Opinião|‘Influencers’, apostas e dopamina


Mecanismo de controle do desejo está presente tanto no hábito de seguir influenciadores como no de apostar. Sequência de estímulos aumenta e a expectativa pelo prazer pode parecer infinita

Por João Paulo Castro

Seguir influenciadores é muito viciante. Apostar online também. Esse combo tem gerado uma ampla discussão no Brasil – de mudanças na legislação, passando pela psiquiatria e por questões morais. Trago dois pontos para o debate, ambos relacionados ao que tenho trabalhado e estudado nos últimos anos: o contágio emocional nas redes sociais e a neurociência aplicada à comunicação, mais precisamente sobre o neurotransmissor que vem ganhando notoriedade, a dopamina. Um dos maiores especialistas no tema é o professor da Johns Hopkins University School of Medicine e editor-chefe do The Journal of Neurophysiology, David Linden, que lançou em 2011 o livro referencial A Origem do Prazer.

O livro esmiúça como o vício nas mais variadas atividades – sexo, drogas, comida, apostas – está ligado ao ciclo da dopamina. Posso resumir que, quando temos uma atividade prazerosa, isso fica gravado no hipocampo (centro da memória no cérebro). A expectativa para a repetição da atividade também é gratificante. A busca pelo prazer é uma bússola do comportamento, segundo Linden. Normalmente, é possível usar mecanismos racionais para ajustar o ciclo e controlar o desejo, numa autorregulagem: sente-se satisfação, racionaliza-se, e a vida segue sem transtornos. O descontrole desse ciclo é o que entendemos como vício. Quando a expectativa pela gratificação imediata induz uma decisão puramente emocional e repetitiva, é como se o córtex pré-frontal (área responsável pelo controle racional) estivesse apagado. O ciclo cada vez pede mais estímulo e gera menos deleite: está desenhado o cenário de dependência.

Esse mecanismo complexo está presente tanto no hábito de seguir influenciadores quanto no de apostar. Seguir – e admirar – pessoas que usam produtos que são objetos de desejo, que postam experiências maravilhosas, em viagens a lugares deslumbrantes, que namoram pessoas também interessantes e frequentam festas espetaculares... A sequência de estímulos vai aumentando e a expectativa pelo prazer pode parecer infinita. Por isso passamos tanto tempo nas redes pelos celulares, sempre buscando o próximo estímulo, o clique, o comentário e mais impulsos. Não é à toa que os estrategistas de redes sociais chamam isso de “rolagem infinita”.

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O marketing já havia notado isso há muito tempo. A empresa americana Influencer MarketingHub aponta que o mercado valerá US$ 24 bilhões até o fim deste ano no mundo e que a expectativa é de um crescimento superior a 50% até 2027. As redes sociais têm mecanismos perfeitos para apagar nossa racionalidade, o que é ótimo para vendas. Agora, pense o quanto um seguidor é estimulado a apostar pelos criadores de conteúdo. Note, também, que os jogos online têm seus próprios mecanismos de atração. Segundo o Instituto Locomotiva, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas online entre janeiro e julho de 2024, o que dá uma média de 3,5 milhões por mês.

Há pelo menos 20 anos a neurociência apresenta estudos que apontam que apostar é um estímulo fortíssimo para os mecanismos da dopamina. Primeiro, porque existe a perspectiva de ganhos altos por um investimento relativamente baixo. Alguém pode, em segundos, ao assistir a um jogo de futebol, apostar algumas dezenas de reais e, minutos depois, receber esse valor multiplicado. E os aplicativos de apostas oferecem uma série de possibilidades simultâneas, quase como a “rolagem infinita” das redes. Assim, é possível apostar sequencialmente pequenas quantias de dinheiro e despejar uma enorme dose de dopamina nas sinapses (conexões entre neurônios). É uma dinâmica que tem mais complicadores, segundo a neurociência.

