“Eles estão comendo os gatos, eles estão comendo os cachorros.” A absurda (e comprovadamente falsa) declaração feita por Donald Trump sobre imigrantes haitianos nos EUA foi possivelmente o trecho mais marcante do recente debate presidencial daquele país. Essa fala representa o ápice de um processo político em que a relação entre humanos e seus animais de estimação, os pets, tem adquirido uma intensidade peculiar.
A defesa dos animais, principalmente os de estimação, tem provocado fortes sentimentos nas pessoas. Basta nos lembrarmos da comoção nacional com o cavalo Caramelo durante a tragédia no Rio Grande do Sul, ou do episódio do resgate dos cachorros da “mulher da casa abandonada”, no bairro de Higienópolis, em São Paulo.
Segundo uma pesquisa recente feita pela Quaest, 72% dos brasileiros têm um pet em suas casas, e 94% já tiveram algum pet. Essa pesquisa também mostrou que 55% dos tutores gastam até R$ 300 por mês com esses animais. Ou seja, o assunto faz parte do cotidiano da imensa maioria da população brasileira.
Essa intensidade na relação entre humanos (eleitores) e animais não passou despercebida pelos políticos. Por exemplo, há várias eleições, diversos vereadores e deputados têm, como uma de suas pautas principais, a defesa do bem-estar animal. Se nos anos 1990 a Sessão da Tarde nos mostrava o cão policial no filme K-9 – Um Policial Bom pra Cachorro, o horário eleitoral de 2024 está repleto de “K-99, um candidato bom para os cachorros”.
Em um ambiente informacional marcado pelas redes sociais e pela economia da atenção, a pauta pet (um dia conhecida como “direitos dos animais”) tem se tornado um ativo político importante. Por meio dela, políticos apelam aos fortes sentimentos que eleitores possuem por esses animais, seja aquele de apreciar as fotos “fofas” dos bichanos, seja o de denunciar maus-tratos animais.
Uma forma de termos uma medida objetiva da atenção que a política tem despendido ao tema nos últimos anos é observar a inclusão de palavras relacionadas a essa pauta em programas de governo de candidatos em todo o País. Por meio de ferramentas computacionais, analisamos os textos contidos em quase 70 mil programas de governo para prefeito desde 2012, buscando por algumas palavras-chave associadas à pauta.
O aumento da relevância do tema nas últimas quatro eleições é notável: o porcentual de programas que citam tais palavras saltou de 8% do total de programas em 2012 para 39% em 2024. Ou seja, a menção a palavras associadas à pauta chega a quase metade dos programas de candidatos a prefeito em 2024.
Nas candidaturas a prefeito, termos associados aos pets estão em proporções semelhantes em todo o espectro ideológico, ainda que um pouco mais proeminente na direita. Eles estão em 36% dos programas de candidatos de partidos de centro e de esquerda e em 40% dos programas de candidatos de direita. Diante do seu apoio difuso, comprovamos o apelo eleitoral do tema.
Outro aspecto interessante é como a palavra “pet” tem se tornado relevante no léxico adotado para apresentar a pauta. Se em 2020 a palavra “pet” era usada quatro vezes para cada vez que “cachorro” era mencionada, em 2024 são mais de sete vezes. Esse resultado pode ser interpretado como um sinal de maior preocupação com animais domésticos, em especial na sua “embalagem” comercial.
Ou seja, a pauta pet tomou um grande espaço da agenda de políticas públicas do País, o que pode ter consequências políticas relevantes.
De um ponto de vista programático, muitas dessas pautas podem ter impactos orçamentários. Para citar um exemplo, recentemente a primeira-dama Janja Lula da Silva intermediou junto ao Ministério da Fazenda a redução de alíquota de planos de saúde de animais no projeto de reforma tributária.
De um ponto de vista eleitoral, é importante notar que defensores da pauta pet, a princípio “sem ideologia”, podem ser grandes puxadores de voto, levando consigo outros candidatos da mesma lista para Câmaras Municipais de todo o País. Diante do desconhecimento quanto ao funcionamento do nosso sistema eleitoral, o eleitor corre sérios riscos de comprar gato por lebre.
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PESQUISADOR DE PÓS-DOUTORADO NO FGV CEPESP, É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP