Opinião|Justiça climática e os desafios do Brasil


Todas as pessoas devem ser sujeitas a proteção num contexto de mudanças climáticas. Mas algumas pessoas são mais necessitadas de proteção do que outras

Por Diego Pereira

Conceituar justiça parece ser uma das tarefas mais fáceis, quando se está envolto em injustiças, e o Brasil, por sua condição de um dos países mais desiguais do mundo, sabe bem que a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco.

A incorporação desse ditado popular é a conformação de que as injustiças já fazem parte do cotidiano e da vida sofrida de quem precisa de justiça no País: pessoas vulnerabilizadas por certas condições como gênero, etnia, lugar social, localização geográfica e idade.

A partir destes recortes de vulnerabilidades é possível chegar a uma relação entre injustiça e mudanças climáticas, já que algumas pessoas sofrem mais as consequências das alterações climáticas do que outras, sendo o caso de aplicabilidade do que se compreende por justiça climática como fórmula que possibilitará a equidade nestes casos.

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Os exemplos são variados e se tornam mais realísticos diante da manifestação dessas mudanças climáticas: quando o calor aumenta e não se tem ar-condicionado; a chuva desce o morro e invade o barraco; o rio inunda e o alimento do pescador acaba; a mata pega fogo e indígenas e quilombolas perdem tudo; quando doenças provenientes do aumento do calor ou do excesso de chuva ampliam consideravelmente a incidência sobre camadas mais pobres dos territórios rurais e urbanos, a exemplo da dengue, da chikungunya e de doenças respiratórias.

Repare que são sempre as mesmas vítimas, e então se percebe que aqueles recortes de vulnerabilidades têm presença marcada em todas essas situações e se constata que quem menos deu causa a tais eventos são as principais vítimas deles.

Em seu Relatório Síntese de 2023, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) revela que aproximadamente 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis à mudança do clima. Ressalte-se que essa vulnerabilidade é tanto na seara humana quanto nas esferas dos ecossistemas, portanto, são interdependentes. Regiões e pessoas com consideráveis restrições ao desenvolvimento têm alta vulnerabilidade às ameaças climáticas. Um exemplo atual disso é a alta incidência de casos de dengue a partir das condições favoráveis à reprodução do mosquito transmissor com o aumento da temperatura e da precipitação.

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Diante deste quadro social (e a culpa não é da natureza), a justiça climática se firma e significa tratar os desigualmente atingidos pelas mudanças climáticas na medida de suas vulnerabilidades.

Todas as pessoas devem ser sujeitas a proteção num contexto de mudanças climáticas. Ocorre que algumas pessoas são mais necessitadas de proteção do que outras. Essa é a leitura de correção de desigualdade na perspectiva climática, que dialoga com o conceito de justiça climática.

Os desafios do Brasil – um país que tem sua origem na exploração colonial e se desenvolve por meio do sistema escravagista – são muitos e se dirigem tanto aos agentes privados que exploram o meio ambiente e dão causa à destruição da natureza, mas principalmente aos poderes públicos que têm o dever de preservação ambiental e são garantidores de um meio ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações (artigo 225 da Constituição).

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E mais: um país que é assentado jurídica e politicamente num regime republicano de combate às mais variadas espécies de desigualdades (artigo 3.º da Constituição) deve priorizar a inclusão de pessoas excluídas pelo clima.

Sobre a atuação pública como agente catalisador de justiça, a forma que se dará este desempenho é por meio das políticas públicas, que devem ser transversais, permanentes, preventivas e focar na proteção de pessoas e grupos vulnerabilizados.

Contudo, para fazer política pública neste nível são necessários vontade política e, sobretudo, recursos financeiros.

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A mera disponibilidade de dinheiro – que deve ser fomentada por agentes privados como petroleiras, mineradoras, siderúrgicas e o mercado financeiro – não será suficiente, já que o investimento correto em cada política deve ser analisado a partir da perspectiva científica, participativa e que mire, fundamentalmente, a justiça climática em cada ação de prevenção e de resposta a desastres.

É necessário, então, o investimento público e privado no financiamento de instrumentos que promovam a justiça climática, mas que estes recursos sejam bem empregados a partir de critérios científicos e resolutivos (é preciso saber gastar).

O primeiro passo é reconhecer as desigualdades em contextos climáticos a partir de recortes de vulnerabilidades; o segundo, acreditar que a justiça climática deve ser um fator de equidade e, portanto, presente nas políticas públicas; o terceiro, investir em instrumentos de fomento à adaptação climática, já que é necessário preparar os territórios e seus habitantes para um contexto cada vez maior de vulnerabilidade; por fim, é necessário realizar escolhas inteligentes na alocação de recursos públicos e privados.

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Implementar a justiça climática nas políticas públicas de desastres no Brasil se torna o maior dos desafios e, ao mesmo tempo, um dever de uma nação que tem entre seus objetivos fundamentais o combate às desigualdades das mais diversas modalidades, inclusive a climática.

