Opinião|Eu sou da velha guarda


Continuo tendo horror à censura. E certeza absoluta da sua malignidade

Por Fernão Lara Mesquita

Na quarta-feira 29/7, este jornal publicou o editorial O papel da AGU, em que toma posição a favor da censura e prisão de blogueiros e jornalistas decretada por Alexandre de Moraes. É o “novo normal”. Nestes tempos de “cancelamentos”, constato que de renomados professores de jornalismo aos seus jovens alunos que aparecem nas TVs restam uns poucos que ainda mostram alguma hesitação em endossar a caçada do STF aos colegas ditos “antidemocráticos”.

Como meu sobrenome continua sendo confundido com as opiniões deste jornal, pelas quais sou frequentemente cobrado, recordo aos leitores do presente e aos historiadores do futuro que desde a morte de Ruy Mesquita, em maio de 2013, nenhuma linha do que O Estado de S. Paulo publica tem orientação direta ou indireta de qualquer membro da família Mesquita, com exceção dos artigos assinados eventualmente publicados nesta página reservada às que “não refletem as opiniões do jornal”. Estas estão a cargo de uma equipe contratada pelos administradores do Grupo Estado para prestar-lhes o serviço de opinar e escrever editoriais.

Custou-me uma negociação o “eu” desse título. Sei que vai contra todos os cânones da internet, o Templo Sagrado do Ego, mas disciplinei toda a minha vida profissional para não pensar nem escrever na primeira pessoa. Tinha jornais por instituições e, enquanto foi a mim que coube falar por eles, falava pelo 4.º Poder da República e, ainda por cima, num órgão que já vinha “falando” havia três gerações antes de eu existir e, portanto, tinha peso político e personalidade próprios de que não me sentia no direito de me apropriar, esforçava-me tão somente por interpretar.

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Os tempos são outros, mas as questões de princípio permanecem as mesmas.

Os anões morais têm especial predileção pela censura. Veremos como o mundo enfrenta a megalomania do nosso e que outro método de intimidação, com todo o peso do Leviatã brasileiro, usará para manter calados uma menina meio tresloucada que gosta de tatuagens e mais dois ou três blogueiros e jornalistas. Seja como for, é uma briga desproporcional o bastante para dispensar a ajuda da imprensa que, ao disputar para apontar ao inquisidor os meios que essas temíveis “ameaças ao estado democrático de direito” encontram para driblar os cala-bocas impostos, assanha-lhe os piores instintos.

Já vi esse filme antes. Júlio de Mesquita Filho, meu avô, foi preso 17 vezes e exilado duas pelo Alexandre de Moraes de seu tempo que também era fascista e também se tornou herói da esquerda brasileira (os radicais sempre foram gêmeos idênticos). E não parou nisso, como também não vai parar o de hoje. Em 25 de março de 1940, faltando menos de três meses para Getúlio Vargas saudar o desfile das tropas nazistas por baixo do Arco do Triunfo da Étoile, em Paris, como “Uma nova aurora para a humanidade...”, discurso desaparecido dos anais, mas do qual havia memória viva em minha casa, este jornal foi invadido por soldados de baioneta calada. Dos dois Mesquitas que na época eram, sim, responsáveis pela opinião d’O Estado, o jornalista, Júlio, já estava no segundo exílio, fora do Brasil, e seu irmão, Francisco, que guardava a trincheira, saiu dali para a cadeia.

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Eis por que quando iniciei formalmente a carreira de jornalista, nos idos de 1974, os editoriais d’O Estado ainda eram redigidos, entre outros profissionais do texto, por comunistas exilados de Portugal pela ditadura de Salazar e abrigados por Júlio de Mesquita Filho, morto cinco anos antes. Eles não se afinavam com nenhuma das nossas ideias nem nós com as deles, mas trabalhávamos juntos numa boa. Os portugueses aportando vernáculo ao jornalão e o jornalão, na sua inflexível fé democrática, abrigando os perseguidos políticos, prática que se tornara norma sagrada da empresa desde que seus legítimos donos, ao fim de 15 anos de misérias e perseguições, reouveram o jornal, todos driblando juntos os censores da ditadura seguinte, que denunciavam com a publicação de receitas culinárias e versos de Camões no lugar de cada matéria censurada.

