos globais, especialmente esforços que visem a garantir ações coordenadas na mitigação das mudanças climáticas. A busca por um “corredor verde” poderia servir como um farol de esperança em meio às crescentes tensões, oferecendo um caminho para a prosperidade global compartilhada além das limitações das rupturas políticas.

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PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE PURDUE, É PROFESSORA DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ECONOMIA DO IBMEC-RJ

“Estamos vivendo a segunda guerra fria?” Essa foi a declaração de abertura da primeira subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, no Congresso Mundial da Associação Internacional de Economia, do qual participei, em Medellín, Colômbia, em dezembro do ano passado. Um dos maiores encontros de economistas do mundo teve como tema a fragmentação geopolítica e econômica, lançando luz sobre os crescentes desentendimentos globais, como a luta pelo poder entre EUA e China e suas ramificações.

O processo multifacetado de transição de poder dos EUA para a China foi em grande parte moldado pelo crescimento exponencial chinês nos anos 2000. A grande população chinesa, as políticas voltadas para exportação, a transição para uma economia de mercado e, principalmente, o foco em inovação tecnológica permitiram que a China se tornasse a segunda maior economia do mundo. À medida que a habilidade desse país crescia, sua influência geopolítica se expandia, buscando um papel mais assertivo em áreas como comércio, desenvolvimento de infraestrutura, investimento e diplomacia global. Os EUA, após décadas se beneficiando de importações de manufaturas baratas da China, despertaram para uma nova realidade na qual tal potência é uma poderosa rival tanto na arena tecnológica quanto na geopolítica.

A corrida pela supremacia tecnológica ocupa um papel central nas crescentes tensões entre China e EUA. Ambos os países focam em estabelecer supremacia em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações 5G. Além disso, a rápida integração dessas tecnologias em praticamente todas as esferas da economia levanta sérias preocupações em relação à segurança nacional. Os EUA tomaram medidas para reduzir sua dependência de tecnologias chinesas, incluindo o controle de exportações e políticas internas para expandir sua capacidade tecnológica. Nos últimos dois anos, o foco em esforços de contenção de risco e estratégias de desvinculação com a China se intensificaram. Essa mudança é evidenciada em suas rotas comerciais se diversificando para nações como Vietnã e México.

A rivalidade tecnológica entre essas duas potências se entrelaça com a competição geopolítica e as diferenças ideológicas. As duas nações têm visões conflitantes sobre governança, direitos humanos e o papel da tecnologia na sociedade. Após a invasão da Rússia à Ucrânia, as tensões entre elas se acentuam e o mundo se divide cada vez mais em dois blocos distintos: o bloco ocidental, compreendendo os EUA, Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; e o oriental, abrangendo China, Rússia, Belarus, Mali, Nicarágua e Síria; ficando de fora um segmento de países não alinhados ou “terceiros” (uma classificação feita por Gunes Gokmen num artigo de 2017, publicado no Journal of Development Economics).

Entre os países não alinhados, permanece incerto se mesmo as nações que os EUA consideram “amigáveis” os seguirão inequivocamente. Países como o Brasil precisam ponderar seus laços diplomáticos com os EUA em relação à sua substancial dependência comercial da China. Historicamente, o Brasil tem sido bem-sucedido em manter uma atitude flexível em seus relacionamentos com Washington e Pequim, evitando uma aproximação excessiva com qualquer um dos dois poderes. No entanto, à medida que a segunda guerra fria se intensifica, manter esse equilíbrio torna-se mais difícil e a pressão para “escolher lados” aumenta – fato que se torna aparente em votações do Conselho da ONU sobre questões geopolíticas.

No entanto, o Brasil tem a oportunidade de se beneficiar com essa divisão mundial, se calibrar sua estratégia de forma otimizada. Não, o Brasil não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas, que é o problema das mudanças climáticas. É óbvio que as consequências das mudanças climáticas não respeitam fronteiras nacionais. No entanto, com base na recente experiência da COP-28, o mundo carece de uma liderança clara que impulsione o progresso e unifique esforços para alcançar o objetivo comum.

