Recentemente, o Grupo Meta, proprietário do Facebook, do Instagram, do WhatsApp e do Threads, anunciou uma atualização em sua política de privacidade, afetando mais de 100 milhões de usuários apenas no Facebook. Esses usuários viram seus dados pessoais, incluindo fotos, textos e vídeos, serem utilizados para o treinamento de inteligência artificial (IA), gerando sérias preocupações com relação a privacidade e segurança de dados.
A IA generativa é uma área da inteligência artificial que se concentra na criação de conteúdos, como textos, imagens, músicas ou vídeos, a partir de modelos treinados numa ampla variedade de dados disponíveis. Diferente de outras formas de IA, que apenas analisam e respondem a dados de entrada, a IA generativa pode produzir novas informações ou artefatos.
Após o anúncio público e global sobre a alteração de sua política de privacidade, a preocupação aumentou. Em junho, a organização None of Your Business (Noyb) emitiu o primeiro aviso para proteger os dados dos usuários europeus, apresentando queixas às autoridades de proteção de dados de 11 países da União Europeia (UE) contra a Meta, por uso indevido de dados pessoais para o desenvolvimento de IA generativa. As queixas destacaram a violação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), argumentando que a justificativa para o tratamento de dados pessoais sem o consentimento dos usuários estava sendo o “interesse legítimo”.
Como resultado das pressões regulatórias e das queixas, a Meta decidiu suspender temporariamente o uso de dados de usuários da UE para o desenvolvimento de IA. Essa medida foi anunciada como uma resposta preliminar às solicitações das autoridades de proteção de dados.
De maneira similar, no Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em 2 de julho, emitiu uma decisão cautelar preventiva determinando a suspensão imediata da nova política de privacidade da Meta em relação ao uso de dados pessoais para treinamento de IA. A ANPD determinou que a companhia deve suspender o tratamento de dados pessoais para este fim em todos os produtos, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. Essa medida visa a proteger os direitos fundamentais dos titulares de dados e reduzir o risco iminente de danos graves e irreparáveis.
No entanto, a Meta recorreu dessa decisão. Em 10 de julho, a ANPD rejeitou o recurso da Meta, mantendo a decisão que obriga a suspensão do uso de dados de brasileiros para treinar inteligência artificial. Essa rejeição reforça a atitude rígida da ANPD em relação à proteção dos dados pessoais dos cidadãos brasileiros. Como consequência, a Meta desativou algumas de suas ferramentas de IA no Brasil, destacando o impacto direto das regulamentações nas operações tecnológicas da empresa no País.
Mas por que esta preocupação toda? A IA generativa, embora poderosa e inovadora, pode causar vários tipos de danos aos usuários, como a criação de notícias falsas, a manipulação de informações e a rápida disseminação de desinformação de forma convincente. Vídeos e áudios gerados por IA podem fazer parecer que uma pessoa disse ou fez algo que não aconteceu, podendo ser usados para difamar ou enganar. A criação de identidades falsas pode ser usada para fraudes ou roubo de identidade, uma vez que a capacidade de imitar vozes e rostos pode facilitar fraudes financeiras e outros crimes.
A atuação rápida e eficaz das autoridades de proteção de dados na União Europeia e no Brasil ressalta a importância da regulação no setor tecnológico, uma vez que a proteção dos dados pessoais é um direito fundamental que deve ser preservado, especialmente num contexto em que o desenvolvimento de tecnologias avançadas, como a IA, depende cada vez mais desses dados.
A crescente integração de IA generativa nas operações de empresas de tecnologia levanta questões críticas sobre privacidade e segurança de dados. As regulações de proteção de dados pessoais destacam a necessidade de um equilíbrio cuidadoso entre inovação e proteção dos direitos dos usuários. No entanto, a responsabilidade não recai apenas sobre as autoridades e as empresas; os próprios usuários devem estar cientes dos riscos e tomar medidas proativas para proteger suas informações pessoais.
Ou seja, apesar da supervisão das instituições, os usuários devem tomar precauções adicionais. Entre as medidas de segurança, recomenda-se evitar fornecer informações pessoais como números de documentos ou detalhes financeiros, não compartilhar sua localização exata ou detalhes específicos sobre sua rotina, nunca divulgar senhas, números de cartão de crédito ou informações confidenciais, e analisar as políticas de privacidade das plataformas para entender como seus dados pessoais serão tratados.
Esta movimentação da Meta mostra a tensão entre inovação tecnológica e a proteção de direitos fundamentais. O cenário está longe de ser resolvido, mas é um passo crucial para garantir que as gigantes tecnológicas respeitem a privacidade e a segurança dos dados pessoais de seus usuários.
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ADVOGADA ESPECIALIZADA EM DIREITO DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS, É MESTRANDA EM CIÊNCIAS JURÍDICAS