Opinião|Há como reverter a crise fiscal que se avizinha?


De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025

Por Maílson da Nóbrega e João Pedro Leme

O Brasil, tudo indica, está em trajetória que o conduzirá a uma severa crise fiscal. Sua origem está em uma cultura favorável à elevação de gastos, particularmente na classe política. As desastrosas decisões fiscais da Constituição são parte integrante desse processo. Os constituintes foram tomados de uma “euforia constitucional”, que os habilitaria a garantir direitos sociais para todos. Buscaram criar um Estado de bem-estar social típico de países desenvolvidos, mas não avaliaram se o País reunia condições para financiá-lo adequadamente.

Além disso, vincularam impostos a gastos com educação e saúde, o que não existe em nenhum país que leve a sério as finanças públicas. Perenizaram escolhas, esquecendo que as prioridades devem ser avaliadas anualmente. Imputaram às gerações futuras as custosas consequências. Níveis crescentes de despesas obrigatórias engessaram o Orçamento.

De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025, como se verá adiante. A margem para gastos discricionários diminuiu drasticamente. Nos últimos 40 anos, os ajustes fiscais foram temporários. O atual arcabouço fiscal, a exemplo do teto de gastos, estabelece, para os casos que menciona, uma série de medidas de contenção de despesas, nos termos do artigo 167-A da Constituição. Todas são temporárias. Veda-se criar cargos, alterar a estrutura de carreiras, admitir pessoal, repor cargos de chefia, realizar concursos públicos, criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Parece um arsenal poderoso aos olhos de muitos, mas essas medidas não podem ser mantidas indefinidamente. Assim, o problema estrutural permanece.

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A proposta de lei do Orçamento de 2025 indica que 91% dos gastos são nominalmente obrigatórios, mas se considera apenas desembolsos mandatórios pela legislação. Há outros que na prática têm a mesma natureza, como as emendas parlamentares, os pisos constitucionais de educação e saúde e o valor mínimo de investimento criado no atual governo. Por aí, a conta sobe para 96%. Restam apenas 4% para as despesas discricionárias. A tendência é piorar, dado que os gastos previdenciários e os Benefícios de Prestação Continuada sobem em ritmo superior ao das despesas discricionárias, o que se deve aos reajustes reais do salário mínimo – restabelecidos por Luiz Inácio Lula da Silva – e ao envelhecimento da população. À medida que se reduzir a margem de 4%, será cada vez mais difícil contingenciar gastos e bloquear dotações orçamentárias para cumprir metas fiscais. Faltará dinheiro para seguro rural, subsídios para a agricultura, o Programa Minha Casa, Minha Vida, ciência, tecnologia, cultura, manutenção de estudantes no exterior e outras.

O governo tem-se esforçado para cumprir metas fiscais, mas depende de aumentos da arrecadação, uma parte da qual será gasta obrigatoriamente em educação e saúde ou distribuída aos fundos de participação dos Estados e municípios (50% das receitas do Imposto de Renda e 60% do IPI). A elevação da carga tributária enfrentará crescente oposição do Congresso. Segundo estudo do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias consumirão 100% dos gastos primários em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes.

Essa dramática situação tende a induzir o governo a usar contabilidade criativa, seja para satisfazer o apetite populista de Lula por mais gastos, como se cogitou na ampliação do programa de subsídios ao consumo de gás, seja para permitir a mínima cobertura dos gastos associados às atividades básicas da União, incluindo as do Judiciário e das Forças Armadas. Mesmo que as manobras assegurem o cumprimento formal das metas, elas reduzirão a credibilidade do governo e das regras fiscais, e não evitarão o crescimento da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador de solvência do Tesouro.

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Sem medidas para restabelecer a flexibilidade na gestão do Orçamento, temos um encontro marcado com uma severa crise fiscal. Os ministros da área econômica reconhecem a necessidade de diminuir os gastos obrigatórios, mas são logo “aconselhados” a desistir. Lula e o PT não reconhecem o problema, enquanto o presidente inventou uma contabilidade esquisita, pela qual gastos com educação e salário são “investimento”, e, portanto, não se submeteriam aos limites da restrição orçamentária.

A tarefa de resolver a crescentemente insustentável situação fiscal tende a cair no colo do próximo governo. Dificilmente o atual enfrentará o problema. Pode ser, todavia, que não haja tempo para agir e que mergulhemos na crise. A exemplo do que aconteceu no passado, ela pode propiciar o ambiente para uma mobilização política e social em favor das reformas estruturais. Será preciso, todavia, dispor de liderança política transformadora para conduzir o processo. Rezemos.