O Brasil está perfeitamente posicionado para liderar a iniciativa da causa climática e facilitar os acordos necessários entre países em campos opostos e países não alinhados. Em primeiro lugar, em razão das características naturais, é estratégico desempenhar um papel crucial no processo global de transição verde. A prevenção do desmatamento, além de representar um triunfo diplomático para o Brasil, atrairia apoio financeiro substancial de atores globais como a União Europeia. Além disso, o Brasil poderia lucrar com seus grandes depósitos de minerais, extremamente relevantes para o clima.

Em segundo lugar, o Brasil pode liderar a criação de um chamado “corredor verde”, que englobaria um acordo multilateral para manter o fluxo de componentes críticos para a produção, por exemplo, de veículos elétricos e painéis solares. Em meio a esta turbulência geopolítica, deve ser prioridade estabelecer um fluxo ininterrupto de tecnologias e commodities essenciais necessárias para a transição para a energia limpa. Dessa forma, o Brasil ocuparia justamente o centro do palco da diplomacia global, promovendo a cooperação além de divisões geopolíticas.

Para concluir, enquanto o mundo enfrenta uma fragmentação geopolítica, o Brasil está numa encruzilhada. Isso exige do País uma estratégia cuidadosa que proteja seus interesses econômicos e advogue por esforços colaborativos globais, especialmente esforços que visem a garantir ações coordenadas na mitigação das mudanças climáticas. A busca por um “corredor verde” poderia servir como um farol de esperança em meio às crescentes tensões, oferecendo um caminho para a prosperidade global compartilhada além das limitações das rupturas políticas.

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PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE PURDUE, É PROFESSORA DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ECONOMIA DO IBMEC-RJ

“Estamos vivendo a segunda guerra fria?” Essa foi a declaração de abertura da primeira subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, no Congresso Mundial da Associação Internacional de Economia, do qual participei, em Medellín, Colômbia, em dezembro do ano passado. Um dos maiores encontros de economistas do mundo teve como tema a fragmentação geopolítica e econômica, lançando luz sobre os crescentes desentendimentos globais, como a luta pelo poder entre EUA e China e suas ramificações.

O processo multifacetado de transição de poder dos EUA para a China foi em grande parte moldado pelo crescimento exponencial chinês nos anos 2000. A grande população chinesa, as políticas voltadas para exportação, a transição para uma economia de mercado e, principalmente, o foco em inovação tecnológica permitiram que a China se tornasse a segunda maior economia do mundo. À medida que a habilidade desse país crescia, sua influência geopolítica se expandia, buscando um papel mais assertivo em áreas como comércio, desenvolvimento de infraestrutura, investimento e diplomacia global. Os EUA, após décadas se beneficiando de importações de manufaturas baratas da China, despertaram para uma nova realidade na qual tal potência é uma poderosa rival tanto na arena tecnológica quanto na geopolítica.

A corrida pela supremacia tecnológica ocupa um papel central nas crescentes tensões entre China e EUA. Ambos os países focam em estabelecer supremacia em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações 5G. Além disso, a rápida integração dessas tecnologias em praticamente todas as esferas da economia levanta sérias preocupações em relação à segurança nacional. Os EUA tomaram medidas para reduzir sua dependência de tecnologias chinesas, incluindo o controle de exportações e políticas internas para expandir sua capacidade tecnológica. Nos últimos dois anos, o foco em esforços de contenção de risco e estratégias de desvinculação com a China se intensificaram. Essa mudança é evidenciada em suas rotas comerciais se diversificando para nações como Vietnã e México.

A rivalidade tecnológica entre essas duas potências se entrelaça com a competição geopolítica e as diferenças ideológicas. As duas nações têm visões conflitantes sobre governança, direitos humanos e o papel da tecnologia na sociedade. Após a invasão da Rússia à Ucrânia, as tensões entre elas se acentuam e o mundo se divide cada vez mais em dois blocos distintos: o bloco ocidental, compreendendo os EUA, Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; e o oriental, abrangendo China, Rússia, Belarus, Mali, Nicarágua e Síria; ficando de fora um segmento de países não alinhados ou “terceiros” (uma classificação feita por Gunes Gokmen num artigo de 2017, publicado no Journal of Development Economics).

