Opinião|Fome, desigualdade e dinheiro público


Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente: a reforma tributária em curso no Congresso

Por Amarílio Macêdo

Participei, em julho passado, na casa do ex-senador Tasso Jereissati, de uma apresentação do Pacto contra a Fome, movimento suprapartidário que se propõe a combater a fome e a reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O pacto tem como metas chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome no País e, a 2040, com toda a população brasileira bem alimentada.

Nos meus 78 anos de vida, não testemunhei ainda ações capazes de resolver este problema em nenhuma parte do Brasil, mesmo tendo participado de iniciativas robustas como, por exemplo, a do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), juntamente com Betinho, criado no governo de Itamar Franco e presidido por Dom Mauro Morelli.

Para entender realmente o que é a fome, é preciso viver como os que sofrem com a fome renitente. Não se discute a importância de movimentos que buscam redução de desperdícios, sobretudo no item alimentos, mas todas essas iniciativas, até agora, têm funcionado apenas como anestésicos, que produzem impactos social e temporal limitados. A criação de instrumentos para prolongar o alcance da ação desses anestésicos e aumentar o prazo de sua validade não produz o efeito desejado. Por experiência própria, não descreio da potência transformadora de ações pactuadas entre governança pública, empresarial e outros segmentos da sociedade.

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No Brasil não falta dinheiro público para eliminar as causas da fome, que nascem e crescem nas desigualdades. Quem determina a aplicação do dinheiro da coletividade recolhido como impostos são os governantes que, quase sempre, se sentem proprietários do recurso público.

Há trabalhos que visam a dimensionar os efeitos da carga tributária, publicando o peso dela incidente sobre alimentos e outros gêneros da cesta básica, considerados na abrangência do total da população. Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente, que é a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. A reforma tem tudo para ser uma oportunidade correta de contribuição para a redução das desigualdades e da fome no Brasil. É necessário interromper o desvio do dinheiro público para sustentar incentivos fiscais em benefício daqueles que não passam fome. É argumento insidioso dizer que empresas precisam de incentivos para assegurar a sua sobrevivência. É vergonhoso admitir que o investimento só tem significado quando coloca no bolso do investidor um volume substancial de recurso público.

No Brasil ocorrem mudanças locacionais de indústrias para algumas regiões cujo mercado primordial é o Sudeste-Sul, com o único objetivo de capturar incentivos fiscais tão elevados que o aumento do custo logístico perde a relevância.

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Em reunião de chefes de Estado no mês passado na França, o presidente Lula foi enfático ao dizer nunca ter visto entrar na pauta dos países de desenvolvimento consolidado a canalização de recursos para acabar com as causas da fome crônica decorrentes das desigualdades. Eu também nunca vi.

Sou a favor de iniciativas com o propósito de aproveitar alimentos que são cronicamente desperdiçados, como também de outras medidas semelhantes de caráter paliativo que aliviam, a cada ação, a fome naquele momento. Mas é preciso que, paralelamente a esse trabalho dignificante, possamos exigir a quantificação de quanto foi o incentivo fiscal transferido pelos governos para empresas privilegiadas. Isso ajudaria as pessoas a enxergar uma das fontes relevantes da desigualdade e da fome. Empresa que precisa de incentivo para sobreviver seria melhor não existir. O incentivo fiscal dado a empresas é semelhante ao dinheiro que se coloca na sacola de um pedinte, como se o empresário estivesse com um pires na mão, para assegurar a sobrevivência do seu negócio.

A experiência de incentivos fiscais foi testada durante muitas décadas por agências federais de fomento, e dessa experiência só sobreviveram poucas empresas. Esse caminho foi potencializado com a substituição pelos incentivos fiscais regidos diretamente por governantes estaduais. Os incentivos passaram a ser acessíveis a toda empresa detentora da habilidade de convencer os falsos donos do dinheiro público a privilegiá-la. Esse destino do dinheiro público alcançou proporções muito maiores do que as oriundas das agências federais.

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Quem melhor do que os donos do dinheiro privado para convencer os governantes a priorizarem a canalização do dinheiro público para políticas que podem minorar as desigualdades e erradicar a fome? Todos nós já ouvimos que é mais eficaz ensinar a pescar do que se limitar a distribuir peixes. Distribuir peixes na ordem dominante política no Brasil é a plataforma mais vitoriosa para ganhar eleições. Essa equação é perversa.

Os maiores responsáveis pela perpetuação da fome, nascida nas desigualdades, estão no poder público. Mas isso não exime o empresariado brasileiro da corresponsabilidade pela retroalimentação deste processo. O brilho do dinheiro hipnotiza as pessoas e muitas perdem a noção dos limites do que é público e do que é privado.

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EMPRESÁRIO, É COFUNDADOR E CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI)

Participei, em julho passado, na casa do ex-senador Tasso Jereissati, de uma apresentação do Pacto contra a Fome, movimento suprapartidário que se propõe a combater a fome e a reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O pacto tem como metas chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome no País e, a 2040, com toda a população brasileira bem alimentada.

Nos meus 78 anos de vida, não testemunhei ainda ações capazes de resolver este problema em nenhuma parte do Brasil, mesmo tendo participado de iniciativas robustas como, por exemplo, a do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), juntamente com Betinho, criado no governo de Itamar Franco e presidido por Dom Mauro Morelli.

Para entender realmente o que é a fome, é preciso viver como os que sofrem com a fome renitente. Não se discute a importância de movimentos que buscam redução de desperdícios, sobretudo no item alimentos, mas todas essas iniciativas, até agora, têm funcionado apenas como anestésicos, que produzem impactos social e temporal limitados. A criação de instrumentos para prolongar o alcance da ação desses anestésicos e aumentar o prazo de sua validade não produz o efeito desejado. Por experiência própria, não descreio da potência transformadora de ações pactuadas entre governança pública, empresarial e outros segmentos da sociedade.

No Brasil não falta dinheiro público para eliminar as causas da fome, que nascem e crescem nas desigualdades. Quem determina a aplicação do dinheiro da coletividade recolhido como impostos são os governantes que, quase sempre, se sentem proprietários do recurso público.

Há trabalhos que visam a dimensionar os efeitos da carga tributária, publicando o peso dela incidente sobre alimentos e outros gêneros da cesta básica, considerados na abrangência do total da população. Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente, que é a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. A reforma tem tudo para ser uma oportunidade correta de contribuição para a redução das desigualdades e da fome no Brasil. É necessário interromper o desvio do dinheiro público para sustentar incentivos fiscais em benefício daqueles que não passam fome. É argumento insidioso dizer que empresas precisam de incentivos para assegurar a sua sobrevivência. É vergonhoso admitir que o investimento só tem significado quando coloca no bolso do investidor um volume substancial de recurso público.

No Brasil ocorrem mudanças locacionais de indústrias para algumas regiões cujo mercado primordial é o Sudeste-Sul, com o único objetivo de capturar incentivos fiscais tão elevados que o aumento do custo logístico perde a relevância.

Em reunião de chefes de Estado no mês passado na França, o presidente Lula foi enfático ao dizer nunca ter visto entrar na pauta dos países de desenvolvimento consolidado a canalização de recursos para acabar com as causas da fome crônica decorrentes das desigualdades. Eu também nunca vi.

Sou a favor de iniciativas com o propósito de aproveitar alimentos que são cronicamente desperdiçados, como também de outras medidas semelhantes de caráter paliativo que aliviam, a cada ação, a fome naquele momento. Mas é preciso que, paralelamente a esse trabalho dignificante, possamos exigir a quantificação de quanto foi o incentivo fiscal transferido pelos governos para empresas privilegiadas. Isso ajudaria as pessoas a enxergar uma das fontes relevantes da desigualdade e da fome. Empresa que precisa de incentivo para sobreviver seria melhor não existir. O incentivo fiscal dado a empresas é semelhante ao dinheiro que se coloca na sacola de um pedinte, como se o empresário estivesse com um pires na mão, para assegurar a sobrevivência do seu negócio.

A experiência de incentivos fiscais foi testada durante muitas décadas por agências federais de fomento, e dessa experiência só sobreviveram poucas empresas. Esse caminho foi potencializado com a substituição pelos incentivos fiscais regidos diretamente por governantes estaduais. Os incentivos passaram a ser acessíveis a toda empresa detentora da habilidade de convencer os falsos donos do dinheiro público a privilegiá-la. Esse destino do dinheiro público alcançou proporções muito maiores do que as oriundas das agências federais.

Quem melhor do que os donos do dinheiro privado para convencer os governantes a priorizarem a canalização do dinheiro público para políticas que podem minorar as desigualdades e erradicar a fome? Todos nós já ouvimos que é mais eficaz ensinar a pescar do que se limitar a distribuir peixes. Distribuir peixes na ordem dominante política no Brasil é a plataforma mais vitoriosa para ganhar eleições. Essa equação é perversa.

Os maiores responsáveis pela perpetuação da fome, nascida nas desigualdades, estão no poder público. Mas isso não exime o empresariado brasileiro da corresponsabilidade pela retroalimentação deste processo. O brilho do dinheiro hipnotiza as pessoas e muitas perdem a noção dos limites do que é público e do que é privado.

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EMPRESÁRIO, É COFUNDADOR E CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI)

Participei, em julho passado, na casa do ex-senador Tasso Jereissati, de uma apresentação do Pacto contra a Fome, movimento suprapartidário que se propõe a combater a fome e a reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O pacto tem como metas chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome no País e, a 2040, com toda a população brasileira bem alimentada.

Nos meus 78 anos de vida, não testemunhei ainda ações capazes de resolver este problema em nenhuma parte do Brasil, mesmo tendo participado de iniciativas robustas como, por exemplo, a do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), juntamente com Betinho, criado no governo de Itamar Franco e presidido por Dom Mauro Morelli.

Para entender realmente o que é a fome, é preciso viver como os que sofrem com a fome renitente. Não se discute a importância de movimentos que buscam redução de desperdícios, sobretudo no item alimentos, mas todas essas iniciativas, até agora, têm funcionado apenas como anestésicos, que produzem impactos social e temporal limitados. A criação de instrumentos para prolongar o alcance da ação desses anestésicos e aumentar o prazo de sua validade não produz o efeito desejado. Por experiência própria, não descreio da potência transformadora de ações pactuadas entre governança pública, empresarial e outros segmentos da sociedade.

No Brasil não falta dinheiro público para eliminar as causas da fome, que nascem e crescem nas desigualdades. Quem determina a aplicação do dinheiro da coletividade recolhido como impostos são os governantes que, quase sempre, se sentem proprietários do recurso público.

Há trabalhos que visam a dimensionar os efeitos da carga tributária, publicando o peso dela incidente sobre alimentos e outros gêneros da cesta básica, considerados na abrangência do total da população. Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente, que é a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. A reforma tem tudo para ser uma oportunidade correta de contribuição para a redução das desigualdades e da fome no Brasil. É necessário interromper o desvio do dinheiro público para sustentar incentivos fiscais em benefício daqueles que não passam fome. É argumento insidioso dizer que empresas precisam de incentivos para assegurar a sua sobrevivência. É vergonhoso admitir que o investimento só tem significado quando coloca no bolso do investidor um volume substancial de recurso público.

No Brasil ocorrem mudanças locacionais de indústrias para algumas regiões cujo mercado primordial é o Sudeste-Sul, com o único objetivo de capturar incentivos fiscais tão elevados que o aumento do custo logístico perde a relevância.