*

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-MINISTRO DA FAZENDA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA; E ANALISTA DE CONTAS PÚBLICAS DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA

O Brasil, tudo indica, está em trajetória que o conduzirá a uma severa crise fiscal. Sua origem está em uma cultura favorável à elevação de gastos, particularmente na classe política. As desastrosas decisões fiscais da Constituição são parte integrante desse processo. Os constituintes foram tomados de uma “euforia constitucional”, que os habilitaria a garantir direitos sociais para todos. Buscaram criar um Estado de bem-estar social típico de países desenvolvidos, mas não avaliaram se o País reunia condições para financiá-lo adequadamente.

Além disso, vincularam impostos a gastos com educação e saúde, o que não existe em nenhum país que leve a sério as finanças públicas. Perenizaram escolhas, esquecendo que as prioridades devem ser avaliadas anualmente. Imputaram às gerações futuras as custosas consequências. Níveis crescentes de despesas obrigatórias engessaram o Orçamento.

De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025, como se verá adiante. A margem para gastos discricionários diminuiu drasticamente. Nos últimos 40 anos, os ajustes fiscais foram temporários. O atual arcabouço fiscal, a exemplo do teto de gastos, estabelece, para os casos que menciona, uma série de medidas de contenção de despesas, nos termos do artigo 167-A da Constituição. Todas são temporárias. Veda-se criar cargos, alterar a estrutura de carreiras, admitir pessoal, repor cargos de chefia, realizar concursos públicos, criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Parece um arsenal poderoso aos olhos de muitos, mas essas medidas não podem ser mantidas indefinidamente. Assim, o problema estrutural permanece.

A proposta de lei do Orçamento de 2025 indica que 91% dos gastos são nominalmente obrigatórios, mas se considera apenas desembolsos mandatórios pela legislação. Há outros que na prática têm a mesma natureza, como as emendas parlamentares, os pisos constitucionais de educação e saúde e o valor mínimo de investimento criado no atual governo. Por aí, a conta sobe para 96%. Restam apenas 4% para as despesas discricionárias. A tendência é piorar, dado que os gastos previdenciários e os Benefícios de Prestação Continuada sobem em ritmo superior ao das despesas discricionárias, o que se deve aos reajustes reais do salário mínimo – restabelecidos por Luiz Inácio Lula da Silva – e ao envelhecimento da população. À medida que se reduzir a margem de 4%, será cada vez mais difícil contingenciar gastos e bloquear dotações orçamentárias para cumprir metas fiscais. Faltará dinheiro para seguro rural, subsídios para a agricultura, o Programa Minha Casa, Minha Vida, ciência, tecnologia, cultura, manutenção de estudantes no exterior e outras.

O governo tem-se esforçado para cumprir metas fiscais, mas depende de aumentos da arrecadação, uma parte da qual será gasta obrigatoriamente em educação e saúde ou distribuída aos fundos de participação dos Estados e municípios (50% das receitas do Imposto de Renda e 60% do IPI). A elevação da carga tributária enfrentará crescente oposição do Congresso. Segundo estudo do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias consumirão 100% dos gastos primários em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes.

Essa dramática situação tende a induzir o governo a usar contabilidade criativa, seja para satisfazer o apetite populista de Lula por mais gastos, como se cogitou na ampliação do programa de subsídios ao consumo de gás, seja para permitir a mínima cobertura dos gastos associados às atividades básicas da União, incluindo as do Judiciário e das Forças Armadas. Mesmo que as manobras assegurem o cumprimento formal das metas, elas reduzirão a credibilidade do governo e das regras fiscais, e não evitarão o crescimento da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador de solvência do Tesouro.

Sem medidas para restabelecer a flexibilidade na gestão do Orçamento, temos um encontro marcado com uma severa crise fiscal. Os ministros da área econômica reconhecem a necessidade de diminuir os gastos obrigatórios, mas são logo “aconselhados” a desistir. Lula e o PT não reconhecem o problema, enquanto o presidente inventou uma contabilidade esquisita, pela qual gastos com educação e salário são “investimento”, e, portanto, não se submeteriam aos limites da restrição orçamentária.

