Opinião|Eventos políticos extremos


Para quem está sem luz há dias, importa muito menos quem é o culpado, e muito mais quem está ajudando a buscar soluções

Por Eduardo Müller Monteiro e Claudio J. D. Sales

No dia 11 de outubro, última sexta-feira, a região metropolitana de São Paulo foi novamente afetada por um evento climático extremo que, como ocorrido em novembro do ano passado, provocou muitos danos físicos, entre os quais quedas de árvores que – como amplamente reportado pela imprensa e testemunhado pelos paulistanos – derrubaram postes e fios da rede elétrica, interrompendo o fornecimento desse serviço essencial para muitos consumidores.

Os agentes políticos – reproduzindo o padrão de comportamento que tiveram após as rajadas de vento de 3 de novembro de 2023 – correram para a imprensa e suas redes sociais para explorar politicamente o evento da semana passada, colocando-nos diante dos efeitos de uma tempestade perfeita tanto no mundo climático quanto no mundo político.

O padrão seguido pelos políticos pode ser assim resumido:

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1) Eletricidade é um serviço público essencial que tem alto impacto sobre a opinião pública, como constatado nas eleições de 2002, sufrágio que transformou o racionamento de 2001 em bandeira ideológica contra a privatização (como se o serviço que vinha sendo prestado pelas estatais há décadas tivesse sido um primor de excelência);

2) A população sente na pele o desconforto da falta de eletricidade, mas não tem as ferramentas para entender as responsabilidades – empresa, governo federal, governo estadual, prefeitura, agência reguladora – envolvidas, nem para compreender realisticamente o que é requerido de tempo, equipes e equipamentos para reconstruir trechos de linhas que foram derrubadas;

3) Como o serviço é essencial, como o tema é relevante, e como a explicação é complexa, o terreno é fértil para a desinformação e exploração oportunista, especialmente em um momento delicado como o que estamos passando – entre o primeiro e segundo turno da eleição para Prefeitura de São Paulo –, que é visto por alguns analistas como uma antecipação do embate eleitoral que ocorrerá em 2026, com um potencial candidato à Presidência associado à agenda a favor da privatização e outro candidato frontal e historicamente contra a privatização.

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Um dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, em poucas horas, postou dezenas de vídeos no Instagram jogando a culpa da interrupção de eletricidade no outro candidato, enquanto o outro candidato também reagiu com dezenas postagens culpando a Enel – concessionária que atende à região – e o governo federal, governo este que apoia a candidatura de seu adversário.

Chamou atenção também a pronta mobilização da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para falar do tema em entrevista coletiva, dando indícios de que o governo federal tem interesse em manter sob holofotes um assunto que gera desgaste para o candidato que é seu oponente político no segundo turno nas eleições na cidade de São Paulo, que acontecerá em uma semana.

O governador, que não é poder concedente nem fiscalizador, falou em caducidade da concessão da Enel mesmo com toda sua experiência no setor de infraestrutura, o que deveria obrigá-lo a ser mais cuidadoso ao falar sobre quebra de contratos. O ministro de Minas e Energia atacou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por falta de fiscalização, voltou a falar em caducidade da concessão da Enel com a frase “não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora” e deu “um prazo de três dias” para a Enel resolver o problema, a despeito de saber que a empresa depende de Corpo de Bombeiros e Prefeitura para executar seu trabalho.

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Ou seja, vimos dos políticos poucas ações para ajudar a resolver o problema, mas muitos ataques e ameaças à concessionária e tentativas de empurrar a responsabilidade para seus adversários eleitorais. Como se as ameaças, ataques e o prazo de três dias fossem operar milagres no mundo real, e como se a troca da Enel por outro operador da concessão fosse uma garantia de que esse novo agente – com poderes especiais, por que não mágicos? – poderá assegurar que eventos climáticos extremos pararão de causar transtornos para a sociedade.