Antes disso, vira esconder em meu quarto de adolescente, na casa de meu pai, jornalistas perseguidos pelo regime militar (editorialistas entre eles). E já como jornalista “militante” me envolvi pessoalmente em articulações para tirar outros da cadeia ou para contrabandear para fora do País meninas doidinhas com a cabeça a prêmio por darem passos além do limite nas suas ações de oposição ao regime, frequentemente com o concurso de uma OAB que, naquele tempo – vejam vocês! – trabalhava para soltar, e não para prender perseguidos políticos.

Assim, ainda que seja mais raro a cada dia eu ter certezas, esta, sem nenhum heroísmo, mantenho intacta. A História já me absolveu. Não há exceções. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das ideias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular. Continuo tendo horror à censura. E certeza absoluta da sua malignidade. Fosse por mim, este jornal estaria como sempre: contratando os jornalistas “cancelados” e dando guarida a todo e qualquer perseguido político.

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JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Na quarta-feira 29/7, este jornal publicou o editorial O papel da AGU, em que toma posição a favor da censura e prisão de blogueiros e jornalistas decretada por Alexandre de Moraes. É o “novo normal”. Nestes tempos de “cancelamentos”, constato que de renomados professores de jornalismo aos seus jovens alunos que aparecem nas TVs restam uns poucos que ainda mostram alguma hesitação em endossar a caçada do STF aos colegas ditos “antidemocráticos”.

Como meu sobrenome continua sendo confundido com as opiniões deste jornal, pelas quais sou frequentemente cobrado, recordo aos leitores do presente e aos historiadores do futuro que desde a morte de Ruy Mesquita, em maio de 2013, nenhuma linha do que O Estado de S. Paulo publica tem orientação direta ou indireta de qualquer membro da família Mesquita, com exceção dos artigos assinados eventualmente publicados nesta página reservada às que “não refletem as opiniões do jornal”. Estas estão a cargo de uma equipe contratada pelos administradores do Grupo Estado para prestar-lhes o serviço de opinar e escrever editoriais.

Custou-me uma negociação o “eu” desse título. Sei que vai contra todos os cânones da internet, o Templo Sagrado do Ego, mas disciplinei toda a minha vida profissional para não pensar nem escrever na primeira pessoa. Tinha jornais por instituições e, enquanto foi a mim que coube falar por eles, falava pelo 4.º Poder da República e, ainda por cima, num órgão que já vinha “falando” havia três gerações antes de eu existir e, portanto, tinha peso político e personalidade próprios de que não me sentia no direito de me apropriar, esforçava-me tão somente por interpretar.

Os tempos são outros, mas as questões de princípio permanecem as mesmas.

Os anões morais têm especial predileção pela censura. Veremos como o mundo enfrenta a megalomania do nosso e que outro método de intimidação, com todo o peso do Leviatã brasileiro, usará para manter calados uma menina meio tresloucada que gosta de tatuagens e mais dois ou três blogueiros e jornalistas. Seja como for, é uma briga desproporcional o bastante para dispensar a ajuda da imprensa que, ao disputar para apontar ao inquisidor os meios que essas temíveis “ameaças ao estado democrático de direito” encontram para driblar os cala-bocas impostos, assanha-lhe os piores instintos.

Já vi esse filme antes. Júlio de Mesquita Filho, meu avô, foi preso 17 vezes e exilado duas pelo Alexandre de Moraes de seu tempo que também era fascista e também se tornou herói da esquerda brasileira (os radicais sempre foram gêmeos idênticos). E não parou nisso, como também não vai parar o de hoje. Em 25 de março de 1940, faltando menos de três meses para Getúlio Vargas saudar o desfile das tropas nazistas por baixo do Arco do Triunfo da Étoile, em Paris, como “Uma nova aurora para a humanidade...”, discurso desaparecido dos anais, mas do qual havia memória viva em minha casa, este jornal foi invadido por soldados de baioneta calada. Dos dois Mesquitas que na época eram, sim, responsáveis pela opinião d’O Estado, o jornalista, Júlio, já estava no segundo exílio, fora do Brasil, e seu irmão, Francisco, que guardava a trincheira, saiu dali para a cadeia.

Eis por que quando iniciei formalmente a carreira de jornalista, nos idos de 1974, os editoriais d’O Estado ainda eram redigidos, entre outros profissionais do texto, por comunistas exilados de Portugal pela ditadura de Salazar e abrigados por Júlio de Mesquita Filho, morto cinco anos antes. Eles não se afinavam com nenhuma das nossas ideias nem nós com as deles, mas trabalhávamos juntos numa boa. Os portugueses aportando vernáculo ao jornalão e o jornalão, na sua inflexível fé democrática, abrigando os perseguidos políticos, prática que se tornara norma sagrada da empresa desde que seus legítimos donos, ao fim de 15 anos de misérias e perseguições, reouveram o jornal, todos driblando juntos os censores da ditadura seguinte, que denunciavam com a publicação de receitas culinárias e versos de Camões no lugar de cada matéria censurada.

Antes disso, vira esconder em meu quarto de adolescente, na casa de meu pai, jornalistas perseguidos pelo regime militar (editorialistas entre eles). E já como jornalista “militante” me envolvi pessoalmente em articulações para tirar outros da cadeia ou para contrabandear para fora do País meninas doidinhas com a cabeça a prêmio por darem passos além do limite nas suas ações de oposição ao regime, frequentemente com o concurso de uma OAB que, naquele tempo – vejam vocês! – trabalhava para soltar, e não para prender perseguidos políticos.

Assim, ainda que seja mais raro a cada dia eu ter certezas, esta, sem nenhum heroísmo, mantenho intacta. A História já me absolveu. Não há exceções. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das ideias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular. Continuo tendo horror à censura. E certeza absoluta da sua malignidade. Fosse por mim, este jornal estaria como sempre: contratando os jornalistas “cancelados” e dando guarida a todo e qualquer perseguido político.

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Na quarta-feira 29/7, este jornal publicou o editorial O papel da AGU, em que toma posição a favor da censura e prisão de blogueiros e jornalistas decretada por Alexandre de Moraes. É o “novo normal”. Nestes tempos de “cancelamentos”, constato que de renomados professores de jornalismo aos seus jovens alunos que aparecem nas TVs restam uns poucos que ainda mostram alguma hesitação em endossar a caçada do STF aos colegas ditos “antidemocráticos”.

Como meu sobrenome continua sendo confundido com as opiniões deste jornal, pelas quais sou frequentemente cobrado, recordo aos leitores do presente e aos historiadores do futuro que desde a morte de Ruy Mesquita, em maio de 2013, nenhuma linha do que O Estado de S. Paulo publica tem orientação direta ou indireta de qualquer membro da família Mesquita, com exceção dos artigos assinados eventualmente publicados nesta página reservada às que “não refletem as opiniões do jornal”. Estas estão a cargo de uma equipe contratada pelos administradores do Grupo Estado para prestar-lhes o serviço de opinar e escrever editoriais.

Custou-me uma negociação o “eu” desse título. Sei que vai contra todos os cânones da internet, o Templo Sagrado do Ego, mas disciplinei toda a minha vida profissional para não pensar nem escrever na primeira pessoa. Tinha jornais por instituições e, enquanto foi a mim que coube falar por eles, falava pelo 4.º Poder da República e, ainda por cima, num órgão que já vinha “falando” havia três gerações antes de eu existir e, portanto, tinha peso político e personalidade próprios de que não me sentia no direito de me apropriar, esforçava-me tão somente por interpretar.

Os tempos são outros, mas as questões de princípio permanecem as mesmas.

Os anões morais têm especial predileção pela censura. Veremos como o mundo enfrenta a megalomania do nosso e que outro método de intimidação, com todo o peso do Leviatã brasileiro, usará para manter calados uma menina meio tresloucada que gosta de tatuagens e mais dois ou três blogueiros e jornalistas. Seja como for, é uma briga desproporcional o bastante para dispensar a ajuda da imprensa que, ao disputar para apontar ao inquisidor os meios que essas temíveis “ameaças ao estado democrático de direito” encontram para driblar os cala-bocas impostos, assanha-lhe os piores instintos.