*

PROCURADOR FEDERAL (AGU), DOUTORANDO EM DIREITO (UNB), É AUTOR DE VIDAS INTERROMPIDAS PELO MAR DE LAMA (LUMEN JURIS)

Conceituar justiça parece ser uma das tarefas mais fáceis, quando se está envolto em injustiças, e o Brasil, por sua condição de um dos países mais desiguais do mundo, sabe bem que a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco.

A incorporação desse ditado popular é a conformação de que as injustiças já fazem parte do cotidiano e da vida sofrida de quem precisa de justiça no País: pessoas vulnerabilizadas por certas condições como gênero, etnia, lugar social, localização geográfica e idade.

A partir destes recortes de vulnerabilidades é possível chegar a uma relação entre injustiça e mudanças climáticas, já que algumas pessoas sofrem mais as consequências das alterações climáticas do que outras, sendo o caso de aplicabilidade do que se compreende por justiça climática como fórmula que possibilitará a equidade nestes casos.

Os exemplos são variados e se tornam mais realísticos diante da manifestação dessas mudanças climáticas: quando o calor aumenta e não se tem ar-condicionado; a chuva desce o morro e invade o barraco; o rio inunda e o alimento do pescador acaba; a mata pega fogo e indígenas e quilombolas perdem tudo; quando doenças provenientes do aumento do calor ou do excesso de chuva ampliam consideravelmente a incidência sobre camadas mais pobres dos territórios rurais e urbanos, a exemplo da dengue, da chikungunya e de doenças respiratórias.

Repare que são sempre as mesmas vítimas, e então se percebe que aqueles recortes de vulnerabilidades têm presença marcada em todas essas situações e se constata que quem menos deu causa a tais eventos são as principais vítimas deles.

Em seu Relatório Síntese de 2023, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) revela que aproximadamente 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis à mudança do clima. Ressalte-se que essa vulnerabilidade é tanto na seara humana quanto nas esferas dos ecossistemas, portanto, são interdependentes. Regiões e pessoas com consideráveis restrições ao desenvolvimento têm alta vulnerabilidade às ameaças climáticas. Um exemplo atual disso é a alta incidência de casos de dengue a partir das condições favoráveis à reprodução do mosquito transmissor com o aumento da temperatura e da precipitação.

Diante deste quadro social (e a culpa não é da natureza), a justiça climática se firma e significa tratar os desigualmente atingidos pelas mudanças climáticas na medida de suas vulnerabilidades.

Todas as pessoas devem ser sujeitas a proteção num contexto de mudanças climáticas. Ocorre que algumas pessoas são mais necessitadas de proteção do que outras. Essa é a leitura de correção de desigualdade na perspectiva climática, que dialoga com o conceito de justiça climática.

Os desafios do Brasil – um país que tem sua origem na exploração colonial e se desenvolve por meio do sistema escravagista – são muitos e se dirigem tanto aos agentes privados que exploram o meio ambiente e dão causa à destruição da natureza, mas principalmente aos poderes públicos que têm o dever de preservação ambiental e são garantidores de um meio ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações (artigo 225 da Constituição).

E mais: um país que é assentado jurídica e politicamente num regime republicano de combate às mais variadas espécies de desigualdades (artigo 3.º da Constituição) deve priorizar a inclusão de pessoas excluídas pelo clima.

Sobre a atuação pública como agente catalisador de justiça, a forma que se dará este desempenho é por meio das políticas públicas, que devem ser transversais, permanentes, preventivas e focar na proteção de pessoas e grupos vulnerabilizados.

Contudo, para fazer política pública neste nível são necessários vontade política e, sobretudo, recursos financeiros.

A mera disponibilidade de dinheiro – que deve ser fomentada por agentes privados como petroleiras, mineradoras, siderúrgicas e o mercado financeiro – não será suficiente, já que o investimento correto em cada política deve ser analisado a partir da perspectiva científica, participativa e que mire, fundamentalmente, a justiça climática em cada ação de prevenção e de resposta a desastres.

É necessário, então, o investimento público e privado no financiamento de instrumentos que promovam a justiça climática, mas que estes recursos sejam bem empregados a partir de critérios científicos e resolutivos (é preciso saber gastar).

O primeiro passo é reconhecer as desigualdades em contextos climáticos a partir de recortes de vulnerabilidades; o segundo, acreditar que a justiça climática deve ser um fator de equidade e, portanto, presente nas políticas públicas; o terceiro, investir em instrumentos de fomento à adaptação climática, já que é necessário preparar os territórios e seus habitantes para um contexto cada vez maior de vulnerabilidade; por fim, é necessário realizar escolhas inteligentes na alocação de recursos públicos e privados.

Implementar a justiça climática nas políticas públicas de desastres no Brasil se torna o maior dos desafios e, ao mesmo tempo, um dever de uma nação que tem entre seus objetivos fundamentais o combate às desigualdades das mais diversas modalidades, inclusive a climática.

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PROCURADOR FEDERAL (AGU), DOUTORANDO EM DIREITO (UNB), É AUTOR DE VIDAS INTERROMPIDAS PELO MAR DE LAMA (LUMEN JURIS)

Conceituar justiça parece ser uma das tarefas mais fáceis, quando se está envolto em injustiças, e o Brasil, por sua condição de um dos países mais desiguais do mundo, sabe bem que a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco.