Alguns números de 2023 e deste ano ajudam a entender os desafios que a Enel está passando:

a) Em 2023, as rajadas superaram 103 quilômetros por hora (km/h) para postes projetados para suportar até 94 km/h, e já se sabe que na semana passada foram registrados ventos superiores de 107 km/h que danificaram trechos inteiros da rede;

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b) O call center da Enel, que em dias normais atende a 50 mil ligações, recebeu mais de 2,5 milhões de chamadas em novembro de 2023, o que demandaria 30 mil (!) atendentes para dar vazão a essa demanda explosiva;

c) Em 2023, cerca de 2,1 milhões de consumidores tiveram seu serviço interrompido no pico do problema, enquanto um número parecido foi relatado na semana passada: mais de 2 milhões sem energia no pico da sexta-feira, e cerca de 200 mil quatro dias após o pico. Ou seja, 90% das conexões foram restabelecidas quatro dias após, na terça-feira.

Quem mora em São Paulo e circulou pela cidade nos últimos dias pôde ver cenas como, por exemplo, árvores caídas sobre três postes de concreto partidos ao meio pelo peso mecânico das árvores, e um caminhão da Enel já no local, mas aguardando para poder agir em segurança.

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É preciso tempo para remodelar a operação para esse tamanho de problema. Quem ataca com a simplória premissa de ineficiência deveria pensar um pouco mais sobre como resolveria um problema parecido – em escala e em complexidade – na sua realidade empresarial ou governamental. A reflexão é especialmente pertinente para os políticos que têm demandas da população que esperam para ser atendidas há décadas.

Portanto, disputas e discursos eleitorais e ideológicos não ajudam a: (a) lidar com as interferências das árvores sobre a rede elétrica de São Paulo, área extremamente arborizada, e que começa a mostrar sua fragilidade diante de eventos climáticos extremos que ainda estamos aprendendo a enfrentar; (b) redesenhar processos operacionais das concessionárias em prazos completamente novos que também são afetados por eventos climáticos extremos; e (c) comunicar de forma realista à população que em alguns pontos, devido à criticidade do estrago, não se trata de refazer conexões, mas de reconstruir infraestruturas físicas do zero.

Que tal se, em vez de tanta energia dedicada a uma agenda negativa concentrada em ameaças à concessionária e ataques aos seus adversários nas urnas, os políticos mudassem de postura e se tornassem parceiros solidários dos consumidores, agilizando o trabalho conjunto da Prefeitura e da distribuidora para abreviar o tempo de desconforto por que passa a população?

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Afinal, para quem está sem luz há dias, importa muito menos quem é o culpado, e muito mais quem está ajudando a buscar soluções.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO E PRESIDENTE DO INSTITUTO ACENDE BRASIL (ACENDEBRASIL.COM.BR)

No dia 11 de outubro, última sexta-feira, a região metropolitana de São Paulo foi novamente afetada por um evento climático extremo que, como ocorrido em novembro do ano passado, provocou muitos danos físicos, entre os quais quedas de árvores que – como amplamente reportado pela imprensa e testemunhado pelos paulistanos – derrubaram postes e fios da rede elétrica, interrompendo o fornecimento desse serviço essencial para muitos consumidores.

Os agentes políticos – reproduzindo o padrão de comportamento que tiveram após as rajadas de vento de 3 de novembro de 2023 – correram para a imprensa e suas redes sociais para explorar politicamente o evento da semana passada, colocando-nos diante dos efeitos de uma tempestade perfeita tanto no mundo climático quanto no mundo político.

O padrão seguido pelos políticos pode ser assim resumido:

1) Eletricidade é um serviço público essencial que tem alto impacto sobre a opinião pública, como constatado nas eleições de 2002, sufrágio que transformou o racionamento de 2001 em bandeira ideológica contra a privatização (como se o serviço que vinha sendo prestado pelas estatais há décadas tivesse sido um primor de excelência);

2) A população sente na pele o desconforto da falta de eletricidade, mas não tem as ferramentas para entender as responsabilidades – empresa, governo federal, governo estadual, prefeitura, agência reguladora – envolvidas, nem para compreender realisticamente o que é requerido de tempo, equipes e equipamentos para reconstruir trechos de linhas que foram derrubadas;

3) Como o serviço é essencial, como o tema é relevante, e como a explicação é complexa, o terreno é fértil para a desinformação e exploração oportunista, especialmente em um momento delicado como o que estamos passando – entre o primeiro e segundo turno da eleição para Prefeitura de São Paulo –, que é visto por alguns analistas como uma antecipação do embate eleitoral que ocorrerá em 2026, com um potencial candidato à Presidência associado à agenda a favor da privatização e outro candidato frontal e historicamente contra a privatização.