Já vi esse filme antes. Júlio de Mesquita Filho, meu avô, foi preso 17 vezes e exilado duas pelo Alexandre de Moraes de seu tempo que também era fascista e também se tornou herói da esquerda brasileira (os radicais sempre foram gêmeos idênticos). E não parou nisso, como também não vai parar o de hoje. Em 25 de março de 1940, faltando menos de três meses para Getúlio Vargas saudar o desfile das tropas nazistas por baixo do Arco do Triunfo da Étoile, em Paris, como “Uma nova aurora para a humanidade...”, discurso desaparecido dos anais, mas do qual havia memória viva em minha casa, este jornal foi invadido por soldados de baioneta calada. Dos dois Mesquitas que na época eram, sim, responsáveis pela opinião d’O Estado, o jornalista, Júlio, já estava no segundo exílio, fora do Brasil, e seu irmão, Francisco, que guardava a trincheira, saiu dali para a cadeia.

Eis por que quando iniciei formalmente a carreira de jornalista, nos idos de 1974, os editoriais d’O Estado ainda eram redigidos, entre outros profissionais do texto, por comunistas exilados de Portugal pela ditadura de Salazar e abrigados por Júlio de Mesquita Filho, morto cinco anos antes. Eles não se afinavam com nenhuma das nossas ideias nem nós com as deles, mas trabalhávamos juntos numa boa. Os portugueses aportando vernáculo ao jornalão e o jornalão, na sua inflexível fé democrática, abrigando os perseguidos políticos, prática que se tornara norma sagrada da empresa desde que seus legítimos donos, ao fim de 15 anos de misérias e perseguições, reouveram o jornal, todos driblando juntos os censores da ditadura seguinte, que denunciavam com a publicação de receitas culinárias e versos de Camões no lugar de cada matéria censurada.

Antes disso, vira esconder em meu quarto de adolescente, na casa de meu pai, jornalistas perseguidos pelo regime militar (editorialistas entre eles). E já como jornalista “militante” me envolvi pessoalmente em articulações para tirar outros da cadeia ou para contrabandear para fora do País meninas doidinhas com a cabeça a prêmio por darem passos além do limite nas suas ações de oposição ao regime, frequentemente com o concurso de uma OAB que, naquele tempo – vejam vocês! – trabalhava para soltar, e não para prender perseguidos políticos.

Assim, ainda que seja mais raro a cada dia eu ter certezas, esta, sem nenhum heroísmo, mantenho intacta. A História já me absolveu. Não há exceções. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das ideias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular. Continuo tendo horror à censura. E certeza absoluta da sua malignidade. Fosse por mim, este jornal estaria como sempre: contratando os jornalistas “cancelados” e dando guarida a todo e qualquer perseguido político.

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Na quarta-feira 29/7, este jornal publicou o editorial O papel da AGU, em que toma posição a favor da censura e prisão de blogueiros e jornalistas decretada por Alexandre de Moraes. É o “novo normal”. Nestes tempos de “cancelamentos”, constato que de renomados professores de jornalismo aos seus jovens alunos que aparecem nas TVs restam uns poucos que ainda mostram alguma hesitação em endossar a caçada do STF aos colegas ditos “antidemocráticos”.

Como meu sobrenome continua sendo confundido com as opiniões deste jornal, pelas quais sou frequentemente cobrado, recordo aos leitores do presente e aos historiadores do futuro que desde a morte de Ruy Mesquita, em maio de 2013, nenhuma linha do que O Estado de S. Paulo publica tem orientação direta ou indireta de qualquer membro da família Mesquita, com exceção dos artigos assinados eventualmente publicados nesta página reservada às que “não refletem as opiniões do jornal”. Estas estão a cargo de uma equipe contratada pelos administradores do Grupo Estado para prestar-lhes o serviço de opinar e escrever editoriais.