O livro Neuropropaganda de A a Z, que escrevi com o cientista social Antonio Lavareda, tem um capítulo inteiro sobre o papel da dopamina, onde mostramos que a expectativa de ganhar uma aposta é tão agradável quanto realmente ser premiado. Um estudo mostrou que, quando a dopamina é liberada, jogadores compulsivos apresentam níveis significativamente mais altos de excitação, em comparação com pessoas saudáveis. Repare o quanto é difícil abandonar o vício em apostas e que não há dúvida de que, para se livrar dele, é preciso acompanhamento psiquiátrico e de uma eficiente rede de apoio, como ocorre com todos os tipos de dependência patológica.

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Observando pelo prisma da comunicação, o ambiente é muito adverso para o tratamento, pois não basta o usuário se afastar dos aplicativos de apostas: é preciso se isolar também do mercado de influência. Ocorre que, segundo dados da Kantar, as bets investiram no Brasil mais de R$ 2,3 bilhões em propaganda entre janeiro e agosto de 2024, com influenciadores na TV tradicional (como atletas olímpicos, cantores e atores populares) e outros tantos nas redes, sem contar os clubes de futebol, muitos deles estampando as marcas das casas de apostas nas camisas. Mesmo com alguma regulamentação governamental, o desafio de evitar o crescimento do número de dependentes em apostas continua enorme num mundo conectado, com cérebros contagiados e hiperestimulados.

*

ESPECIALISTA EM INTELIGÊNCIA DE DADOS, É COFUNDADOR E CEO DA DATRIX

Seguir influenciadores é muito viciante. Apostar online também. Esse combo tem gerado uma ampla discussão no Brasil – de mudanças na legislação, passando pela psiquiatria e por questões morais. Trago dois pontos para o debate, ambos relacionados ao que tenho trabalhado e estudado nos últimos anos: o contágio emocional nas redes sociais e a neurociência aplicada à comunicação, mais precisamente sobre o neurotransmissor que vem ganhando notoriedade, a dopamina. Um dos maiores especialistas no tema é o professor da Johns Hopkins University School of Medicine e editor-chefe do The Journal of Neurophysiology, David Linden, que lançou em 2011 o livro referencial A Origem do Prazer.

O livro esmiúça como o vício nas mais variadas atividades – sexo, drogas, comida, apostas – está ligado ao ciclo da dopamina. Posso resumir que, quando temos uma atividade prazerosa, isso fica gravado no hipocampo (centro da memória no cérebro). A expectativa para a repetição da atividade também é gratificante. A busca pelo prazer é uma bússola do comportamento, segundo Linden. Normalmente, é possível usar mecanismos racionais para ajustar o ciclo e controlar o desejo, numa autorregulagem: sente-se satisfação, racionaliza-se, e a vida segue sem transtornos. O descontrole desse ciclo é o que entendemos como vício. Quando a expectativa pela gratificação imediata induz uma decisão puramente emocional e repetitiva, é como se o córtex pré-frontal (área responsável pelo controle racional) estivesse apagado. O ciclo cada vez pede mais estímulo e gera menos deleite: está desenhado o cenário de dependência.

Esse mecanismo complexo está presente tanto no hábito de seguir influenciadores quanto no de apostar. Seguir – e admirar – pessoas que usam produtos que são objetos de desejo, que postam experiências maravilhosas, em viagens a lugares deslumbrantes, que namoram pessoas também interessantes e frequentam festas espetaculares... A sequência de estímulos vai aumentando e a expectativa pelo prazer pode parecer infinita. Por isso passamos tanto tempo nas redes pelos celulares, sempre buscando o próximo estímulo, o clique, o comentário e mais impulsos. Não é à toa que os estrategistas de redes sociais chamam isso de “rolagem infinita”.