Um dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, em poucas horas, postou dezenas de vídeos no Instagram jogando a culpa da interrupção de eletricidade no outro candidato, enquanto o outro candidato também reagiu com dezenas postagens culpando a Enel – concessionária que atende à região – e o governo federal, governo este que apoia a candidatura de seu adversário.

Chamou atenção também a pronta mobilização da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para falar do tema em entrevista coletiva, dando indícios de que o governo federal tem interesse em manter sob holofotes um assunto que gera desgaste para o candidato que é seu oponente político no segundo turno nas eleições na cidade de São Paulo, que acontecerá em uma semana.

O governador, que não é poder concedente nem fiscalizador, falou em caducidade da concessão da Enel mesmo com toda sua experiência no setor de infraestrutura, o que deveria obrigá-lo a ser mais cuidadoso ao falar sobre quebra de contratos. O ministro de Minas e Energia atacou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por falta de fiscalização, voltou a falar em caducidade da concessão da Enel com a frase “não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora” e deu “um prazo de três dias” para a Enel resolver o problema, a despeito de saber que a empresa depende de Corpo de Bombeiros e Prefeitura para executar seu trabalho.

Ou seja, vimos dos políticos poucas ações para ajudar a resolver o problema, mas muitos ataques e ameaças à concessionária e tentativas de empurrar a responsabilidade para seus adversários eleitorais. Como se as ameaças, ataques e o prazo de três dias fossem operar milagres no mundo real, e como se a troca da Enel por outro operador da concessão fosse uma garantia de que esse novo agente – com poderes especiais, por que não mágicos? – poderá assegurar que eventos climáticos extremos pararão de causar transtornos para a sociedade.

Alguns números de 2023 e deste ano ajudam a entender os desafios que a Enel está passando:

a) Em 2023, as rajadas superaram 103 quilômetros por hora (km/h) para postes projetados para suportar até 94 km/h, e já se sabe que na semana passada foram registrados ventos superiores de 107 km/h que danificaram trechos inteiros da rede;

b) O call center da Enel, que em dias normais atende a 50 mil ligações, recebeu mais de 2,5 milhões de chamadas em novembro de 2023, o que demandaria 30 mil (!) atendentes para dar vazão a essa demanda explosiva;

c) Em 2023, cerca de 2,1 milhões de consumidores tiveram seu serviço interrompido no pico do problema, enquanto um número parecido foi relatado na semana passada: mais de 2 milhões sem energia no pico da sexta-feira, e cerca de 200 mil quatro dias após o pico. Ou seja, 90% das conexões foram restabelecidas quatro dias após, na terça-feira.

Quem mora em São Paulo e circulou pela cidade nos últimos dias pôde ver cenas como, por exemplo, árvores caídas sobre três postes de concreto partidos ao meio pelo peso mecânico das árvores, e um caminhão da Enel já no local, mas aguardando para poder agir em segurança.

É preciso tempo para remodelar a operação para esse tamanho de problema. Quem ataca com a simplória premissa de ineficiência deveria pensar um pouco mais sobre como resolveria um problema parecido – em escala e em complexidade – na sua realidade empresarial ou governamental. A reflexão é especialmente pertinente para os políticos que têm demandas da população que esperam para ser atendidas há décadas.

Portanto, disputas e discursos eleitorais e ideológicos não ajudam a: (a) lidar com as interferências das árvores sobre a rede elétrica de São Paulo, área extremamente arborizada, e que começa a mostrar sua fragilidade diante de eventos climáticos extremos que ainda estamos aprendendo a enfrentar; (b) redesenhar processos operacionais das concessionárias em prazos completamente novos que também são afetados por eventos climáticos extremos; e (c) comunicar de forma realista à população que em alguns pontos, devido à criticidade do estrago, não se trata de refazer conexões, mas de reconstruir infraestruturas físicas do zero.

Que tal se, em vez de tanta energia dedicada a uma agenda negativa concentrada em ameaças à concessionária e ataques aos seus adversários nas urnas, os políticos mudassem de postura e se tornassem parceiros solidários dos consumidores, agilizando o trabalho conjunto da Prefeitura e da distribuidora para abreviar o tempo de desconforto por que passa a população?