A tarefa de resolver a crescentemente insustentável situação fiscal tende a cair no colo do próximo governo. Dificilmente o atual enfrentará o problema. Pode ser, todavia, que não haja tempo para agir e que mergulhemos na crise. A exemplo do que aconteceu no passado, ela pode propiciar o ambiente para uma mobilização política e social em favor das reformas estruturais. Será preciso, todavia, dispor de liderança política transformadora para conduzir o processo. Rezemos.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-MINISTRO DA FAZENDA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA; E ANALISTA DE CONTAS PÚBLICAS DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA

O Brasil, tudo indica, está em trajetória que o conduzirá a uma severa crise fiscal. Sua origem está em uma cultura favorável à elevação de gastos, particularmente na classe política. As desastrosas decisões fiscais da Constituição são parte integrante desse processo. Os constituintes foram tomados de uma “euforia constitucional”, que os habilitaria a garantir direitos sociais para todos. Buscaram criar um Estado de bem-estar social típico de países desenvolvidos, mas não avaliaram se o País reunia condições para financiá-lo adequadamente.

Além disso, vincularam impostos a gastos com educação e saúde, o que não existe em nenhum país que leve a sério as finanças públicas. Perenizaram escolhas, esquecendo que as prioridades devem ser avaliadas anualmente. Imputaram às gerações futuras as custosas consequências. Níveis crescentes de despesas obrigatórias engessaram o Orçamento.

De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025, como se verá adiante. A margem para gastos discricionários diminuiu drasticamente. Nos últimos 40 anos, os ajustes fiscais foram temporários. O atual arcabouço fiscal, a exemplo do teto de gastos, estabelece, para os casos que menciona, uma série de medidas de contenção de despesas, nos termos do artigo 167-A da Constituição. Todas são temporárias. Veda-se criar cargos, alterar a estrutura de carreiras, admitir pessoal, repor cargos de chefia, realizar concursos públicos, criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Parece um arsenal poderoso aos olhos de muitos, mas essas medidas não podem ser mantidas indefinidamente. Assim, o problema estrutural permanece.

A proposta de lei do Orçamento de 2025 indica que 91% dos gastos são nominalmente obrigatórios, mas se considera apenas desembolsos mandatórios pela legislação. Há outros que na prática têm a mesma natureza, como as emendas parlamentares, os pisos constitucionais de educação e saúde e o valor mínimo de investimento criado no atual governo. Por aí, a conta sobe para 96%. Restam apenas 4% para as despesas discricionárias. A tendência é piorar, dado que os gastos previdenciários e os Benefícios de Prestação Continuada sobem em ritmo superior ao das despesas discricionárias, o que se deve aos reajustes reais do salário mínimo – restabelecidos por Luiz Inácio Lula da Silva – e ao envelhecimento da população. À medida que se reduzir a margem de 4%, será cada vez mais difícil contingenciar gastos e bloquear dotações orçamentárias para cumprir metas fiscais. Faltará dinheiro para seguro rural, subsídios para a agricultura, o Programa Minha Casa, Minha Vida, ciência, tecnologia, cultura, manutenção de estudantes no exterior e outras.

O governo tem-se esforçado para cumprir metas fiscais, mas depende de aumentos da arrecadação, uma parte da qual será gasta obrigatoriamente em educação e saúde ou distribuída aos fundos de participação dos Estados e municípios (50% das receitas do Imposto de Renda e 60% do IPI). A elevação da carga tributária enfrentará crescente oposição do Congresso. Segundo estudo do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias consumirão 100% dos gastos primários em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes.

Essa dramática situação tende a induzir o governo a usar contabilidade criativa, seja para satisfazer o apetite populista de Lula por mais gastos, como se cogitou na ampliação do programa de subsídios ao consumo de gás, seja para permitir a mínima cobertura dos gastos associados às atividades básicas da União, incluindo as do Judiciário e das Forças Armadas. Mesmo que as manobras assegurem o cumprimento formal das metas, elas reduzirão a credibilidade do governo e das regras fiscais, e não evitarão o crescimento da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador de solvência do Tesouro.

Sem medidas para restabelecer a flexibilidade na gestão do Orçamento, temos um encontro marcado com uma severa crise fiscal. Os ministros da área econômica reconhecem a necessidade de diminuir os gastos obrigatórios, mas são logo “aconselhados” a desistir. Lula e o PT não reconhecem o problema, enquanto o presidente inventou uma contabilidade esquisita, pela qual gastos com educação e salário são “investimento”, e, portanto, não se submeteriam aos limites da restrição orçamentária.

A tarefa de resolver a crescentemente insustentável situação fiscal tende a cair no colo do próximo governo. Dificilmente o atual enfrentará o problema. Pode ser, todavia, que não haja tempo para agir e que mergulhemos na crise. A exemplo do que aconteceu no passado, ela pode propiciar o ambiente para uma mobilização política e social em favor das reformas estruturais. Será preciso, todavia, dispor de liderança política transformadora para conduzir o processo. Rezemos.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-MINISTRO DA FAZENDA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA; E ANALISTA DE CONTAS PÚBLICAS DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA

O Brasil, tudo indica, está em trajetória que o conduzirá a uma severa crise fiscal. Sua origem está em uma cultura favorável à elevação de gastos, particularmente na classe política. As desastrosas decisões fiscais da Constituição são parte integrante desse processo. Os constituintes foram tomados de uma “euforia constitucional”, que os habilitaria a garantir direitos sociais para todos. Buscaram criar um Estado de bem-estar social típico de países desenvolvidos, mas não avaliaram se o País reunia condições para financiá-lo adequadamente.