Entre os países não alinhados, permanece incerto se mesmo as nações que os EUA consideram “amigáveis” os seguirão inequivocamente. Países como o Brasil precisam ponderar seus laços diplomáticos com os EUA em relação à sua substancial dependência comercial da China. Historicamente, o Brasil tem sido bem-sucedido em manter uma atitude flexível em seus relacionamentos com Washington e Pequim, evitando uma aproximação excessiva com qualquer um dos dois poderes. No entanto, à medida que a segunda guerra fria se intensifica, manter esse equilíbrio torna-se mais difícil e a pressão para “escolher lados” aumenta – fato que se torna aparente em votações do Conselho da ONU sobre questões geopolíticas.

No entanto, o Brasil tem a oportunidade de se beneficiar com essa divisão mundial, se calibrar sua estratégia de forma otimizada. Não, o Brasil não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas, que é o problema das mudanças climáticas. É óbvio que as consequências das mudanças climáticas não respeitam fronteiras nacionais. No entanto, com base na recente experiência da COP-28, o mundo carece de uma liderança clara que impulsione o progresso e unifique esforços para alcançar o objetivo comum.

O Brasil está perfeitamente posicionado para liderar a iniciativa da causa climática e facilitar os acordos necessários entre países em campos opostos e países não alinhados. Em primeiro lugar, em razão das características naturais, é estratégico desempenhar um papel crucial no processo global de transição verde. A prevenção do desmatamento, além de representar um triunfo diplomático para o Brasil, atrairia apoio financeiro substancial de atores globais como a União Europeia. Além disso, o Brasil poderia lucrar com seus grandes depósitos de minerais, extremamente relevantes para o clima.

Em segundo lugar, o Brasil pode liderar a criação de um chamado “corredor verde”, que englobaria um acordo multilateral para manter o fluxo de componentes críticos para a produção, por exemplo, de veículos elétricos e painéis solares. Em meio a esta turbulência geopolítica, deve ser prioridade estabelecer um fluxo ininterrupto de tecnologias e commodities essenciais necessárias para a transição para a energia limpa. Dessa forma, o Brasil ocuparia justamente o centro do palco da diplomacia global, promovendo a cooperação além de divisões geopolíticas.

Para concluir, enquanto o mundo enfrenta uma fragmentação geopolítica, o Brasil está numa encruzilhada. Isso exige do País uma estratégia cuidadosa que proteja seus interesses econômicos e advogue por esforços colaborativos globais, especialmente esforços que visem a garantir ações coordenadas na mitigação das mudanças climáticas. A busca por um “corredor verde” poderia servir como um farol de esperança em meio às crescentes tensões, oferecendo um caminho para a prosperidade global compartilhada além das limitações das rupturas políticas.

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“Estamos vivendo a segunda guerra fria?” Essa foi a declaração de abertura da primeira subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, no Congresso Mundial da Associação Internacional de Economia, do qual participei, em Medellín, Colômbia, em dezembro do ano passado. Um dos maiores encontros de economistas do mundo teve como tema a fragmentação geopolítica e econômica, lançando luz sobre os crescentes desentendimentos globais, como a luta pelo poder entre EUA e China e suas ramificações.

O processo multifacetado de transição de poder dos EUA para a China foi em grande parte moldado pelo crescimento exponencial chinês nos anos 2000. A grande população chinesa, as políticas voltadas para exportação, a transição para uma economia de mercado e, principalmente, o foco em inovação tecnológica permitiram que a China se tornasse a segunda maior economia do mundo. À medida que a habilidade desse país crescia, sua influência geopolítica se expandia, buscando um papel mais assertivo em áreas como comércio, desenvolvimento de infraestrutura, investimento e diplomacia global. Os EUA, após décadas se beneficiando de importações de manufaturas baratas da China, despertaram para uma nova realidade na qual tal potência é uma poderosa rival tanto na arena tecnológica quanto na geopolítica.