Afinal, para quem está sem luz há dias, importa muito menos quem é o culpado, e muito mais quem está ajudando a buscar soluções.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO E PRESIDENTE DO INSTITUTO ACENDE BRASIL (ACENDEBRASIL.COM.BR)

No dia 11 de outubro, última sexta-feira, a região metropolitana de São Paulo foi novamente afetada por um evento climático extremo que, como ocorrido em novembro do ano passado, provocou muitos danos físicos, entre os quais quedas de árvores que – como amplamente reportado pela imprensa e testemunhado pelos paulistanos – derrubaram postes e fios da rede elétrica, interrompendo o fornecimento desse serviço essencial para muitos consumidores.

Os agentes políticos – reproduzindo o padrão de comportamento que tiveram após as rajadas de vento de 3 de novembro de 2023 – correram para a imprensa e suas redes sociais para explorar politicamente o evento da semana passada, colocando-nos diante dos efeitos de uma tempestade perfeita tanto no mundo climático quanto no mundo político.

O padrão seguido pelos políticos pode ser assim resumido:

1) Eletricidade é um serviço público essencial que tem alto impacto sobre a opinião pública, como constatado nas eleições de 2002, sufrágio que transformou o racionamento de 2001 em bandeira ideológica contra a privatização (como se o serviço que vinha sendo prestado pelas estatais há décadas tivesse sido um primor de excelência);

2) A população sente na pele o desconforto da falta de eletricidade, mas não tem as ferramentas para entender as responsabilidades – empresa, governo federal, governo estadual, prefeitura, agência reguladora – envolvidas, nem para compreender realisticamente o que é requerido de tempo, equipes e equipamentos para reconstruir trechos de linhas que foram derrubadas;

3) Como o serviço é essencial, como o tema é relevante, e como a explicação é complexa, o terreno é fértil para a desinformação e exploração oportunista, especialmente em um momento delicado como o que estamos passando – entre o primeiro e segundo turno da eleição para Prefeitura de São Paulo –, que é visto por alguns analistas como uma antecipação do embate eleitoral que ocorrerá em 2026, com um potencial candidato à Presidência associado à agenda a favor da privatização e outro candidato frontal e historicamente contra a privatização.

Um dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, em poucas horas, postou dezenas de vídeos no Instagram jogando a culpa da interrupção de eletricidade no outro candidato, enquanto o outro candidato também reagiu com dezenas postagens culpando a Enel – concessionária que atende à região – e o governo federal, governo este que apoia a candidatura de seu adversário.

Chamou atenção também a pronta mobilização da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para falar do tema em entrevista coletiva, dando indícios de que o governo federal tem interesse em manter sob holofotes um assunto que gera desgaste para o candidato que é seu oponente político no segundo turno nas eleições na cidade de São Paulo, que acontecerá em uma semana.

O governador, que não é poder concedente nem fiscalizador, falou em caducidade da concessão da Enel mesmo com toda sua experiência no setor de infraestrutura, o que deveria obrigá-lo a ser mais cuidadoso ao falar sobre quebra de contratos. O ministro de Minas e Energia atacou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por falta de fiscalização, voltou a falar em caducidade da concessão da Enel com a frase “não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora” e deu “um prazo de três dias” para a Enel resolver o problema, a despeito de saber que a empresa depende de Corpo de Bombeiros e Prefeitura para executar seu trabalho.

Ou seja, vimos dos políticos poucas ações para ajudar a resolver o problema, mas muitos ataques e ameaças à concessionária e tentativas de empurrar a responsabilidade para seus adversários eleitorais. Como se as ameaças, ataques e o prazo de três dias fossem operar milagres no mundo real, e como se a troca da Enel por outro operador da concessão fosse uma garantia de que esse novo agente – com poderes especiais, por que não mágicos? – poderá assegurar que eventos climáticos extremos pararão de causar transtornos para a sociedade.

Alguns números de 2023 e deste ano ajudam a entender os desafios que a Enel está passando:

a) Em 2023, as rajadas superaram 103 quilômetros por hora (km/h) para postes projetados para suportar até 94 km/h, e já se sabe que na semana passada foram registrados ventos superiores de 107 km/h que danificaram trechos inteiros da rede;

b) O call center da Enel, que em dias normais atende a 50 mil ligações, recebeu mais de 2,5 milhões de chamadas em novembro de 2023, o que demandaria 30 mil (!) atendentes para dar vazão a essa demanda explosiva;

c) Em 2023, cerca de 2,1 milhões de consumidores tiveram seu serviço interrompido no pico do problema, enquanto um número parecido foi relatado na semana passada: mais de 2 milhões sem energia no pico da sexta-feira, e cerca de 200 mil quatro dias após o pico. Ou seja, 90% das conexões foram restabelecidas quatro dias após, na terça-feira.