Em reunião de chefes de Estado no mês passado na França, o presidente Lula foi enfático ao dizer nunca ter visto entrar na pauta dos países de desenvolvimento consolidado a canalização de recursos para acabar com as causas da fome crônica decorrentes das desigualdades. Eu também nunca vi.

Sou a favor de iniciativas com o propósito de aproveitar alimentos que são cronicamente desperdiçados, como também de outras medidas semelhantes de caráter paliativo que aliviam, a cada ação, a fome naquele momento. Mas é preciso que, paralelamente a esse trabalho dignificante, possamos exigir a quantificação de quanto foi o incentivo fiscal transferido pelos governos para empresas privilegiadas. Isso ajudaria as pessoas a enxergar uma das fontes relevantes da desigualdade e da fome. Empresa que precisa de incentivo para sobreviver seria melhor não existir. O incentivo fiscal dado a empresas é semelhante ao dinheiro que se coloca na sacola de um pedinte, como se o empresário estivesse com um pires na mão, para assegurar a sobrevivência do seu negócio.

A experiência de incentivos fiscais foi testada durante muitas décadas por agências federais de fomento, e dessa experiência só sobreviveram poucas empresas. Esse caminho foi potencializado com a substituição pelos incentivos fiscais regidos diretamente por governantes estaduais. Os incentivos passaram a ser acessíveis a toda empresa detentora da habilidade de convencer os falsos donos do dinheiro público a privilegiá-la. Esse destino do dinheiro público alcançou proporções muito maiores do que as oriundas das agências federais.

Quem melhor do que os donos do dinheiro privado para convencer os governantes a priorizarem a canalização do dinheiro público para políticas que podem minorar as desigualdades e erradicar a fome? Todos nós já ouvimos que é mais eficaz ensinar a pescar do que se limitar a distribuir peixes. Distribuir peixes na ordem dominante política no Brasil é a plataforma mais vitoriosa para ganhar eleições. Essa equação é perversa.

Os maiores responsáveis pela perpetuação da fome, nascida nas desigualdades, estão no poder público. Mas isso não exime o empresariado brasileiro da corresponsabilidade pela retroalimentação deste processo. O brilho do dinheiro hipnotiza as pessoas e muitas perdem a noção dos limites do que é público e do que é privado.

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EMPRESÁRIO, É COFUNDADOR E CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI)

Participei, em julho passado, na casa do ex-senador Tasso Jereissati, de uma apresentação do Pacto contra a Fome, movimento suprapartidário que se propõe a combater a fome e a reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O pacto tem como metas chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome no País e, a 2040, com toda a população brasileira bem alimentada.

Nos meus 78 anos de vida, não testemunhei ainda ações capazes de resolver este problema em nenhuma parte do Brasil, mesmo tendo participado de iniciativas robustas como, por exemplo, a do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), juntamente com Betinho, criado no governo de Itamar Franco e presidido por Dom Mauro Morelli.

Para entender realmente o que é a fome, é preciso viver como os que sofrem com a fome renitente. Não se discute a importância de movimentos que buscam redução de desperdícios, sobretudo no item alimentos, mas todas essas iniciativas, até agora, têm funcionado apenas como anestésicos, que produzem impactos social e temporal limitados. A criação de instrumentos para prolongar o alcance da ação desses anestésicos e aumentar o prazo de sua validade não produz o efeito desejado. Por experiência própria, não descreio da potência transformadora de ações pactuadas entre governança pública, empresarial e outros segmentos da sociedade.

No Brasil não falta dinheiro público para eliminar as causas da fome, que nascem e crescem nas desigualdades. Quem determina a aplicação do dinheiro da coletividade recolhido como impostos são os governantes que, quase sempre, se sentem proprietários do recurso público.