O marketing já havia notado isso há muito tempo. A empresa americana Influencer MarketingHub aponta que o mercado valerá US$ 24 bilhões até o fim deste ano no mundo e que a expectativa é de um crescimento superior a 50% até 2027. As redes sociais têm mecanismos perfeitos para apagar nossa racionalidade, o que é ótimo para vendas. Agora, pense o quanto um seguidor é estimulado a apostar pelos criadores de conteúdo. Note, também, que os jogos online têm seus próprios mecanismos de atração. Segundo o Instituto Locomotiva, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas online entre janeiro e julho de 2024, o que dá uma média de 3,5 milhões por mês.

Há pelo menos 20 anos a neurociência apresenta estudos que apontam que apostar é um estímulo fortíssimo para os mecanismos da dopamina. Primeiro, porque existe a perspectiva de ganhos altos por um investimento relativamente baixo. Alguém pode, em segundos, ao assistir a um jogo de futebol, apostar algumas dezenas de reais e, minutos depois, receber esse valor multiplicado. E os aplicativos de apostas oferecem uma série de possibilidades simultâneas, quase como a “rolagem infinita” das redes. Assim, é possível apostar sequencialmente pequenas quantias de dinheiro e despejar uma enorme dose de dopamina nas sinapses (conexões entre neurônios). É uma dinâmica que tem mais complicadores, segundo a neurociência.

O livro Neuropropaganda de A a Z, que escrevi com o cientista social Antonio Lavareda, tem um capítulo inteiro sobre o papel da dopamina, onde mostramos que a expectativa de ganhar uma aposta é tão agradável quanto realmente ser premiado. Um estudo mostrou que, quando a dopamina é liberada, jogadores compulsivos apresentam níveis significativamente mais altos de excitação, em comparação com pessoas saudáveis. Repare o quanto é difícil abandonar o vício em apostas e que não há dúvida de que, para se livrar dele, é preciso acompanhamento psiquiátrico e de uma eficiente rede de apoio, como ocorre com todos os tipos de dependência patológica.

Observando pelo prisma da comunicação, o ambiente é muito adverso para o tratamento, pois não basta o usuário se afastar dos aplicativos de apostas: é preciso se isolar também do mercado de influência. Ocorre que, segundo dados da Kantar, as bets investiram no Brasil mais de R$ 2,3 bilhões em propaganda entre janeiro e agosto de 2024, com influenciadores na TV tradicional (como atletas olímpicos, cantores e atores populares) e outros tantos nas redes, sem contar os clubes de futebol, muitos deles estampando as marcas das casas de apostas nas camisas. Mesmo com alguma regulamentação governamental, o desafio de evitar o crescimento do número de dependentes em apostas continua enorme num mundo conectado, com cérebros contagiados e hiperestimulados.

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ESPECIALISTA EM INTELIGÊNCIA DE DADOS, É COFUNDADOR E CEO DA DATRIX

Seguir influenciadores é muito viciante. Apostar online também. Esse combo tem gerado uma ampla discussão no Brasil – de mudanças na legislação, passando pela psiquiatria e por questões morais. Trago dois pontos para o debate, ambos relacionados ao que tenho trabalhado e estudado nos últimos anos: o contágio emocional nas redes sociais e a neurociência aplicada à comunicação, mais precisamente sobre o neurotransmissor que vem ganhando notoriedade, a dopamina. Um dos maiores especialistas no tema é o professor da Johns Hopkins University School of Medicine e editor-chefe do The Journal of Neurophysiology, David Linden, que lançou em 2011 o livro referencial A Origem do Prazer.

O livro esmiúça como o vício nas mais variadas atividades – sexo, drogas, comida, apostas – está ligado ao ciclo da dopamina. Posso resumir que, quando temos uma atividade prazerosa, isso fica gravado no hipocampo (centro da memória no cérebro). A expectativa para a repetição da atividade também é gratificante. A busca pelo prazer é uma bússola do comportamento, segundo Linden. Normalmente, é possível usar mecanismos racionais para ajustar o ciclo e controlar o desejo, numa autorregulagem: sente-se satisfação, racionaliza-se, e a vida segue sem transtornos. O descontrole desse ciclo é o que entendemos como vício. Quando a expectativa pela gratificação imediata induz uma decisão puramente emocional e repetitiva, é como se o córtex pré-frontal (área responsável pelo controle racional) estivesse apagado. O ciclo cada vez pede mais estímulo e gera menos deleite: está desenhado o cenário de dependência.