Além disso, vincularam impostos a gastos com educação e saúde, o que não existe em nenhum país que leve a sério as finanças públicas. Perenizaram escolhas, esquecendo que as prioridades devem ser avaliadas anualmente. Imputaram às gerações futuras as custosas consequências. Níveis crescentes de despesas obrigatórias engessaram o Orçamento.

De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025, como se verá adiante. A margem para gastos discricionários diminuiu drasticamente. Nos últimos 40 anos, os ajustes fiscais foram temporários. O atual arcabouço fiscal, a exemplo do teto de gastos, estabelece, para os casos que menciona, uma série de medidas de contenção de despesas, nos termos do artigo 167-A da Constituição. Todas são temporárias. Veda-se criar cargos, alterar a estrutura de carreiras, admitir pessoal, repor cargos de chefia, realizar concursos públicos, criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Parece um arsenal poderoso aos olhos de muitos, mas essas medidas não podem ser mantidas indefinidamente. Assim, o problema estrutural permanece.

A proposta de lei do Orçamento de 2025 indica que 91% dos gastos são nominalmente obrigatórios, mas se considera apenas desembolsos mandatórios pela legislação. Há outros que na prática têm a mesma natureza, como as emendas parlamentares, os pisos constitucionais de educação e saúde e o valor mínimo de investimento criado no atual governo. Por aí, a conta sobe para 96%. Restam apenas 4% para as despesas discricionárias. A tendência é piorar, dado que os gastos previdenciários e os Benefícios de Prestação Continuada sobem em ritmo superior ao das despesas discricionárias, o que se deve aos reajustes reais do salário mínimo – restabelecidos por Luiz Inácio Lula da Silva – e ao envelhecimento da população. À medida que se reduzir a margem de 4%, será cada vez mais difícil contingenciar gastos e bloquear dotações orçamentárias para cumprir metas fiscais. Faltará dinheiro para seguro rural, subsídios para a agricultura, o Programa Minha Casa, Minha Vida, ciência, tecnologia, cultura, manutenção de estudantes no exterior e outras.

O governo tem-se esforçado para cumprir metas fiscais, mas depende de aumentos da arrecadação, uma parte da qual será gasta obrigatoriamente em educação e saúde ou distribuída aos fundos de participação dos Estados e municípios (50% das receitas do Imposto de Renda e 60% do IPI). A elevação da carga tributária enfrentará crescente oposição do Congresso. Segundo estudo do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias consumirão 100% dos gastos primários em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes.

Essa dramática situação tende a induzir o governo a usar contabilidade criativa, seja para satisfazer o apetite populista de Lula por mais gastos, como se cogitou na ampliação do programa de subsídios ao consumo de gás, seja para permitir a mínima cobertura dos gastos associados às atividades básicas da União, incluindo as do Judiciário e das Forças Armadas. Mesmo que as manobras assegurem o cumprimento formal das metas, elas reduzirão a credibilidade do governo e das regras fiscais, e não evitarão o crescimento da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador de solvência do Tesouro.

Sem medidas para restabelecer a flexibilidade na gestão do Orçamento, temos um encontro marcado com uma severa crise fiscal. Os ministros da área econômica reconhecem a necessidade de diminuir os gastos obrigatórios, mas são logo “aconselhados” a desistir. Lula e o PT não reconhecem o problema, enquanto o presidente inventou uma contabilidade esquisita, pela qual gastos com educação e salário são “investimento”, e, portanto, não se submeteriam aos limites da restrição orçamentária.

A tarefa de resolver a crescentemente insustentável situação fiscal tende a cair no colo do próximo governo. Dificilmente o atual enfrentará o problema. Pode ser, todavia, que não haja tempo para agir e que mergulhemos na crise. A exemplo do que aconteceu no passado, ela pode propiciar o ambiente para uma mobilização política e social em favor das reformas estruturais. Será preciso, todavia, dispor de liderança política transformadora para conduzir o processo. Rezemos.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-MINISTRO DA FAZENDA, SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA; E ANALISTA DE CONTAS PÚBLICAS DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA

O Brasil, tudo indica, está em trajetória que o conduzirá a uma severa crise fiscal. Sua origem está em uma cultura favorável à elevação de gastos, particularmente na classe política. As desastrosas decisões fiscais da Constituição são parte integrante desse processo. Os constituintes foram tomados de uma “euforia constitucional”, que os habilitaria a garantir direitos sociais para todos. Buscaram criar um Estado de bem-estar social típico de países desenvolvidos, mas não avaliaram se o País reunia condições para financiá-lo adequadamente.