Custou-me uma negociação o “eu” desse título. Sei que vai contra todos os cânones da internet, o Templo Sagrado do Ego, mas disciplinei toda a minha vida profissional para não pensar nem escrever na primeira pessoa. Tinha jornais por instituições e, enquanto foi a mim que coube falar por eles, falava pelo 4.º Poder da República e, ainda por cima, num órgão que já vinha “falando” havia três gerações antes de eu existir e, portanto, tinha peso político e personalidade próprios de que não me sentia no direito de me apropriar, esforçava-me tão somente por interpretar.

Os tempos são outros, mas as questões de princípio permanecem as mesmas.

Os anões morais têm especial predileção pela censura. Veremos como o mundo enfrenta a megalomania do nosso e que outro método de intimidação, com todo o peso do Leviatã brasileiro, usará para manter calados uma menina meio tresloucada que gosta de tatuagens e mais dois ou três blogueiros e jornalistas. Seja como for, é uma briga desproporcional o bastante para dispensar a ajuda da imprensa que, ao disputar para apontar ao inquisidor os meios que essas temíveis “ameaças ao estado democrático de direito” encontram para driblar os cala-bocas impostos, assanha-lhe os piores instintos.

Já vi esse filme antes. Júlio de Mesquita Filho, meu avô, foi preso 17 vezes e exilado duas pelo Alexandre de Moraes de seu tempo que também era fascista e também se tornou herói da esquerda brasileira (os radicais sempre foram gêmeos idênticos). E não parou nisso, como também não vai parar o de hoje. Em 25 de março de 1940, faltando menos de três meses para Getúlio Vargas saudar o desfile das tropas nazistas por baixo do Arco do Triunfo da Étoile, em Paris, como “Uma nova aurora para a humanidade...”, discurso desaparecido dos anais, mas do qual havia memória viva em minha casa, este jornal foi invadido por soldados de baioneta calada. Dos dois Mesquitas que na época eram, sim, responsáveis pela opinião d’O Estado, o jornalista, Júlio, já estava no segundo exílio, fora do Brasil, e seu irmão, Francisco, que guardava a trincheira, saiu dali para a cadeia.

Eis por que quando iniciei formalmente a carreira de jornalista, nos idos de 1974, os editoriais d’O Estado ainda eram redigidos, entre outros profissionais do texto, por comunistas exilados de Portugal pela ditadura de Salazar e abrigados por Júlio de Mesquita Filho, morto cinco anos antes. Eles não se afinavam com nenhuma das nossas ideias nem nós com as deles, mas trabalhávamos juntos numa boa. Os portugueses aportando vernáculo ao jornalão e o jornalão, na sua inflexível fé democrática, abrigando os perseguidos políticos, prática que se tornara norma sagrada da empresa desde que seus legítimos donos, ao fim de 15 anos de misérias e perseguições, reouveram o jornal, todos driblando juntos os censores da ditadura seguinte, que denunciavam com a publicação de receitas culinárias e versos de Camões no lugar de cada matéria censurada.

Antes disso, vira esconder em meu quarto de adolescente, na casa de meu pai, jornalistas perseguidos pelo regime militar (editorialistas entre eles). E já como jornalista “militante” me envolvi pessoalmente em articulações para tirar outros da cadeia ou para contrabandear para fora do País meninas doidinhas com a cabeça a prêmio por darem passos além do limite nas suas ações de oposição ao regime, frequentemente com o concurso de uma OAB que, naquele tempo – vejam vocês! – trabalhava para soltar, e não para prender perseguidos políticos.

Assim, ainda que seja mais raro a cada dia eu ter certezas, esta, sem nenhum heroísmo, mantenho intacta. A História já me absolveu. Não há exceções. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das ideias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular. Continuo tendo horror à censura. E certeza absoluta da sua malignidade. Fosse por mim, este jornal estaria como sempre: contratando os jornalistas “cancelados” e dando guarida a todo e qualquer perseguido político.

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Na quarta-feira 29/7, este jornal publicou o editorial O papel da AGU, em que toma posição a favor da censura e prisão de blogueiros e jornalistas decretada por Alexandre de Moraes. É o “novo normal”. Nestes tempos de “cancelamentos”, constato que de renomados professores de jornalismo aos seus jovens alunos que aparecem nas TVs restam uns poucos que ainda mostram alguma hesitação em endossar a caçada do STF aos colegas ditos “antidemocráticos”.

