Opinião|Enxergando o invisível: o trabalho de cuidado no debate público


Se em 2023 as mulheres já estão sobrecarregadas e mentalmente esgotadas, como estaremos se, em uma década, a situação se mantiver? Vivemos uma crise do cuidado e ela vai se agravar

Por Maíra Liguori e Nana Lima

Foram cerca de 2,8 milhões de estudantes e um Brasil inteiro atento ao mesmo tema: trabalho de cuidado. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 trouxe os Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil como pauta da redação.

O assunto é objeto de estudo nos últimos anos na ONG Think Olga, quando criamos nosso primeiro lab chamado Economia do Cuidado, ainda durante a pandemia e num contexto de distanciamento social. De lá para cá, olhamos para a questão intensamente e nossa primeira reação com o Enem foi de surpresa e celebração pela conquista. Afinal, aprender sobre o assunto e redigir um texto que pede profundidade e argumentos no maior exame de educação do País é criar oportunidades para que as novas gerações entendam a real contribuição das mulheres e meninas e o tamanho da economia do cuidado.

O cuidado, que consome o dobro de tempo na vida das mulheres em relação à dos homens, não é visto, reconhecido e valorizado como trabalho. A consequência é a ampliação da desigualdade entre os gêneros. Precisamos que jovens, meninas e meninos, compreendam de que forma o tema impacta sua vida e seu entorno. Por isso, o domingo 5 de novembro foi tão importante. Porque vimos o cuidado preenchendo as redes, as notícias, as vozes influentes e novos espaços.

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Agora, muito mais gente entende que, quando falamos em economia do cuidado, estamos falando de planejar, administrar e realizar as tarefas domésticas; de criar e cuidar de crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência; e de garantir que todas as atividades ligadas à vida e ao bem-estar daqueles que nos cercam aconteçam. São esses trabalhos, geralmente não remunerados ou mal pagos, que permitem que todos os outros aconteçam. Para qualquer sociedade funcionar e para a economia girar, o cuidado deve acontecer primeiro.

E, atualmente, a distribuição desse trabalho ocorre de forma injusta e desproporcional. Mulheres e meninas no mundo todo dedicam cerca de 12,5 bilhões de horas todos os dias (Oxfam) nessas atividades, e são responsáveis por mais de 75% do trabalho que não é remunerado. Em média, são 21 horas por semana para elas, ante 11 horas para eles, no Brasil. Na ponta do lápis, é um trabalho que, se remunerado globalmente, equivaleria a US$ 10,8 trilhões, o que corresponde à quinta economia do mundo.

Não podemos deixar de destacar ainda que, no Brasil, a desigualdade racial agrava o contexto. Cerca de 50% das mulheres negras passaram a cuidar de alguém no contexto da pandemia. Elas também representam 65% das trabalhadoras domésticas. As mais vulneráveis ainda são as que carregam mais responsabilidade, e tendo as piores condições econômicas. Em nosso Lab Esgotadas, constatamos que as principais provedoras dos lares brasileiros são negras, das classes D e E, com mais de 55 anos.

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Este tema é urgente não apenas porque metade das mães no Brasil são mães solo, mas também porque a previsão é de que, até 2030, o número de pessoas que precisarão ser cuidadas chegue a 2,3 bilhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Se agora, em 2023, as mulheres já estão sobrecarregadas e mentalmente esgotadas, imagine como estaremos se, em uma década, a situação se mantiver? Vivemos uma crise do cuidado e ela vai se agravar.

Reconhecer a contribuição feminina e a da economia do cuidado é o primeiro passo para transformar o cenário. Redistribuir as atividades, reduzir a carga imposta sobre as mulheres e remunerar adequadamente as trabalhadoras domésticas e profissionais do cuidado também são caminhos que precisam ser trilhados. Para avançar nesse sentido, devemos agir de forma intersetorial, garantindo comprometimento e mudando a mentalidade em todas as esferas: setor público e privado, comunidades e ambientes familiares, sociedade civil e academia. É necessário, ainda, um olhar transversal para promover uma Política Nacional de Cuidado, que abrace as questões femininas, os eixos de saúdes física e mental, condições de suporte às múltiplas jornadas e o desenvolvimento social e econômico do País.

Sabemos que a jornada é longa, mas o custo de manter as estruturas atuais é maior. As mulheres e meninas já arcam com esse custo há séculos e estão esgotadas. Somar esforços em direção ao fortalecimento de todas que cuidam é o único rumo possível para um futuro melhor e mais sustentável. Para que elas, que cuidam de tudo e de todos, também possam ser cuidadas e valorizadas. Esta é a nossa causa e esperamos que, cada vez mais, também seja a das novas gerações e de múltiplas vozes em todo o Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETORA NA THINK EVA E NA ONG THINK OLGA, ORGANIZAÇÕES QUE PROMOVEM SOLUÇÕES PARA AS DESIGUALDADES DE GÊNERO VIA SOCIEDADE CIVIL OU SETOR PRIVADO; E PUBLICITÁRIA, MÃE E COFUNDADORA DA THINK EVA E DA THINK OLGA

Foram cerca de 2,8 milhões de estudantes e um Brasil inteiro atento ao mesmo tema: trabalho de cuidado. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 trouxe os Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil como pauta da redação.