A corrida pela supremacia tecnológica ocupa um papel central nas crescentes tensões entre China e EUA. Ambos os países focam em estabelecer supremacia em tecnologias de ponta, como inteligência artificial, biotecnologia e telecomunicações 5G. Além disso, a rápida integração dessas tecnologias em praticamente todas as esferas da economia levanta sérias preocupações em relação à segurança nacional. Os EUA tomaram medidas para reduzir sua dependência de tecnologias chinesas, incluindo o controle de exportações e políticas internas para expandir sua capacidade tecnológica. Nos últimos dois anos, o foco em esforços de contenção de risco e estratégias de desvinculação com a China se intensificaram. Essa mudança é evidenciada em suas rotas comerciais se diversificando para nações como Vietnã e México.

A rivalidade tecnológica entre essas duas potências se entrelaça com a competição geopolítica e as diferenças ideológicas. As duas nações têm visões conflitantes sobre governança, direitos humanos e o papel da tecnologia na sociedade. Após a invasão da Rússia à Ucrânia, as tensões entre elas se acentuam e o mundo se divide cada vez mais em dois blocos distintos: o bloco ocidental, compreendendo os EUA, Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; e o oriental, abrangendo China, Rússia, Belarus, Mali, Nicarágua e Síria; ficando de fora um segmento de países não alinhados ou “terceiros” (uma classificação feita por Gunes Gokmen num artigo de 2017, publicado no Journal of Development Economics).

Entre os países não alinhados, permanece incerto se mesmo as nações que os EUA consideram “amigáveis” os seguirão inequivocamente. Países como o Brasil precisam ponderar seus laços diplomáticos com os EUA em relação à sua substancial dependência comercial da China. Historicamente, o Brasil tem sido bem-sucedido em manter uma atitude flexível em seus relacionamentos com Washington e Pequim, evitando uma aproximação excessiva com qualquer um dos dois poderes. No entanto, à medida que a segunda guerra fria se intensifica, manter esse equilíbrio torna-se mais difícil e a pressão para “escolher lados” aumenta – fato que se torna aparente em votações do Conselho da ONU sobre questões geopolíticas.

No entanto, o Brasil tem a oportunidade de se beneficiar com essa divisão mundial, se calibrar sua estratégia de forma otimizada. Não, o Brasil não precisa escolher lados. Em vez disso, poderia concentrar-se na questão que transcende todas as diferenças geopolíticas, que é o problema das mudanças climáticas. É óbvio que as consequências das mudanças climáticas não respeitam fronteiras nacionais. No entanto, com base na recente experiência da COP-28, o mundo carece de uma liderança clara que impulsione o progresso e unifique esforços para alcançar o objetivo comum.

O Brasil está perfeitamente posicionado para liderar a iniciativa da causa climática e facilitar os acordos necessários entre países em campos opostos e países não alinhados. Em primeiro lugar, em razão das características naturais, é estratégico desempenhar um papel crucial no processo global de transição verde. A prevenção do desmatamento, além de representar um triunfo diplomático para o Brasil, atrairia apoio financeiro substancial de atores globais como a União Europeia. Além disso, o Brasil poderia lucrar com seus grandes depósitos de minerais, extremamente relevantes para o clima.

Em segundo lugar, o Brasil pode liderar a criação de um chamado “corredor verde”, que englobaria um acordo multilateral para manter o fluxo de componentes críticos para a produção, por exemplo, de veículos elétricos e painéis solares. Em meio a esta turbulência geopolítica, deve ser prioridade estabelecer um fluxo ininterrupto de tecnologias e commodities essenciais necessárias para a transição para a energia limpa. Dessa forma, o Brasil ocuparia justamente o centro do palco da diplomacia global, promovendo a cooperação além de divisões geopolíticas.

Para concluir, enquanto o mundo enfrenta uma fragmentação geopolítica, o Brasil está numa encruzilhada. Isso exige do País uma estratégia cuidadosa que proteja seus interesses econômicos e advogue por esforços colaborativos globais, especialmente esforços que visem a garantir ações coordenadas na mitigação das mudanças climáticas. A busca por um “corredor verde” poderia servir como um farol de esperança em meio às crescentes tensões, oferecendo um caminho para a prosperidade global compartilhada além das limitações das rupturas políticas.

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PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE PURDUE, É PROFESSORA DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ECONOMIA DO IBMEC-RJ

Opinião por Mariya Brussevich

Ph.D. em Economia pela Universidade de Purdue, é professora do mestrado profissional em Economia do Ibmec-RJ

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