Quem mora em São Paulo e circulou pela cidade nos últimos dias pôde ver cenas como, por exemplo, árvores caídas sobre três postes de concreto partidos ao meio pelo peso mecânico das árvores, e um caminhão da Enel já no local, mas aguardando para poder agir em segurança.

É preciso tempo para remodelar a operação para esse tamanho de problema. Quem ataca com a simplória premissa de ineficiência deveria pensar um pouco mais sobre como resolveria um problema parecido – em escala e em complexidade – na sua realidade empresarial ou governamental. A reflexão é especialmente pertinente para os políticos que têm demandas da população que esperam para ser atendidas há décadas.

Portanto, disputas e discursos eleitorais e ideológicos não ajudam a: (a) lidar com as interferências das árvores sobre a rede elétrica de São Paulo, área extremamente arborizada, e que começa a mostrar sua fragilidade diante de eventos climáticos extremos que ainda estamos aprendendo a enfrentar; (b) redesenhar processos operacionais das concessionárias em prazos completamente novos que também são afetados por eventos climáticos extremos; e (c) comunicar de forma realista à população que em alguns pontos, devido à criticidade do estrago, não se trata de refazer conexões, mas de reconstruir infraestruturas físicas do zero.

Que tal se, em vez de tanta energia dedicada a uma agenda negativa concentrada em ameaças à concessionária e ataques aos seus adversários nas urnas, os políticos mudassem de postura e se tornassem parceiros solidários dos consumidores, agilizando o trabalho conjunto da Prefeitura e da distribuidora para abreviar o tempo de desconforto por que passa a população?

Afinal, para quem está sem luz há dias, importa muito menos quem é o culpado, e muito mais quem está ajudando a buscar soluções.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO E PRESIDENTE DO INSTITUTO ACENDE BRASIL (ACENDEBRASIL.COM.BR)

No dia 11 de outubro, última sexta-feira, a região metropolitana de São Paulo foi novamente afetada por um evento climático extremo que, como ocorrido em novembro do ano passado, provocou muitos danos físicos, entre os quais quedas de árvores que – como amplamente reportado pela imprensa e testemunhado pelos paulistanos – derrubaram postes e fios da rede elétrica, interrompendo o fornecimento desse serviço essencial para muitos consumidores.

Os agentes políticos – reproduzindo o padrão de comportamento que tiveram após as rajadas de vento de 3 de novembro de 2023 – correram para a imprensa e suas redes sociais para explorar politicamente o evento da semana passada, colocando-nos diante dos efeitos de uma tempestade perfeita tanto no mundo climático quanto no mundo político.

O padrão seguido pelos políticos pode ser assim resumido:

1) Eletricidade é um serviço público essencial que tem alto impacto sobre a opinião pública, como constatado nas eleições de 2002, sufrágio que transformou o racionamento de 2001 em bandeira ideológica contra a privatização (como se o serviço que vinha sendo prestado pelas estatais há décadas tivesse sido um primor de excelência);

2) A população sente na pele o desconforto da falta de eletricidade, mas não tem as ferramentas para entender as responsabilidades – empresa, governo federal, governo estadual, prefeitura, agência reguladora – envolvidas, nem para compreender realisticamente o que é requerido de tempo, equipes e equipamentos para reconstruir trechos de linhas que foram derrubadas;

3) Como o serviço é essencial, como o tema é relevante, e como a explicação é complexa, o terreno é fértil para a desinformação e exploração oportunista, especialmente em um momento delicado como o que estamos passando – entre o primeiro e segundo turno da eleição para Prefeitura de São Paulo –, que é visto por alguns analistas como uma antecipação do embate eleitoral que ocorrerá em 2026, com um potencial candidato à Presidência associado à agenda a favor da privatização e outro candidato frontal e historicamente contra a privatização.