Há trabalhos que visam a dimensionar os efeitos da carga tributária, publicando o peso dela incidente sobre alimentos e outros gêneros da cesta básica, considerados na abrangência do total da população. Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente, que é a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. A reforma tem tudo para ser uma oportunidade correta de contribuição para a redução das desigualdades e da fome no Brasil. É necessário interromper o desvio do dinheiro público para sustentar incentivos fiscais em benefício daqueles que não passam fome. É argumento insidioso dizer que empresas precisam de incentivos para assegurar a sua sobrevivência. É vergonhoso admitir que o investimento só tem significado quando coloca no bolso do investidor um volume substancial de recurso público.

No Brasil ocorrem mudanças locacionais de indústrias para algumas regiões cujo mercado primordial é o Sudeste-Sul, com o único objetivo de capturar incentivos fiscais tão elevados que o aumento do custo logístico perde a relevância.

Em reunião de chefes de Estado no mês passado na França, o presidente Lula foi enfático ao dizer nunca ter visto entrar na pauta dos países de desenvolvimento consolidado a canalização de recursos para acabar com as causas da fome crônica decorrentes das desigualdades. Eu também nunca vi.

Sou a favor de iniciativas com o propósito de aproveitar alimentos que são cronicamente desperdiçados, como também de outras medidas semelhantes de caráter paliativo que aliviam, a cada ação, a fome naquele momento. Mas é preciso que, paralelamente a esse trabalho dignificante, possamos exigir a quantificação de quanto foi o incentivo fiscal transferido pelos governos para empresas privilegiadas. Isso ajudaria as pessoas a enxergar uma das fontes relevantes da desigualdade e da fome. Empresa que precisa de incentivo para sobreviver seria melhor não existir. O incentivo fiscal dado a empresas é semelhante ao dinheiro que se coloca na sacola de um pedinte, como se o empresário estivesse com um pires na mão, para assegurar a sobrevivência do seu negócio.

A experiência de incentivos fiscais foi testada durante muitas décadas por agências federais de fomento, e dessa experiência só sobreviveram poucas empresas. Esse caminho foi potencializado com a substituição pelos incentivos fiscais regidos diretamente por governantes estaduais. Os incentivos passaram a ser acessíveis a toda empresa detentora da habilidade de convencer os falsos donos do dinheiro público a privilegiá-la. Esse destino do dinheiro público alcançou proporções muito maiores do que as oriundas das agências federais.

Quem melhor do que os donos do dinheiro privado para convencer os governantes a priorizarem a canalização do dinheiro público para políticas que podem minorar as desigualdades e erradicar a fome? Todos nós já ouvimos que é mais eficaz ensinar a pescar do que se limitar a distribuir peixes. Distribuir peixes na ordem dominante política no Brasil é a plataforma mais vitoriosa para ganhar eleições. Essa equação é perversa.

Os maiores responsáveis pela perpetuação da fome, nascida nas desigualdades, estão no poder público. Mas isso não exime o empresariado brasileiro da corresponsabilidade pela retroalimentação deste processo. O brilho do dinheiro hipnotiza as pessoas e muitas perdem a noção dos limites do que é público e do que é privado.

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EMPRESÁRIO, É COFUNDADOR E CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI)

Participei, em julho passado, na casa do ex-senador Tasso Jereissati, de uma apresentação do Pacto contra a Fome, movimento suprapartidário que se propõe a combater a fome e a reduzir o desperdício de alimentos no Brasil. O pacto tem como metas chegar a 2030 sem nenhuma pessoa com fome no País e, a 2040, com toda a população brasileira bem alimentada.

Nos meus 78 anos de vida, não testemunhei ainda ações capazes de resolver este problema em nenhuma parte do Brasil, mesmo tendo participado de iniciativas robustas como, por exemplo, a do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), juntamente com Betinho, criado no governo de Itamar Franco e presidido por Dom Mauro Morelli.