O assunto é objeto de estudo nos últimos anos na ONG Think Olga, quando criamos nosso primeiro lab chamado Economia do Cuidado, ainda durante a pandemia e num contexto de distanciamento social. De lá para cá, olhamos para a questão intensamente e nossa primeira reação com o Enem foi de surpresa e celebração pela conquista. Afinal, aprender sobre o assunto e redigir um texto que pede profundidade e argumentos no maior exame de educação do País é criar oportunidades para que as novas gerações entendam a real contribuição das mulheres e meninas e o tamanho da economia do cuidado.

O cuidado, que consome o dobro de tempo na vida das mulheres em relação à dos homens, não é visto, reconhecido e valorizado como trabalho. A consequência é a ampliação da desigualdade entre os gêneros. Precisamos que jovens, meninas e meninos, compreendam de que forma o tema impacta sua vida e seu entorno. Por isso, o domingo 5 de novembro foi tão importante. Porque vimos o cuidado preenchendo as redes, as notícias, as vozes influentes e novos espaços.

Agora, muito mais gente entende que, quando falamos em economia do cuidado, estamos falando de planejar, administrar e realizar as tarefas domésticas; de criar e cuidar de crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência; e de garantir que todas as atividades ligadas à vida e ao bem-estar daqueles que nos cercam aconteçam. São esses trabalhos, geralmente não remunerados ou mal pagos, que permitem que todos os outros aconteçam. Para qualquer sociedade funcionar e para a economia girar, o cuidado deve acontecer primeiro.

E, atualmente, a distribuição desse trabalho ocorre de forma injusta e desproporcional. Mulheres e meninas no mundo todo dedicam cerca de 12,5 bilhões de horas todos os dias (Oxfam) nessas atividades, e são responsáveis por mais de 75% do trabalho que não é remunerado. Em média, são 21 horas por semana para elas, ante 11 horas para eles, no Brasil. Na ponta do lápis, é um trabalho que, se remunerado globalmente, equivaleria a US$ 10,8 trilhões, o que corresponde à quinta economia do mundo.

Não podemos deixar de destacar ainda que, no Brasil, a desigualdade racial agrava o contexto. Cerca de 50% das mulheres negras passaram a cuidar de alguém no contexto da pandemia. Elas também representam 65% das trabalhadoras domésticas. As mais vulneráveis ainda são as que carregam mais responsabilidade, e tendo as piores condições econômicas. Em nosso Lab Esgotadas, constatamos que as principais provedoras dos lares brasileiros são negras, das classes D e E, com mais de 55 anos.

Este tema é urgente não apenas porque metade das mães no Brasil são mães solo, mas também porque a previsão é de que, até 2030, o número de pessoas que precisarão ser cuidadas chegue a 2,3 bilhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Se agora, em 2023, as mulheres já estão sobrecarregadas e mentalmente esgotadas, imagine como estaremos se, em uma década, a situação se mantiver? Vivemos uma crise do cuidado e ela vai se agravar.

Reconhecer a contribuição feminina e a da economia do cuidado é o primeiro passo para transformar o cenário. Redistribuir as atividades, reduzir a carga imposta sobre as mulheres e remunerar adequadamente as trabalhadoras domésticas e profissionais do cuidado também são caminhos que precisam ser trilhados. Para avançar nesse sentido, devemos agir de forma intersetorial, garantindo comprometimento e mudando a mentalidade em todas as esferas: setor público e privado, comunidades e ambientes familiares, sociedade civil e academia. É necessário, ainda, um olhar transversal para promover uma Política Nacional de Cuidado, que abrace as questões femininas, os eixos de saúdes física e mental, condições de suporte às múltiplas jornadas e o desenvolvimento social e econômico do País.

Sabemos que a jornada é longa, mas o custo de manter as estruturas atuais é maior. As mulheres e meninas já arcam com esse custo há séculos e estão esgotadas. Somar esforços em direção ao fortalecimento de todas que cuidam é o único rumo possível para um futuro melhor e mais sustentável. Para que elas, que cuidam de tudo e de todos, também possam ser cuidadas e valorizadas. Esta é a nossa causa e esperamos que, cada vez mais, também seja a das novas gerações e de múltiplas vozes em todo o Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETORA NA THINK EVA E NA ONG THINK OLGA, ORGANIZAÇÕES QUE PROMOVEM SOLUÇÕES PARA AS DESIGUALDADES DE GÊNERO VIA SOCIEDADE CIVIL OU SETOR PRIVADO; E PUBLICITÁRIA, MÃE E COFUNDADORA DA THINK EVA E DA THINK OLGA

Foram cerca de 2,8 milhões de estudantes e um Brasil inteiro atento ao mesmo tema: trabalho de cuidado. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 trouxe os Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil como pauta da redação.