Esse mecanismo complexo está presente tanto no hábito de seguir influenciadores quanto no de apostar. Seguir – e admirar – pessoas que usam produtos que são objetos de desejo, que postam experiências maravilhosas, em viagens a lugares deslumbrantes, que namoram pessoas também interessantes e frequentam festas espetaculares... A sequência de estímulos vai aumentando e a expectativa pelo prazer pode parecer infinita. Por isso passamos tanto tempo nas redes pelos celulares, sempre buscando o próximo estímulo, o clique, o comentário e mais impulsos. Não é à toa que os estrategistas de redes sociais chamam isso de “rolagem infinita”.

O marketing já havia notado isso há muito tempo. A empresa americana Influencer MarketingHub aponta que o mercado valerá US$ 24 bilhões até o fim deste ano no mundo e que a expectativa é de um crescimento superior a 50% até 2027. As redes sociais têm mecanismos perfeitos para apagar nossa racionalidade, o que é ótimo para vendas. Agora, pense o quanto um seguidor é estimulado a apostar pelos criadores de conteúdo. Note, também, que os jogos online têm seus próprios mecanismos de atração. Segundo o Instituto Locomotiva, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas online entre janeiro e julho de 2024, o que dá uma média de 3,5 milhões por mês.

Há pelo menos 20 anos a neurociência apresenta estudos que apontam que apostar é um estímulo fortíssimo para os mecanismos da dopamina. Primeiro, porque existe a perspectiva de ganhos altos por um investimento relativamente baixo. Alguém pode, em segundos, ao assistir a um jogo de futebol, apostar algumas dezenas de reais e, minutos depois, receber esse valor multiplicado. E os aplicativos de apostas oferecem uma série de possibilidades simultâneas, quase como a “rolagem infinita” das redes. Assim, é possível apostar sequencialmente pequenas quantias de dinheiro e despejar uma enorme dose de dopamina nas sinapses (conexões entre neurônios). É uma dinâmica que tem mais complicadores, segundo a neurociência.

O livro Neuropropaganda de A a Z, que escrevi com o cientista social Antonio Lavareda, tem um capítulo inteiro sobre o papel da dopamina, onde mostramos que a expectativa de ganhar uma aposta é tão agradável quanto realmente ser premiado. Um estudo mostrou que, quando a dopamina é liberada, jogadores compulsivos apresentam níveis significativamente mais altos de excitação, em comparação com pessoas saudáveis. Repare o quanto é difícil abandonar o vício em apostas e que não há dúvida de que, para se livrar dele, é preciso acompanhamento psiquiátrico e de uma eficiente rede de apoio, como ocorre com todos os tipos de dependência patológica.

Observando pelo prisma da comunicação, o ambiente é muito adverso para o tratamento, pois não basta o usuário se afastar dos aplicativos de apostas: é preciso se isolar também do mercado de influência. Ocorre que, segundo dados da Kantar, as bets investiram no Brasil mais de R$ 2,3 bilhões em propaganda entre janeiro e agosto de 2024, com influenciadores na TV tradicional (como atletas olímpicos, cantores e atores populares) e outros tantos nas redes, sem contar os clubes de futebol, muitos deles estampando as marcas das casas de apostas nas camisas. Mesmo com alguma regulamentação governamental, o desafio de evitar o crescimento do número de dependentes em apostas continua enorme num mundo conectado, com cérebros contagiados e hiperestimulados.

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ESPECIALISTA EM INTELIGÊNCIA DE DADOS, É COFUNDADOR E CEO DA DATRIX

Opinião por João Paulo Castro

Especialista em Inteligência de Dados, é cofundador e CEO da Datrix

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