Além disso, vincularam impostos a gastos com educação e saúde, o que não existe em nenhum país que leve a sério as finanças públicas. Perenizaram escolhas, esquecendo que as prioridades devem ser avaliadas anualmente. Imputaram às gerações futuras as custosas consequências. Níveis crescentes de despesas obrigatórias engessaram o Orçamento.

De 37% das despesas primárias da União em 1987, os gastos obrigatórios saltarão para 96% em 2025, como se verá adiante. A margem para gastos discricionários diminuiu drasticamente. Nos últimos 40 anos, os ajustes fiscais foram temporários. O atual arcabouço fiscal, a exemplo do teto de gastos, estabelece, para os casos que menciona, uma série de medidas de contenção de despesas, nos termos do artigo 167-A da Constituição. Todas são temporárias. Veda-se criar cargos, alterar a estrutura de carreiras, admitir pessoal, repor cargos de chefia, realizar concursos públicos, criar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Parece um arsenal poderoso aos olhos de muitos, mas essas medidas não podem ser mantidas indefinidamente. Assim, o problema estrutural permanece.

A proposta de lei do Orçamento de 2025 indica que 91% dos gastos são nominalmente obrigatórios, mas se considera apenas desembolsos mandatórios pela legislação. Há outros que na prática têm a mesma natureza, como as emendas parlamentares, os pisos constitucionais de educação e saúde e o valor mínimo de investimento criado no atual governo. Por aí, a conta sobe para 96%. Restam apenas 4% para as despesas discricionárias. A tendência é piorar, dado que os gastos previdenciários e os Benefícios de Prestação Continuada sobem em ritmo superior ao das despesas discricionárias, o que se deve aos reajustes reais do salário mínimo – restabelecidos por Luiz Inácio Lula da Silva – e ao envelhecimento da população. À medida que se reduzir a margem de 4%, será cada vez mais difícil contingenciar gastos e bloquear dotações orçamentárias para cumprir metas fiscais. Faltará dinheiro para seguro rural, subsídios para a agricultura, o Programa Minha Casa, Minha Vida, ciência, tecnologia, cultura, manutenção de estudantes no exterior e outras.

O governo tem-se esforçado para cumprir metas fiscais, mas depende de aumentos da arrecadação, uma parte da qual será gasta obrigatoriamente em educação e saúde ou distribuída aos fundos de participação dos Estados e municípios (50% das receitas do Imposto de Renda e 60% do IPI). A elevação da carga tributária enfrentará crescente oposição do Congresso. Segundo estudo do Tesouro Nacional, as despesas obrigatórias consumirão 100% dos gastos primários em 2032. Para o Ministério do Planejamento, isso ocorrerá em 2027. Pode ser antes.

Essa dramática situação tende a induzir o governo a usar contabilidade criativa, seja para satisfazer o apetite populista de Lula por mais gastos, como se cogitou na ampliação do programa de subsídios ao consumo de gás, seja para permitir a mínima cobertura dos gastos associados às atividades básicas da União, incluindo as do Judiciário e das Forças Armadas. Mesmo que as manobras assegurem o cumprimento formal das metas, elas reduzirão a credibilidade do governo e das regras fiscais, e não evitarão o crescimento da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o principal indicador de solvência do Tesouro.

Sem medidas para restabelecer a flexibilidade na gestão do Orçamento, temos um encontro marcado com uma severa crise fiscal. Os ministros da área econômica reconhecem a necessidade de diminuir os gastos obrigatórios, mas são logo “aconselhados” a desistir. Lula e o PT não reconhecem o problema, enquanto o presidente inventou uma contabilidade esquisita, pela qual gastos com educação e salário são “investimento”, e, portanto, não se submeteriam aos limites da restrição orçamentária.

A tarefa de resolver a crescentemente insustentável situação fiscal tende a cair no colo do próximo governo. Dificilmente o atual enfrentará o problema. Pode ser, todavia, que não haja tempo para agir e que mergulhemos na crise. A exemplo do que aconteceu no passado, ela pode propiciar o ambiente para uma mobilização política e social em favor das reformas estruturais. Será preciso, todavia, dispor de liderança política transformadora para conduzir o processo. Rezemos.

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João Pedro Leme

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