Para entender realmente o que é a fome, é preciso viver como os que sofrem com a fome renitente. Não se discute a importância de movimentos que buscam redução de desperdícios, sobretudo no item alimentos, mas todas essas iniciativas, até agora, têm funcionado apenas como anestésicos, que produzem impactos social e temporal limitados. A criação de instrumentos para prolongar o alcance da ação desses anestésicos e aumentar o prazo de sua validade não produz o efeito desejado. Por experiência própria, não descreio da potência transformadora de ações pactuadas entre governança pública, empresarial e outros segmentos da sociedade.

No Brasil não falta dinheiro público para eliminar as causas da fome, que nascem e crescem nas desigualdades. Quem determina a aplicação do dinheiro da coletividade recolhido como impostos são os governantes que, quase sempre, se sentem proprietários do recurso público.

Há trabalhos que visam a dimensionar os efeitos da carga tributária, publicando o peso dela incidente sobre alimentos e outros gêneros da cesta básica, considerados na abrangência do total da população. Estamos diante de um processo estruturante que tem possibilidade de tratar essas questões de forma permanente, que é a reforma tributária em curso no Congresso Nacional. A reforma tem tudo para ser uma oportunidade correta de contribuição para a redução das desigualdades e da fome no Brasil. É necessário interromper o desvio do dinheiro público para sustentar incentivos fiscais em benefício daqueles que não passam fome. É argumento insidioso dizer que empresas precisam de incentivos para assegurar a sua sobrevivência. É vergonhoso admitir que o investimento só tem significado quando coloca no bolso do investidor um volume substancial de recurso público.

No Brasil ocorrem mudanças locacionais de indústrias para algumas regiões cujo mercado primordial é o Sudeste-Sul, com o único objetivo de capturar incentivos fiscais tão elevados que o aumento do custo logístico perde a relevância.

Em reunião de chefes de Estado no mês passado na França, o presidente Lula foi enfático ao dizer nunca ter visto entrar na pauta dos países de desenvolvimento consolidado a canalização de recursos para acabar com as causas da fome crônica decorrentes das desigualdades. Eu também nunca vi.

Sou a favor de iniciativas com o propósito de aproveitar alimentos que são cronicamente desperdiçados, como também de outras medidas semelhantes de caráter paliativo que aliviam, a cada ação, a fome naquele momento. Mas é preciso que, paralelamente a esse trabalho dignificante, possamos exigir a quantificação de quanto foi o incentivo fiscal transferido pelos governos para empresas privilegiadas. Isso ajudaria as pessoas a enxergar uma das fontes relevantes da desigualdade e da fome. Empresa que precisa de incentivo para sobreviver seria melhor não existir. O incentivo fiscal dado a empresas é semelhante ao dinheiro que se coloca na sacola de um pedinte, como se o empresário estivesse com um pires na mão, para assegurar a sobrevivência do seu negócio.

A experiência de incentivos fiscais foi testada durante muitas décadas por agências federais de fomento, e dessa experiência só sobreviveram poucas empresas. Esse caminho foi potencializado com a substituição pelos incentivos fiscais regidos diretamente por governantes estaduais. Os incentivos passaram a ser acessíveis a toda empresa detentora da habilidade de convencer os falsos donos do dinheiro público a privilegiá-la. Esse destino do dinheiro público alcançou proporções muito maiores do que as oriundas das agências federais.

Quem melhor do que os donos do dinheiro privado para convencer os governantes a priorizarem a canalização do dinheiro público para políticas que podem minorar as desigualdades e erradicar a fome? Todos nós já ouvimos que é mais eficaz ensinar a pescar do que se limitar a distribuir peixes. Distribuir peixes na ordem dominante política no Brasil é a plataforma mais vitoriosa para ganhar eleições. Essa equação é perversa.

Os maiores responsáveis pela perpetuação da fome, nascida nas desigualdades, estão no poder público. Mas isso não exime o empresariado brasileiro da corresponsabilidade pela retroalimentação deste processo. O brilho do dinheiro hipnotiza as pessoas e muitas perdem a noção dos limites do que é público e do que é privado.

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EMPRESÁRIO, É COFUNDADOR E CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI)

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