Como meu sobrenome continua sendo confundido com as opiniões deste jornal, pelas quais sou frequentemente cobrado, recordo aos leitores do presente e aos historiadores do futuro que desde a morte de Ruy Mesquita, em maio de 2013, nenhuma linha do que O Estado de S. Paulo publica tem orientação direta ou indireta de qualquer membro da família Mesquita, com exceção dos artigos assinados eventualmente publicados nesta página reservada às que “não refletem as opiniões do jornal”. Estas estão a cargo de uma equipe contratada pelos administradores do Grupo Estado para prestar-lhes o serviço de opinar e escrever editoriais.

Custou-me uma negociação o “eu” desse título. Sei que vai contra todos os cânones da internet, o Templo Sagrado do Ego, mas disciplinei toda a minha vida profissional para não pensar nem escrever na primeira pessoa. Tinha jornais por instituições e, enquanto foi a mim que coube falar por eles, falava pelo 4.º Poder da República e, ainda por cima, num órgão que já vinha “falando” havia três gerações antes de eu existir e, portanto, tinha peso político e personalidade próprios de que não me sentia no direito de me apropriar, esforçava-me tão somente por interpretar.

Os tempos são outros, mas as questões de princípio permanecem as mesmas.

Os anões morais têm especial predileção pela censura. Veremos como o mundo enfrenta a megalomania do nosso e que outro método de intimidação, com todo o peso do Leviatã brasileiro, usará para manter calados uma menina meio tresloucada que gosta de tatuagens e mais dois ou três blogueiros e jornalistas. Seja como for, é uma briga desproporcional o bastante para dispensar a ajuda da imprensa que, ao disputar para apontar ao inquisidor os meios que essas temíveis “ameaças ao estado democrático de direito” encontram para driblar os cala-bocas impostos, assanha-lhe os piores instintos.

Já vi esse filme antes. Júlio de Mesquita Filho, meu avô, foi preso 17 vezes e exilado duas pelo Alexandre de Moraes de seu tempo que também era fascista e também se tornou herói da esquerda brasileira (os radicais sempre foram gêmeos idênticos). E não parou nisso, como também não vai parar o de hoje. Em 25 de março de 1940, faltando menos de três meses para Getúlio Vargas saudar o desfile das tropas nazistas por baixo do Arco do Triunfo da Étoile, em Paris, como “Uma nova aurora para a humanidade...”, discurso desaparecido dos anais, mas do qual havia memória viva em minha casa, este jornal foi invadido por soldados de baioneta calada. Dos dois Mesquitas que na época eram, sim, responsáveis pela opinião d’O Estado, o jornalista, Júlio, já estava no segundo exílio, fora do Brasil, e seu irmão, Francisco, que guardava a trincheira, saiu dali para a cadeia.

Eis por que quando iniciei formalmente a carreira de jornalista, nos idos de 1974, os editoriais d’O Estado ainda eram redigidos, entre outros profissionais do texto, por comunistas exilados de Portugal pela ditadura de Salazar e abrigados por Júlio de Mesquita Filho, morto cinco anos antes. Eles não se afinavam com nenhuma das nossas ideias nem nós com as deles, mas trabalhávamos juntos numa boa. Os portugueses aportando vernáculo ao jornalão e o jornalão, na sua inflexível fé democrática, abrigando os perseguidos políticos, prática que se tornara norma sagrada da empresa desde que seus legítimos donos, ao fim de 15 anos de misérias e perseguições, reouveram o jornal, todos driblando juntos os censores da ditadura seguinte, que denunciavam com a publicação de receitas culinárias e versos de Camões no lugar de cada matéria censurada.

Antes disso, vira esconder em meu quarto de adolescente, na casa de meu pai, jornalistas perseguidos pelo regime militar (editorialistas entre eles). E já como jornalista “militante” me envolvi pessoalmente em articulações para tirar outros da cadeia ou para contrabandear para fora do País meninas doidinhas com a cabeça a prêmio por darem passos além do limite nas suas ações de oposição ao regime, frequentemente com o concurso de uma OAB que, naquele tempo – vejam vocês! – trabalhava para soltar, e não para prender perseguidos políticos.

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