A incorporação desse ditado popular é a conformação de que as injustiças já fazem parte do cotidiano e da vida sofrida de quem precisa de justiça no País: pessoas vulnerabilizadas por certas condições como gênero, etnia, lugar social, localização geográfica e idade.

A partir destes recortes de vulnerabilidades é possível chegar a uma relação entre injustiça e mudanças climáticas, já que algumas pessoas sofrem mais as consequências das alterações climáticas do que outras, sendo o caso de aplicabilidade do que se compreende por justiça climática como fórmula que possibilitará a equidade nestes casos.

Os exemplos são variados e se tornam mais realísticos diante da manifestação dessas mudanças climáticas: quando o calor aumenta e não se tem ar-condicionado; a chuva desce o morro e invade o barraco; o rio inunda e o alimento do pescador acaba; a mata pega fogo e indígenas e quilombolas perdem tudo; quando doenças provenientes do aumento do calor ou do excesso de chuva ampliam consideravelmente a incidência sobre camadas mais pobres dos territórios rurais e urbanos, a exemplo da dengue, da chikungunya e de doenças respiratórias.

Repare que são sempre as mesmas vítimas, e então se percebe que aqueles recortes de vulnerabilidades têm presença marcada em todas essas situações e se constata que quem menos deu causa a tais eventos são as principais vítimas deles.

Em seu Relatório Síntese de 2023, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) revela que aproximadamente 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis à mudança do clima. Ressalte-se que essa vulnerabilidade é tanto na seara humana quanto nas esferas dos ecossistemas, portanto, são interdependentes. Regiões e pessoas com consideráveis restrições ao desenvolvimento têm alta vulnerabilidade às ameaças climáticas. Um exemplo atual disso é a alta incidência de casos de dengue a partir das condições favoráveis à reprodução do mosquito transmissor com o aumento da temperatura e da precipitação.

Diante deste quadro social (e a culpa não é da natureza), a justiça climática se firma e significa tratar os desigualmente atingidos pelas mudanças climáticas na medida de suas vulnerabilidades.

Todas as pessoas devem ser sujeitas a proteção num contexto de mudanças climáticas. Ocorre que algumas pessoas são mais necessitadas de proteção do que outras. Essa é a leitura de correção de desigualdade na perspectiva climática, que dialoga com o conceito de justiça climática.

Os desafios do Brasil – um país que tem sua origem na exploração colonial e se desenvolve por meio do sistema escravagista – são muitos e se dirigem tanto aos agentes privados que exploram o meio ambiente e dão causa à destruição da natureza, mas principalmente aos poderes públicos que têm o dever de preservação ambiental e são garantidores de um meio ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações (artigo 225 da Constituição).

E mais: um país que é assentado jurídica e politicamente num regime republicano de combate às mais variadas espécies de desigualdades (artigo 3.º da Constituição) deve priorizar a inclusão de pessoas excluídas pelo clima.

Sobre a atuação pública como agente catalisador de justiça, a forma que se dará este desempenho é por meio das políticas públicas, que devem ser transversais, permanentes, preventivas e focar na proteção de pessoas e grupos vulnerabilizados.

Contudo, para fazer política pública neste nível são necessários vontade política e, sobretudo, recursos financeiros.

A mera disponibilidade de dinheiro – que deve ser fomentada por agentes privados como petroleiras, mineradoras, siderúrgicas e o mercado financeiro – não será suficiente, já que o investimento correto em cada política deve ser analisado a partir da perspectiva científica, participativa e que mire, fundamentalmente, a justiça climática em cada ação de prevenção e de resposta a desastres.

É necessário, então, o investimento público e privado no financiamento de instrumentos que promovam a justiça climática, mas que estes recursos sejam bem empregados a partir de critérios científicos e resolutivos (é preciso saber gastar).

O primeiro passo é reconhecer as desigualdades em contextos climáticos a partir de recortes de vulnerabilidades; o segundo, acreditar que a justiça climática deve ser um fator de equidade e, portanto, presente nas políticas públicas; o terceiro, investir em instrumentos de fomento à adaptação climática, já que é necessário preparar os territórios e seus habitantes para um contexto cada vez maior de vulnerabilidade; por fim, é necessário realizar escolhas inteligentes na alocação de recursos públicos e privados.

Implementar a justiça climática nas políticas públicas de desastres no Brasil se torna o maior dos desafios e, ao mesmo tempo, um dever de uma nação que tem entre seus objetivos fundamentais o combate às desigualdades das mais diversas modalidades, inclusive a climática.

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PROCURADOR FEDERAL (AGU), DOUTORANDO EM DIREITO (UNB), É AUTOR DE VIDAS INTERROMPIDAS PELO MAR DE LAMA (LUMEN JURIS)

Opinião por Diego Pereira

Procurador federal (AGU), doutorando em Direito (UnB), é autor de ‘Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama’ (Lumen Juris)

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