Um dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, em poucas horas, postou dezenas de vídeos no Instagram jogando a culpa da interrupção de eletricidade no outro candidato, enquanto o outro candidato também reagiu com dezenas postagens culpando a Enel – concessionária que atende à região – e o governo federal, governo este que apoia a candidatura de seu adversário.

Chamou atenção também a pronta mobilização da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para falar do tema em entrevista coletiva, dando indícios de que o governo federal tem interesse em manter sob holofotes um assunto que gera desgaste para o candidato que é seu oponente político no segundo turno nas eleições na cidade de São Paulo, que acontecerá em uma semana.

O governador, que não é poder concedente nem fiscalizador, falou em caducidade da concessão da Enel mesmo com toda sua experiência no setor de infraestrutura, o que deveria obrigá-lo a ser mais cuidadoso ao falar sobre quebra de contratos. O ministro de Minas e Energia atacou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por falta de fiscalização, voltou a falar em caducidade da concessão da Enel com a frase “não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora” e deu “um prazo de três dias” para a Enel resolver o problema, a despeito de saber que a empresa depende de Corpo de Bombeiros e Prefeitura para executar seu trabalho.

Ou seja, vimos dos políticos poucas ações para ajudar a resolver o problema, mas muitos ataques e ameaças à concessionária e tentativas de empurrar a responsabilidade para seus adversários eleitorais. Como se as ameaças, ataques e o prazo de três dias fossem operar milagres no mundo real, e como se a troca da Enel por outro operador da concessão fosse uma garantia de que esse novo agente – com poderes especiais, por que não mágicos? – poderá assegurar que eventos climáticos extremos pararão de causar transtornos para a sociedade.

Alguns números de 2023 e deste ano ajudam a entender os desafios que a Enel está passando:

a) Em 2023, as rajadas superaram 103 quilômetros por hora (km/h) para postes projetados para suportar até 94 km/h, e já se sabe que na semana passada foram registrados ventos superiores de 107 km/h que danificaram trechos inteiros da rede;

b) O call center da Enel, que em dias normais atende a 50 mil ligações, recebeu mais de 2,5 milhões de chamadas em novembro de 2023, o que demandaria 30 mil (!) atendentes para dar vazão a essa demanda explosiva;

c) Em 2023, cerca de 2,1 milhões de consumidores tiveram seu serviço interrompido no pico do problema, enquanto um número parecido foi relatado na semana passada: mais de 2 milhões sem energia no pico da sexta-feira, e cerca de 200 mil quatro dias após o pico. Ou seja, 90% das conexões foram restabelecidas quatro dias após, na terça-feira.

Quem mora em São Paulo e circulou pela cidade nos últimos dias pôde ver cenas como, por exemplo, árvores caídas sobre três postes de concreto partidos ao meio pelo peso mecânico das árvores, e um caminhão da Enel já no local, mas aguardando para poder agir em segurança.

É preciso tempo para remodelar a operação para esse tamanho de problema. Quem ataca com a simplória premissa de ineficiência deveria pensar um pouco mais sobre como resolveria um problema parecido – em escala e em complexidade – na sua realidade empresarial ou governamental. A reflexão é especialmente pertinente para os políticos que têm demandas da população que esperam para ser atendidas há décadas.

Portanto, disputas e discursos eleitorais e ideológicos não ajudam a: (a) lidar com as interferências das árvores sobre a rede elétrica de São Paulo, área extremamente arborizada, e que começa a mostrar sua fragilidade diante de eventos climáticos extremos que ainda estamos aprendendo a enfrentar; (b) redesenhar processos operacionais das concessionárias em prazos completamente novos que também são afetados por eventos climáticos extremos; e (c) comunicar de forma realista à população que em alguns pontos, devido à criticidade do estrago, não se trata de refazer conexões, mas de reconstruir infraestruturas físicas do zero.

Que tal se, em vez de tanta energia dedicada a uma agenda negativa concentrada em ameaças à concessionária e ataques aos seus adversários nas urnas, os políticos mudassem de postura e se tornassem parceiros solidários dos consumidores, agilizando o trabalho conjunto da Prefeitura e da distribuidora para abreviar o tempo de desconforto por que passa a população?

Afinal, para quem está sem luz há dias, importa muito menos quem é o culpado, e muito mais quem está ajudando a buscar soluções.

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