O assunto é objeto de estudo nos últimos anos na ONG Think Olga, quando criamos nosso primeiro lab chamado Economia do Cuidado, ainda durante a pandemia e num contexto de distanciamento social. De lá para cá, olhamos para a questão intensamente e nossa primeira reação com o Enem foi de surpresa e celebração pela conquista. Afinal, aprender sobre o assunto e redigir um texto que pede profundidade e argumentos no maior exame de educação do País é criar oportunidades para que as novas gerações entendam a real contribuição das mulheres e meninas e o tamanho da economia do cuidado.

O cuidado, que consome o dobro de tempo na vida das mulheres em relação à dos homens, não é visto, reconhecido e valorizado como trabalho. A consequência é a ampliação da desigualdade entre os gêneros. Precisamos que jovens, meninas e meninos, compreendam de que forma o tema impacta sua vida e seu entorno. Por isso, o domingo 5 de novembro foi tão importante. Porque vimos o cuidado preenchendo as redes, as notícias, as vozes influentes e novos espaços.

Agora, muito mais gente entende que, quando falamos em economia do cuidado, estamos falando de planejar, administrar e realizar as tarefas domésticas; de criar e cuidar de crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência; e de garantir que todas as atividades ligadas à vida e ao bem-estar daqueles que nos cercam aconteçam. São esses trabalhos, geralmente não remunerados ou mal pagos, que permitem que todos os outros aconteçam. Para qualquer sociedade funcionar e para a economia girar, o cuidado deve acontecer primeiro.

E, atualmente, a distribuição desse trabalho ocorre de forma injusta e desproporcional. Mulheres e meninas no mundo todo dedicam cerca de 12,5 bilhões de horas todos os dias (Oxfam) nessas atividades, e são responsáveis por mais de 75% do trabalho que não é remunerado. Em média, são 21 horas por semana para elas, ante 11 horas para eles, no Brasil. Na ponta do lápis, é um trabalho que, se remunerado globalmente, equivaleria a US$ 10,8 trilhões, o que corresponde à quinta economia do mundo.

Não podemos deixar de destacar ainda que, no Brasil, a desigualdade racial agrava o contexto. Cerca de 50% das mulheres negras passaram a cuidar de alguém no contexto da pandemia. Elas também representam 65% das trabalhadoras domésticas. As mais vulneráveis ainda são as que carregam mais responsabilidade, e tendo as piores condições econômicas. Em nosso Lab Esgotadas, constatamos que as principais provedoras dos lares brasileiros são negras, das classes D e E, com mais de 55 anos.

Este tema é urgente não apenas porque metade das mães no Brasil são mães solo, mas também porque a previsão é de que, até 2030, o número de pessoas que precisarão ser cuidadas chegue a 2,3 bilhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Se agora, em 2023, as mulheres já estão sobrecarregadas e mentalmente esgotadas, imagine como estaremos se, em uma década, a situação se mantiver? Vivemos uma crise do cuidado e ela vai se agravar.

Reconhecer a contribuição feminina e a da economia do cuidado é o primeiro passo para transformar o cenário. Redistribuir as atividades, reduzir a carga imposta sobre as mulheres e remunerar adequadamente as trabalhadoras domésticas e profissionais do cuidado também são caminhos que precisam ser trilhados. Para avançar nesse sentido, devemos agir de forma intersetorial, garantindo comprometimento e mudando a mentalidade em todas as esferas: setor público e privado, comunidades e ambientes familiares, sociedade civil e academia. É necessário, ainda, um olhar transversal para promover uma Política Nacional de Cuidado, que abrace as questões femininas, os eixos de saúdes física e mental, condições de suporte às múltiplas jornadas e o desenvolvimento social e econômico do País.

Sabemos que a jornada é longa, mas o custo de manter as estruturas atuais é maior. As mulheres e meninas já arcam com esse custo há séculos e estão esgotadas. Somar esforços em direção ao fortalecimento de todas que cuidam é o único rumo possível para um futuro melhor e mais sustentável. Para que elas, que cuidam de tudo e de todos, também possam ser cuidadas e valorizadas. Esta é a nossa causa e esperamos que, cada vez mais, também seja a das novas gerações e de múltiplas vozes em todo o Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETORA NA THINK EVA E NA ONG THINK OLGA, ORGANIZAÇÕES QUE PROMOVEM SOLUÇÕES PARA AS DESIGUALDADES DE GÊNERO VIA SOCIEDADE CIVIL OU SETOR PRIVADO; E PUBLICITÁRIA, MÃE E COFUNDADORA DA THINK EVA E DA THINK OLGA

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